quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

As duas almas de Dilma e Lula
A doutora não existe sem Nosso Guia, quando eles parecem afastados, há mais estratagema do que desencontro  
Elio Gaspari - O Globo  
Dilma Rousseff compôs dois ministérios. Um novo, na área econômica, cujo principal expoente foi recrutado na banca. Outro, velho, nas demais pastas. Novidade, só a emergência das principais facções petistas como se fossem partidos políticos. À primeira vista, a corrente majoritária que se denomina Construindo um Novo Brasil, CNB, perdeu espaço para a Democracia Socialista. Olhando-se de perto, isso quer dizer pouca coisa. Nem um grupo quer construir um novo Brasil, nem o outro sabe qual tipo de socialismo busca. Tanto é assim que o ex-deputado André Vargas, que se desligou do partido e teve o mandato cassado, ainda está listado na coordenação nacional da CNB. Esse seria o grupo de Lula. Já se chamou Articulação, rebatizou-se como Campo Majoritário e celebrizou-se por hospedar a maior parte da bancada dos condenados pelo mensalão. Doze anos de poder mostraram que essas facções operam no varejo. Às vezes, no balcão dos cargos. Em outro casos, no perigoso varejo das empresas amigas.
A partir de amanhã vai-se saber se a doutora efetivamente renunciou ao cargo de ministra da Fazenda. Se isso acontecer, a maior influência sobre o novo governo terá vindo de Lula. Foi ele quem primeiro soprou a ideia de se defenestrar Guido Mantega e novamente foi ele quem sugeriu a busca de um novo ministro na banca. De certa maneira, foi isso que aconteceu em 2003, quando o ministro Antonio Palocci buscou no mercado e no rigor fiscal os comandantes da economia petista.
O que vem por aí será um ano de apertos ou, como diria o prefeito Fernando Haddad, de “deslizamento” das promessas de campanha. Lula flertou com a ideia de substituir Dilma na disputa pela Presidência, mas nunca chegou a explicitar esse desejo. Limitou-se a estimular a onda. Quando estava no Planalto, fortalecia o ministro Palocci, mas dava voo livre ao vice-presidente José Alencar para criticar a política econômica de seu governo. Agora esse papel cairá no seu colo, ocupando um espaço onde a oposição tucana estará condenada ao silêncio, visto que a doutora capturou-lhe a agenda. Essa guinada funcionará enquanto Dilma Rousseff tiver sangue-frio para segurar maus indicadores econômicos e um inevitável desgaste das estatísticas do emprego. Durante seu primeiro mandato, Lula conseguiu essa proeza e viu-se favorecido por uma economia mundial benfazeja.
Dilma e Lula têm almas intercambiáveis. Ambos podem ser eles mesmos, mas também podem ser o outro. Nessa mistura não há indefinição, mas estratagema. Lula defende como pode a desgraça da Petrobras, Dilma promete faxina. Dilma cortará despesas, Lula culpará a elite de olhos azuis pelo que seria uma crise internacional. Não há Dilma sem Lula e até 2018 não haverá Lula sem Dilma. Eles não podem se aproximar a ponto de parecer que ela não governa, nem se distanciar a ponto de a doutora dispensar o carisma de Nosso Guia. No limite, criador e criatura só se separam em circunstâncias especiais. Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso afastaram-se, mas faltava ao primeiro uma base partidária que Lula tem. Ainda assim, FH jamais chegou ao ponto do rompimento, premiando seu antecessor com duas embaixadas.
As almas intercambiáveis permitem a Lula e Dilma serem ao mesmo tempo governo e oposição.
Compromisso com a mediocridade
José Nêumanne - O Estado de S.Paulo
Quando a presidente reeleita Dilma Rousseff anunciou o executivo da área financeira Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, a direita reagiu com espanto e a esquerda, com raiva. No entanto, ela apenas seguiu o figurino de seu primeiro governo, inspirado em seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. No caso específico, ela foi buscar o profissional para decepar os nós da economia a serem enfrentados no segundo governo em dois lugares confiáveis: o segundo escalão da assessoria do adversário tucano, Aécio Neves, e a indicação do banqueiro amigo Lázaro de Mello Brandão, chefe do segundo maior banco privado do País e velho aliado.
O chamado mercado ficou perplexo porque não contava com a astúcia de nossa figura "chapolinesca". Por falta de desconfiômetro e de sagacidade, os magnatas do negócio financeiro contavam com mais uma figurinha acadêmica carimbada do PT, nos moldes de Guido Mantega, o descartado, ou Aloizio Mercadante Oliva, a bola da vez na sinuca de madame. Ledo e "ivo" engano, dir-se-ia antigamente. Este escriba, precavido, não se surpreendeu por dois motivos: primeiramente, por ter aprendido a entender os atos da alta cúpula petralha no poder, sempre opostos à retórica da propaganda com a qual engana o eleitorado; e, em segundo lugar, por se lembrar de, em palestra no Conselho de Economia da Fiesp, o respeitado macroeconomista Octavio de Barros, vice-presidente do Bradesco, ter feito em priscas eras apaixonadíssimo discurso de louvação à gestão econômica do nosso padim Ciço do Agreste.
Surpreenderam-se os desatentos que não prestaram atenção nesses aparentes detalhes, que, na verdade, são essenciais. O filmete dos banqueiros tomando a comida do trabalhador para associar Neca Setubal, do Itaú, com a adversária Marina Silva era apenas uma patranha de marqueteiro. Como Napoleão espalhou a sábia lição de que "do traidor só se aproveita a traição", aviso dado antes de mandar fuzilar o alcaguete que lhe delatou as posições das tropas inimigas, Dilma sabe que se ganha o voto com a mentira do marketing político, mas se governa com quem conhece o caminho real das pedras. Pois então: avisou que ia convidar o presidente do banco amigo, Luiz Trabuco, e recebeu-o na companhia de seu Brandão, que vetou a solução, mas apresentou uma saída razoável na pessoa de Levy, ex-luminar da gestão lulista. O discurso do banqueiro rapace serve para levar os votos dos tolos. A boa gestão recomenda o uso da frieza dos dedos de tesoura disponíveis - a velha fábula de ganhar com a esquerda e guiar com a direita. Até porque, se não der certo, é só trocar. Não faltarão nomes no colete de seu Brandão.
Os futuros ministros do segundo governo que vêm sendo indicados também não foram inspirados nos discursos do palanque eletrônico, mas nas lições do mestre Maquiavel de Caetés. Que importa se a presidente da Confederação Nacional da Agricultura, Kátia Abreu, assumiu a defesa sub-reptícia de uma "ordem medieval do trabalho" (apud Miriam Leitão) ao recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra a implementação de normas explícitas a serem obedecidas pelos proprietários rurais, acusando-as de "preconceito ideológico contra o capitalismo"? A futura ministra é uma direitista do peito, amarrada à chefe por laços de afeto e admiração mútuos, assim como a Graciosa da Petrobrás.
Antes de nomear os novos ministros, a presidente tentou transferir parte de sua responsabilidade para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pedindo acesso à delação premiada de Paulinho do Lula e de Beto Youssef para evitar nomear receptadores de propinas da roubalheira da Petrobrás. O ex-relator do mensalão, Joaquim Barbosa, chamou a iniciativa de "degradação institucional". O loquaz ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, confessou o absurdo, em vez de dar uma de João sem braço. Ficou claro que na nomeação de seu primeiro escalão a chefe do governo leva em conta apenas as notícias do dia, em vez de compulsar os prontuários de seus futuros auxiliares. O líder da minúscula bancada governista do PRB na Câmara, George Hilton, vai tomar conta do Ministério do Esporte durante a Olimpíada no Rio, mesmo já tendo sido flagrado pela polícia carregando R$ 600 mil em pacotes de dinheiro vivo num avião privado. Kátia Abreu, Eduardo Braga e Hélder Barbalho são réus na Justiça. Aldo Rebelo tem ficha limpa, mas isso não basta para, com as palavras de ordem pré-históricas do PCdoB, comandar a pasta de Ciência e Tecnologia. Deus nos acuda.
Cid Gomes foi escolhido para o Ministério da Educação, apesar de ter sido acusado de pagar com dinheiro público o aluguel de um avião particular para viajar com a família (a sogra inclusive) para a Europa. E de ter conquistado com mérito a fama de Mecenas do semiárido por pagar cachês altíssimos a cantores como Ivete Sangalo e Plácido Domingo. Não o recomenda ao cargo a acusação de ter reagido a uma manifestação de professores afirmando: "Quem quer dar aula faz isso por gosto, não por salário. Se quer ganhar dinheiro, deixa o ensino público e vai pro privado". Sua saída do Partido Socialista Brasileiro (PSB), traindo Eduardo Campos para ficar com a presidente, que obteve votação espetacular no Ceará, o recomendou para o cargo muito mais do que o trabalho pioneiro de seu secretário adjunto de Educação, Maurício Holanda Maia, mais adequado para o cargo.
A reunião de bons burgueses com antigos delinquentes e derrotados nas urnas e o "museu de novidades" (apud Josias de Souza) não bastarão, contudo, para definir com justiça a Esplanada dos Ministérios sob Dilma 2. Sua principal característica genérica é a mediocridade ampla, geral e irrestrita. A mediocridade tirânica, que não se basta, que tudo faz para se impor e governar, é a marca do governo que nos espera e do destino que nos fará engolir.
Agora não tem marketing
O Estado de S.Paulo
Livre do marketing eleitoral e, portanto, desobrigada da necessidade de dizer e fazer apenas aquilo que dá voto, Dilma Rousseff defronta-se agora com a responsabilidade de governar o País por mais quatro anos. É desafio um pouco mais difícil do que tudo o que já enfrentou, considerando a herança maldita que ela legou a si mesma. E como nem tudo o que foi prometido na campanha eleitoral é, já se viu, para valer, às vésperas da posse no segundo mandato uma das coisas aparentemente claras na cabeça de Dilma é que ela parece disposta a, finalmente, assumir um governo que possa chamar de seu. O que ainda não se sabe é se isso será bom ou ruim para o Brasil.
O que se observa, por conta da composição no novo Ministério, é que, ao escalar a equipe "da casa" - os ministros com gabinete no Palácio do Planalto e, por essa razão, mais próximos da intimidade da presidente -, Dilma se esmerou em eliminar todos os vestígios da presença de Lula em seus calcanhares. Com isso deu uma guinada à esquerda dentro da seara petista, acabando com a influência, dentro do Planalto, da tendência majoritária e lulista do partido, a Construindo um Novo Brasil (CNB). Optou por escalar dois representantes de uma facção partidária mais à esquerda, a Democracia Socialista (DS): Miguel Rossetto e Pepe Vargas, respectivamente para a Secretaria-Geral e a pasta das Relações Institucionais. Permanece no Palácio Aloizio Mercadante, o chefe da Casa Civil, membro da CNB, mas desafeto de Lula.
Por outro lado, a escalação do trio que comandará Fazenda, Planejamento e Banco Central, até onde se sabe, foi resultado de entendimento entre Dilma e seu criador, atendendo a ponderações óbvias sobre a necessidade de promover um controle fiscal que ajude a reconquistar a confiança do mercado e dos investidores no governo, de modo a permitir a retomada do crescimento da economia. Resta saber o nível de autonomia que Dilma concederá ao trio, já que a imposição de uma política de rigor fiscal é incompatível com a prática predominante do seu primeiro mandato.
Quanto à composição do novo Ministério em geral, o resultado é tão medíocre quanto o critério que a orientou. Fiel ao "presidencialismo de coalizão" a que se submeteu sob a alegada necessidade de garantir a "governabilidade", Dilma esforçou-se, nem sempre com sucesso, em satisfazer as demandas da "base aliada", principalmente de seu próprio partido e do insaciável PMDB, além da raia miúda sempre ávida em garantir seu quinhão. Como resultado, ninguém está satisfeito, provavelmente nem ela própria.
Ainda na área política, Dilma já vai inaugurar o novo mandato com dois enormes abacaxis a descascar: o escândalo da Petrobrás e a clara intenção de Lula de exercer permanente pressão sobre ela, a partir do princípio de que, se não vai por bem, vai por mal. De fato, não seria de esperar que Lula aceitasse passivamente a redução de sua influência no governo. Por isso, sabendo contar com a maioria dos quadros dirigentes e da militância do PT, retomou com maior ênfase seu habitual discurso populista e procura se aproximar de movimentos sociais alinhados com a esquerda, na intenção de comandar a pressão sobre Dilma "a partir das ruas". Afinal, 2018 vem aí.
Enquanto isso, Dilma continua fazendo o que pode para dar conta do recado das urnas. O que tem significado, paradoxalmente, para usar uma expressão elegante, renegar por palavras e atos pontos fundamentais de seu discurso eleitoral. A mais recente proeza foi anunciar cortes de R$ 18 bilhões/ano no pagamento de cinco benefícios trabalhistas: abono salarial, seguro-desemprego, seguro-defeso, pensão por morte e auxílio-doença.
A nomeação do "banqueiro" Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda já contradisse todo o discurso com que Dilma atacou a intenção revelada por Aécio Neves durante a campanha eleitoral de nomear Armínio Fraga para o mesmíssimo cargo. Agora o governo petista, ao anunciar cortes de benefícios sociais para "corrigir distorções", pratica a mesma "ignomínia" de que a oposição era acusada pela propaganda petista: tentar resolver os problemas do País reduzindo os recursos da área social, ou seja, fazendo "a comida desaparecer da mesa do trabalhador". Agora pode.
Dez dicas simples para fazer de 2015 um ano de mais liberdade
FreedomRecebo diariamente mensagens de pessoas interessadas nas ideias liberais e com interesse em fazer mais pela sua promoção e divulgação no Brasil. Não existe uma resposta pronta para essa pergunta, pois cada indivíduo é um universo em si mesmo, dotado de preferências, ambições e aptidões. Em outras palavras, as pessoas são diferentes e buscam coisas diferentes nas suas vidas.
Existem, no entanto, regras simples de convivência e civilidade que devem ser levadas em conta ao fazermos, no nosso dia-a-dia, o papel de divulgadores e defensores das ideias liberais.  Lawrence Reed, Presidente da Foundation For Economic Education (uma das mais tradicionais instituições em defesa da liberdade no mundo, fundada em 1946), compilou dez regrinhas básicas para a defesa das ideias da liberdade. Todas são extremamente úteis e valem muito a reflexão. Será que você está fazendo a sua parte? Leia abaixo (traduzidas e adaptadas):
1. MOTIVE-SE 
A liberdade é mais que uma feliz coincidência. É um imperativo moral, digno de cada grama de paixão que as pessoas boas possam reunir. Não se trata somente de ficar animado em ano eleitoral ou de responder a uma questão política do dia. É a diferença entre escolha e coerção, entre viver sua vida ou outros viverem-na por você (e às suas custas). Se a liberdade é perdida, pode não ser recuperada na sua geração ou na de seus filhos e netos. Para resolver problemas, evitar conflitos e agregar pessoas não existe caminho pior do que política e força, e não há melhor estrada do que a liberdade para trocas pacíficas e cooperação floresçam.
2. APRENDA 
Mais precisamente, nunca pare de aprender! Para ser persuasivo de verdade, não há nada melhor do que dominar os fatos e as bases das ideias. Conheça suas ideias de trás pra frente. Ler e ouvir sobre economia, história ou filosofia nunca é demais. Deixe o outro lado usar frases de para-choques. Venha armado com substância em oposição a chavões e slogans.
3. SEJA OTIMISTA
É cansativo e desencorajador ouvir derrotistas falarem assim: “Acabou. Nossa democracia está perdida. Não tem volta. A vaca foi pro brejo. Estou indo embora do país.”. Qual o objetivo desse papo? Certamente não é inspirar. O pessimismo é uma profecia autorrealizável. Pessimistas desarmam a si mesmos e desanimam aos outros; não há nada a ser ganho com isso. Se você realmente acredita que tudo está perdido, a melhor coisa a se fazer é cogitar a possibilidade de que você esteja errado e permitir que os otimistas liderem a caminhada.
4. USE O HUMOR 
Mesmo as questões mais sérias precisam de seus momentos de leveza. Temperar seus argumentos com humor torna-os mais atrativos e mais humanos. Se você não consegue sorrir ao defender a causa da liberdade – se você não consegue fazer seu interlocutor sorrir ou gargalhar – então você está a caminho de perder a batalha. O humor quebra o gelo e facilita o convencimento.
5. FAÇA PERGUNTAS
Você não tem que dar uma palestra para cada potencial convertido às suas ideias. Aprenda a usar o método Socrático, especialmente quando você estiver conversando com algum ideólogo estatista mais rígido. Na maioria das vezes essas pessoas têm suas visões não porque eles estejam bem familiarizados com o pensamento liberal e rejeitem-no, mas porque eles simplesmente não conhecem o nosso lado. Uma linha habilidosa de questionamento pode, com frequência, levar uma pessoa a pensar sobre suas premissas de formas que nunca havia pensado antes.
6. MOSTRE QUE VOCÊ SE IMPORTA
Diz-se que as pessoas não se importam com o que você sabe se elas não souberem que você se importa. Foque em pessoas reais para argumentar em favor da liberdade. Leis e políticas contrárias à liberdade produzem bem mais que apenas maus números, elas esmagam os sonhos de pessoas reais que querem melhorar suas vidas e as vidas daqueles que elas amam. Cite exemplos de como o governo atravancou o caminho de pessoas reais, mas não fique também só no lado negativo: cite muitos casos de pessoas que alcançaram muito ao terem a liberdade para tentar.
7.  ASSUMA A SUPERIORIDADE MORAL
A liberdade é um arranjo socioeconômico que demanda um alto padrão moral. Ela não sobrevive se as pessoas são em sua maioria desonestas, impacientes, arrogantes, irresponsáveis, focadas somente no curto prazo e sem respeito pelas vidas, direitos e propriedades dos outros. Isso diz muito sobre a superioridade moral da liberdade sobre todas as outros “sistemas”. A humanidade é composta de indivíduos únicos, não é um coletivo amorfo e disforme a ser comandado por pessoas elitistas que se acham nossos mestres e planejadores. Qualquer arranjo que coloque nossas distintas vidas em um liquidificador coletivista é uma ofensa moral. Utilize este argumento para atacar o cerne do argumento de qualquer adversário.
8.  DESENVOLVA UMA PERSONALIDADE ATRAENTE
Um liberal que conhece todos os fatos e teorias pode ser ineficaz e repulsivo se ele for esnobe, recalcado, grosseiro, bruto, hipócrita ou ficar sempre na defensiva. É por isso que clássico de Dale Carnegie, “Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas”, deve estar na lista de leitura de todos os liberais. Você quer mudar o mundo ou apenas bater no peito e dizer que está certo? Você quer conversar com outras pessoas ou só consigo mesmo?
E pegue leve na negatividade! Alguns liberais falam só de más notícias. São aqueles que não veem nada de bom acontecendo em lugar algum. Esta atitude faz parecer que eles estão lhe dizendo: “Pare de se divertir. A única boa notícia é que não há nenhuma boa notícia. Se você acha que há uma boa notícia, vamos lhe dizer por que não é.” Essa atitude pega mal e raramente converte alguém. Heróis e histórias heróicas estão à nossa volta, não ignore-os fixando-se sempre nos canalhas e nas decepções.
9. NÃO EXIJA ACEITAÇÃO TOTAL E IMEDIATA
Você já se deparou com um liberal para o qual você é um pária se você não confessar todos os seus pecados intelectuais e se arrepender na hora? A história do progresso nas idéias nos dá poucos exemplos de pessoas que estavam erradas sobre tudo e passaram, de uma hora para outra, a estarem certas sobre tudo. Devemos ser pacientes, convidativos e compreensivos. Saiba quando as rachaduras estão aparecendo na parede de um oponente e lhe dê espaço para que ele mesmo a derrube. Lembre-se de que todos nós hoje pensamos diferente do que pensávamos no passado. Nenhum de nós saiu da barriga da mãe com uma cópia de “O Caminho da Servidão” nas mãos.
10. FAÇA ALIADOS, NÃO INIMIGOS 
Uma meia dúzia de liberais solitários e ineficazes – mas muito barulhentos – consideram-se juízes da fé. Eles agem como se o maior inimigo não fosse aquele que não abraça nenhum dos preceitos liberais, mas aquele que abraça alguns dos nossos preceitos, mas não todos. Então, quando eles encontram um colega liberal que já teve uma visão diferente, ou que se distancia da ortodoxia em uma questão ou outra, eles começam a atacá-lo. Isso os faz se sentir bem, mas prejudica a causa maior. Se queremos fazer do mundo um lugar melhor e mais liberal, não podemos fazer com que seja doloroso para alguém trilhar o caminho do descobrimento das nossas ideias. Precisamos ajudar mais e mais pessoas a se moverem na direção certa.
Que tenhamos todos um excelente 2015 e que as ideias liberais sigam prosperando Brasil afora!
Ninho de escândalos
O Estado de S.Paulo
Não é novidade que uma excessiva proximidade entre empresas e governo gera uma relação promíscua entre ambos, com graves danos ao interesse público. No entanto, esses graves danos receberam recentemente contornos mais nítidos. Os fatos relativos à atuação pouco decorosa entre diretores da Petrobrás, executivos de empreiteiras e dirigentes de partidos políticos ajudam a dar uma dimensão mais acurada do mal que causa ao País essas relações antiéticas e, sobretudo, ilegais. Diante de tanta corrupção - desprezo pelo bem público e apreço pelo privado, seja ele pessoal ou partidário -, não é hora de desperdiçar nenhuma medida que possa contribuir para melhorar o ambiente institucional.
Uma das medidas moralizadoras que o País tem em mãos para diminuir esse mal é a proibição do financiamento de partidos políticos por pessoas jurídicas. Sobre o tema há uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na qual se pede o reconhecimento da inconstitucionalidade desse tipo de contribuição aos partidos políticos. A ação se baseia no fato de que o financiamento por pessoas jurídicas viola o preceito constitucional da igualdade, pois os financiadores ganham peso maior nos negócios do Estado. A maioria dos ministros do STF já votou em sentido favorável ao pedido da OAB, aprovando a derrubada do financiamento por pessoas jurídicas. O processo, no momento, está parado, em razão de um pedido de vistas feito pelo ministro Gilmar Mendes.
Em entrevista ao Estado, um dos autores da ação no Supremo Tribunal Federal, o procurador regional da República Daniel Sarmento, comentou que "a representação se baseou em duas ideias. A primeira é a de que a democracia pressupõe que os cidadãos tenham igualdade na influência sobre decisões do Estado. O nosso sistema é o contrário disso". Como já se afirmou neste espaço, em editorial, "as empresas não têm direito a voto". E as suas contribuições para as campanhas influenciam o voto de quem detém o direito a ele - o cidadão. Permitir que empresas façam doações às campanhas eleitorais é atribuir-lhes um protagonismo político a que elas não têm direito.
O segundo motivo que fundamenta a ação no STF - e que vem ganhando relevância a cada novo episódio do petrolão - é a moralidade pública. "Há preocupação também com o princípio republicano que tem a ver com corrupção", afirmou Sarmento. "Essa corrupção é crime, mas também é corrupção em outro sentido, o de corromper a lógica do sistema político que começa a ser a do atendimento de financiadores. Mesmo quando isso eventualmente não envolva crime", esclareceu o procurador da República.
A história do PT no poder, que vem sendo mais bem contada a cada dia, mostra como um partido pode ir corrompendo as relações institucionais, transformando-as em ocasiões para barganhas, negociatas, propinas. Depois de anos enviesando o funcionamento do Estado e das estatais nesse triste rumo, não é fácil de restituir às relações institucionais o seu sentido original. Para voltar a aprumá-las é necessário um sério empenho e, por essa razão, seria um equívoco desperdiçar as possíveis medidas disponíveis para moralizar o ambiente político, entre elas - e de fácil acesso - está a proibição do financiamento político pelas pessoas jurídicas.
O fim desse tipo de financiamento não significará, como às vezes erroneamente se repete, um estímulo ao financiamento ilegal. Sarmento considera que "vai se reduzir significativamente o valor oficial das campanhas. Então, isso vai tornar muito mais perceptível o abuso. A política brasileira funcionará perfeitamente bem sem ter de aumentar os gastos públicos com ela. Com os recursos que já são gastos com Fundo Partidário, verbas públicas, o direito de antena que os partidos têm, mais a doação de pessoas físicas". Não há fantasmas a serem temidos.
"Um dos ninhos de onde provém boa parte dos escândalos é o financiamento de campanha", afirmou Sarmento. Não é pouca coisa descobrir onde se originam os males. Agora cabe ao STF aproveitar essa oportunidade para, cumprindo o seu papel institucional, pôr fim a esse ninho de escândalos.
O fracasso da heterodoxia e do voluntarismo
O Globo
Balanço do primeiro governo Dilma Foto: Arte
Miinistra das Minas e Energia, ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff chegou à Presidência da República pelas mãos do seu chefe entre 2003 e final de 2010, Luiz Inácio Lula da Silva, e passou a ter o poder formal sobre toda a administração pública. E uma responsabilidade do tamanho deste poder.
Na prática, porém, Dilma, desde a saída de José Dirceu da Casa Civil, avariado pela denúncia do mensalão, e a quem ela substituiu, passou a exercer forte ingerência na política econômica de Lula. Transcorria o ano de 2005, o penúltimo do primeiro mandato do líder petista. Dilma, então, completa agora aproximadamente nove anos de influência sobre a política econômica, e de maneira direta, incisiva, nos últimos quatro, seu primeiro mandato.
Um sinal forte de demarcação de um novo rumo na economia foi emitido pela nova ministra da Casa Civil, ainda em 2005, quando rebateu proposta do ministro da Fazenda Antonio Palocci de não permitir que os gastos públicos correntes crescessem mais que o PIB, ideia considerada “rudimentar" pela economista Dilma. Em vez de um ajuste fiscal, a ministra propôs o corte dos juros.
Delineava-se ali o modelo “desenvolvimentista”, heterodoxo, voluntarista, para cuja implementação seria importante a chegada de Guido Mantega para o lugar de Palocci, também abatido por problemas éticos.
A crise mundial deflagrada a partir do fim de 2008 foi o pretexto usado pela Casa Civil e a Fazenda para acelerar os gastos públicos e conectar o Tesouro aos grandes bancos oficiais, principalmente o BNDES. De alguma forma, o “novo marco macroeconômico”, causa do fracasso da política econômica da presidente Dilma, começou a ser aplicado em 2009, dois anos antes da posse da sucessora de Lula.
Como acontece nesses turbinamentos voluntariosos do consumo, a economia cresceu em alta velocidade logo depois, em 2010 (7%), numa providencial coincidência com as eleições, para em seguida entrar na zona de turbulência em que se encontra até hoje. Com evidente poder sobre o Banco Central de Alexandre Tombini, Dilma ainda praticaria o corte de juros que defendeu em 2005, sob aplausos de falanges radicais petistas. Mas as taxas tiveram de voltar a subir, como se previa.
O governo acaba hoje em meio a um balanço melancólico: inflação longe da meta (4,5%), PIB estagnado, contas públicas desequilibradas, e desacreditadas pela “contabilidade criativa”, dívida pública em ascensão. O emprego ainda se mantém, mas a perda de dinamismo do mercado de trabalho é perceptível, enquanto a inflação já se refletiu numa mudança de tendência na redução da pobreza. 
Apuradas as urnas, Dilma afinal admitiu a pane na economia brasileira. E assume amanhã sob a perspectiva de um ajuste fiscal que sempre combateu.
Os pontos-chave
1
A presidente Dilma passou a interferir na política econômica desde que assumiu a Casa Civil, em 2005
2
A crise mundial serviu de pretexto para Dilma e Mantega começarem a adotar o “novo marco”
3
Como acontece nesses modelos de turbinamento do consumo, há rápido crescimento e, depois, crise

Inflação, estagnação, emprego sem fôlego e contas públicas desarrumadas atestam a falência do modelo
5
Reeleita, a presidente admitiu a pane na economia e anunciou um ajuste de que sempre discordou
Dilma sob ataques
Merval Pereira - O Globo 
A questão central é que mexer em valores importantes para trabalhadores e sindicalistas dá a sensação de que o governo está traindo seus eleitores, ao mesmo tempo que dá margem a que o PSDB assuma um modo petista de fazer oposição.
Mas na verdade o governo está fazendo o que tinha de fazer mesmo, há distorções no seguro-desemprego, no sistema de pensões, e em diversos outros mecanismos de benefícios sociais; é necessário, mas desgastante, dar uma controlada nisso. A ideia é economizar cerca de R$ 18 bilhões/ano, o que não é pouca coisa para um país que está precisando desesperadamente cortar custos.
Mas mexe com interesses de sindicalistas, que já estão muito agitados, e com políticos também. Até setores do PMDB estão questionando as medidas, chamando a atenção para o fato de que o governo começa a cortar custos pelos trabalhadores, e não pelos gastos excessivos da máquina governamental.
A esquerda do PT está se sentindo afastada da composição desse 2º Ministério, e acha que a direita tomou conta do governo. Há setores da esquerda, dentro e fora do PT, que não apoiam Dilma por tomar medidas que criticava nos seus adversários na campanha, e este é um fato que denota a incongruência de um governo que tem de abandonar crenças ideológicas na economia para reverter situação desastrosa que ele mesmo criou.
Dilma está tomando medidas que mudam a direção que apontou nos discursos na campanha eleitoral, mas não são medidas “de direita”, como equivocadamente apontam seus críticos internos, mas medidas necessárias para recuperar o equilíbrio das contas públicas.
Ao que tudo indica, teremos pela primeira vez um déficit fiscal ao final deste 2014, pois, para chegarmos a um superávit de R$ 10 bilhões anunciado pelo (ainda) ministro Guido Mantega, teríamos que ter um superávit de quase R$ 30 bilhões em dezembro, o que é inviável a esta altura, pelo menos sem malabarismos fiscais.
Dilma já anunciou que vai abrir o capital da Caixa para investimentos privados e precisa fazer isso mesmo, pois o governo não tem dinheiro. O problema é que ela não terá o apoio nem do PT, já liberado por Lula para críticas, nem dos movimentos sociais, que, ao contrário, estarão mobilizados em ação conjunta de Lula com líderes sindicais para ir às ruas defender os interesses da esquerda.
Isso quer dizer que, a pretexto de defender o governo do ataque da “direita”, esses movimentos sociais estarão indo contra setores encastelados no Ministério de Dilma, como Gilberto Kassab (PSD), que nas Cidades terá que dialogar Guilherme Boulos, do Movimento dos Sem Teto, o novo enfant terrible da esquerda brasileira.
A futura ministra da Agricultura, Kátia Abreu, também terá que se confrontar com João Pedro Stédile e o MST, que prometeu guerra nas ruas caso Aécio Neves vencesse a eleição, e vê a presidente da Confederação Nacional da Agricultura como uma inimiga tão grande quanto o candidato tucano, com o agravante de estar dentro do governo.
Ao lado disso, o governo não contará com o apoio da oposição, ao contrário do que aconteceu no início do primeiro governo Lula. A Força Sindical, que apoiou Aécio na eleição, vai se juntar aos demais sindicatos ligados ao PT para combater as mudanças nas regras de concessão de benefícios trabalhistas e previdenciários, que considera nocivas aos trabalhadores.
A Força Sindical toca num ponto nevrálgico: o país vive expectativa de aumento de desemprego, de inflação e dos juros, e as novas medidas serão adotadas nesse novo ambiente econômico de crise.
O PSDB está disposto a ser oposição até mesmo a Joaquim Levy, que veio de suas hostes. O deputado Antonio Imbassahy já deu a direção ao dizer que as medidas representam o “neoliberalismo petista, que provocará desemprego e prejudicará os trabalhadores”.
O próprio presidente do PSDB, senador Aécio Neves, soltou uma nota afirmando que a presidente “faz agora o impensável: coloca em prática as suas medidas impopulares, prejudicando aqueles que deveriam ser alvo da defesa intransigente do seu governo: os trabalhadores e os estudantes”.
O embate será duro e incessante, e a presidente Dilma não parece estar equipada politicamente para enfrentá-lo.
A presidente Dilma terá grandes problemas pela frente porque a esquerda do PT e os sindicalistas já começam a se movimentar tanto contra Joaquim Levy quanto contra as medidas de contenção de custos dos benefícios sociais. Ao mesmo tempo, também o PSDB saiu ao ataque contra as novas medidas de contenção, acusando o governo de estar traindo seus eleitores e classificando de “neoliberalismo petista” as medidas anunciadas.
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MACHINE HEAD - NIGHT OF LONG KNIVES


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Ashlynn Brooke

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Via djf224
Canal da Nicarágua ameaça maior reserva de água doce da América Central
Frédéric Saliba - Le Monde
Inti Ocon/AFP
3.out.2014 - Ativistas carregam uma faixa que diz "Fora chineses" durante um protesto contra o projeto de construção de um canal no município de San Jorge, na Nicarágua. Cerca de 500 agricultores da Nicarágua terão que deixar as suas casas para a construção 3.out.2014 - Ativistas carregam uma faixa que diz "Fora chineses" durante um protesto contra o projeto de construção de um canal no município de San Jorge, na Nicarágua. Cerca de 500 agricultores da Nicarágua terão que deixar as suas casas para a construção
Os habitantes de El Tule e de Rivas, vilarejos do sul de Nicarágua, tiveram este ano um "Natal negro". Na quarta-feira (24), centenas deles enfrentaram a polícia para protestar contra o lançamento das obras do "grande canal interoceânico" entre o Pacífico e o Mar do Caribe. Esse projeto faraônico, que supostamente competiria com o Canal do Panamá, ameaça a maior reserva de água doce da América Central, a floresta tropical e as populações que vivem no traçado da obra.
"A polícia nos atacou com balas de borracha e gás lacrimogêneo", contou à imprensa Yader Francisco Sequeira, morador de El Tule, município situado 260 quilômetros a sudeste da capital Manágua. Assim como esse camponês, que vive na província de Rio San Juan, 30 mil nicaraguenses, entre eles indígenas ramas e nahuas, deverão ser expropriados de suas terras para a construção do canal que atravessa o país de leste a oeste.
Na quarta-feira, os confrontos com a polícia resultaram em 21 feridos, um deles em estado grave, segundo as autoridades, que prenderam 33 manifestantes. Quatro dias depois, seis deles ainda estavam detidos.
Na segunda-feira (22), o ex-comandante sandinista, Daniel Ortega, reeleito em 2011 para um terceiro mandato presidencial, lançou a obra do canal com grande aparato. O projeto, avaliado em US$50 bilhões (R$135 bilhões), foi concedido de forma totalmente obscura ao empresário chinês Wang Jing. O magnata asiático das telecomunicações, que comanda o consórcio internacional Hong Kong Nicaragua Development Investment (HKND), obteve uma concessão de cinquenta anos, renovável por uma vez, para construir a mais ambiciosa obra da América Latina.

"Cessão ultrajante"

O pontapé inicial da obra foi dado no vilarejo de Brito, na costa pacífica. É lá que terá início, em 2015, a perfuração do canal, cuja inauguração está prevista para 2020. Seu trajeto atravessará o lago de Nicarágua, também chamado de Cocibolca, por 105 quilômetros, e depois florestas tropicais, para chegar à foz de Punta Gorda, na costa do Mar do Caribe. Uma vez terminada, a obra, com seus 278 quilômetros, terá três vezes a extensão do Canal do Panamá (77 quilômetros). O projeto também prevê uma zona comercial de 35 quilômetros quadrados, diversos complexos turísticos, um aeroporto, dois portos, estradas e usinas de cimento e de aço.
"Não ao canal, fora chineses!", gritaram os manifestantes contrários ao projeto, que organizaram cerca de quinze protestos desde setembro. Deverão ser expropriadas 277 comunidades pelo valor venal (inferior ao valor de mercado), sem nenhuma possibilidade de recurso. "Os habitantes se recusam a vender suas terras", criticou a advogada Monica Lopez.
Membro do Grupo Cocibolca, que reúne uma dezena de organizações científicas e ecologistas contrárias ao projeto, Lopez entrou com um recurso por inconstitucionalidade contra a concessão atribuída à HKND que, segundo ela, "representa uma cessão ultrajante da soberania nacional". Quem também protesta é o centro de defesa ambiental Alexander von Humboldt, que se juntou ao movimento para denunciar uma possível catástrofe ambiental. A construção do canal ameaçaria 16 bacias hidrográficas e 15 zonas protegidas, entre elas o sistema de terras úmidas de San Miguelito.
Jorge Huete-Pérez, presidente da Academia de Ciências de Nicarágua, também soou o alerta ao co-assinar um artigo, publicado em fevereiro na revista científica "Nature", sobre os riscos de permitir a entrada de água salgada no lago Cocibolca, imensa reserva de água doce (8.624 quilômetros quadrados) de biodiversidade excepcional, situado na rota de pássaros migradores.
Desde então, esse especialista em biologia molecular vem afirmando à imprensa que "a composição química da água será modificada, alterando a fauna e a flora. A sedimentação também poderá afetar drasticamente esse ecossistema. A contaminação por petróleo causada pelos barcos poderá afetar os animais, mas também os humanos que bebem a água do lago e a utilizam para irrigar suas terras", sem contar a destruição em potencial de milhares de hectares de floresta em uma zona já vitimada pelo desmatamento.
Esses argumentos são refutados pelo governo, que garante que o traçado do canal "minimiza os riscos para o meio ambiente". Sua principal motivação está nas consequências econômicas do projeto, que permitiriam criar empregos para reduzir a pobreza que atinge 45% da população. "O canal também representa uma oportunidade de alocar mais recursos à proteção de água do lago Cocibolca e ao reflorestamento do país", afirmou Manuel Coronel Kautz, presidente da autoridade do Grande Canal de Nicarágua.
Mas os opositores parecem mais determinados do que nunca. "Aqui estou, aqui morrerei", jura Ramona Henriquez, moradora da comunidade de Santo Domingo de Piche, em um documentário disponibilizado na internet pelo Centro Humboldt. A advogada Lopez se mostra preocupada: "A repressão policial pode acabar provocando uma escalada da violência". A queda de braço só está começando.
Arábia Saudita adota mil chicotadas para calar a crítica
Ángeles Espinosa - El País 
Reprodução/Facebook
Raef Badawi foi condenado na Arábia Saudita a mil chicotadas por "desrespeitar o Islã" ao defender a liberdade de expressão em um portal na internet Raef Badawi foi condenado na Arábia Saudita a mil chicotadas por "desrespeitar o Islã" ao defender a liberdade de expressão em um portal na internet
Ensaf Haidar treme diante da mera perspectiva das mil chicotadas que aguardam seu marido, Raef Badawi, condenado na Arábia Saudita por "desrespeitar o Islã". Seu crime foi defender a liberdade de expressão e ter fundado um portal na internet onde se podia discutir religião. O brutal castigo, que será executado em lotes de 50 chicotadas aplicadas em sextas-feiras sucessivas e que se soma a dez anos de privação da liberdade, busca dissuadir outros ativistas dos direitos civis no Reino do Deserto. Como nas demais monarquias da península Arábica, o temor de que a menor abertura solape seu poder absoluto se exacerbou desde a Primavera Árabe.
"Em outros países se denuncia a redução do espaço para a sociedade civil; nesta parte do mundo não há espaço para reduzir", lamenta Khalid Ibrahim, codiretor da GCHR (Gulf Center for Human Rights). "Os defensores dos direitos humanos são tratados como criminosos, não conseguem encontrar trabalho e não têm permissão para se organizar. De Omã, onde um ativista foi detido e não sabemos onde está, à Arábia Saudita, onde prendem qualquer um que discorde, passando pelos Emirados, que não toleram a crítica, e Bahrein, onde continuam os protestos, a situação é muito ruim", resume em uma conversa por telefone.
"Raef não é um criminoso. Não é um assassino ou um violador. É um blogueiro. Seu único delito é ser uma voz livre em um país que não tolera nem entende a liberdade", repete a citada Haidar, que, depois da detenção de seu marido em 2012, exilou-se com seus três filhos no Canadá.
O saudita Badawi, 30, recebeu em novembro passado o prêmio Liberdade de Imprensa da Repórteres Sem Fronteiras por seu trabalho para promover a liberdade de informação. Além disso, a organização, cujo capítulo espanhol apadrinha o blogueiro, pediu ao rei Abdallah que perdoe as chicotadas e o liberte. A Arábia Saudita, que a Repórteres Sem Fronteiras situa no fim de sua classificação mundial de liberdade de imprensa, aprovou este ano uma lei draconiana que considera terrorismo os crimes de opinião.
"O controle oficial dos meios de comunicação tradicionais fez os ativistas recorrerem às redes sociais, e os governos responderam com leis antiterroristas e contra os crimes cibernéticos", denuncia Ibrahim. "Estão utilizando o Poder Judiciário como instrumento político contra os que defendem a liberdade de expressão", acrescenta.
Na opinião desse ativista, "a situação piorou muito no último ano; não só mais defensores foram presos, como se generalizou a proibição de viajar para aqueles que ainda não foram julgados e às vezes nem sequer acusados formalmente".
É o caso de Samar Badawi, irmã de Raef e mulher de Walid Abualkhair, um destacado advogado de direitos humanos e prisioneiro de consciência saudita, condenado a 15 anos por "prejudicar a reputação do reino" e "incitar a opinião pública". Badawi, que fazia uma campanha internacional pela libertação de seu marido e outros ativistas, viu negada sua saída do país no início de dezembro, quando viajaria a Bruxelas para participar de um fórum da UE.
"Ainda não me explicaram o motivo", responde por mensagem eletrônica. No entanto, sua mobilização parece ter surtido efeito. "Walid está melhor agora e o estão tratando bem", indica a ativista, que em 2012 recebeu o prêmio Mulheres de Coragem, concedido pelo Departamento de Estado americano pelas mãos de Hillary Clinton e da primeira-dama Michelle Obama. Para ela, "o problema mais agudo na Arábia Saudita é que se silenciam as vozes dos que pedem reformas".
"As revoltas árabes animaram os defensores dos direitos humanos nos países do Golfo a pedir que as liberdades e os direitos civis sejam respeitados, mas quando os governantes viram a queda de Ben Ali e de Mubarak decidiram agir de forma preventiva. Os que não estão na prisão esperam julgamento ou fugiram de seu país", resume Ibrahim. "Os governos da região estão usando todos os instrumentos em suas mãos para evitar as mínimas concessões aos cidadãos", conclui.

Pena de morte por comentar na web

Apesar das diferenças e rivalidades políticas, do outro lado do golfo Pérsico, no Irã, a situação dos direitos humanos também é preocupante. O Tribunal Supremo confirmou há um mês a pena de morte a Soheil Arabi, 30, devido a comentários escritos em sua página no Facebook que um juiz considerou um "insulto ao profeta", referindo-se a Maomé. Continua-se a executar pessoas que eram menores quando cometeram os crimes, e as organizações de direitos denunciam a falta de garantias processuais.
A chegada à presidência de Hasan Rohani, em 2013, representou alguma melhora, mas os ativistas temem que as negociações nucleares eclipsem suas demandas.
"Vimos uma melhora na liberdade de expressão, mas a situação dos ativistas políticos e dos direitos civis quase não mudou; ainda restam muitos presos políticos detidos", resume por telefone de Teerã a advogada e defensora dos direitos humanos Nasrin Sotudeh, libertada no ano passado, mas que continua proibida de exercer a advocacia.
Por isso, todos os dias ela se senta diante do Colégio de Advogados para reclamar seu direito. "[As autoridades] também permitiram manifestações. Apesar de que na última, em protesto contra os ataques com ácido contra mulheres, detiveram alguns participantes e Mahdieh Golru [uma jovem ativista] ainda não foi libertada. Outro indicador é o número de executados, que aumentou nos últimos 18 meses", acrescenta.
Para ela, o principal problema é que "não libertaram certos advogados [membros do Centro de Defensores dos Direitos Humanos, fundado pela prêmio Nobel da paz Shirin Ebadi], como Abdolfattah Soltani". Salienta também que "as ativistas dos direitos da mulher sofrem muitas pressões e limitações". 
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Natal se torna a 'salvação' dos livreiros franceses
Michel Guerrin - Le Monde
Quando se pergunta a Matthieu de Montchalin o que representa o período de Natal para os livreiros, ele faz uma comparação lúdica: "No Scrabble, palavras valem o dobro ou o triplo. Para nós, setembro vale o dobro, e dezembro o triplo. "Ou até o quádruplo. Uma livraria perde dinheiro entre janeiro e agosto, se tranquiliza em setembro e se recupera em dezembro", diz o diretor da L'Armitière, em Rouen, e presidente do Sindicato dos Livreiros da França, com 2.500 membros e 40% das vendas no país, mais do que a Fnac e a Amazon juntas.
Essas livrarias conferem um aspecto cultural às cidades, tanto que cada vez que uma fecha, há uma mobilização que envolve até o prefeito. O livreiro é precioso, mas ele tem a reputação de choramingão. Sempre reclamando de um cliente imbecil, de um aluguel alto, de um editor que o ataca ou o esquece, de um mês ensolarado demais.Esperávamos pelo pior antes de entrevistar, no dia 23 de dezembro, seis livreiros de uma França em recessão. Todos juram que estão felizes e saudáveis. Christian Thorel, dono da Ombres Blanches, em Toulouse, anunciou um aumento de 5% em seu faturamento em 2014. Matthieu de Montchalin se diz muito confiante, assim como Christelle Bourg, da Bookstore em Biarritz. Pascal Thuot, da Millepages, em Vincennes, irá distribuir bônus aos funcionários, e a mesma alegria se vê em Jean-Marie Aubert, da livraria Masséna, em Nice, e em Rémy Ehlinger, da Coiffard, em Nantes.
Só na segunda-feira (22), 5.500 livros foram vendidos na L'Armitière. Matthieu de Montchali explica o que acontece na reta final: "Uma livraria pode morrer com muitos clientes porque sua taxa de rentabilidade é a mais baixa de todos os comércios do centro da cidade: 0,3% do faturamento. Uma livraria muitas vezes atinge seu ponto morto no dia 27 de dezembro. Restam quatro dias para ganhar dinheiro."

Orgulho

Esses livreiros estão felizes porque eles defendem primeiramente os romances, e os desse semestre, premiados ou não, "venderam muito bem". Eles lutam para vender a última obra de Carrère ao cliente, mas é primeiramente a diversidade das vendas que os anima. Christian Thorel, citado como exemplo por seus colegas, sente orgulho de ter vendido 190 exemplares de "Debout-payé" de Gauz, 90 de "Karpathia", de Mathias Menegoz, 70 de "Dans le jardin de l'ogre", de Leila Slimani, e 20 de "L'Envoleuse", de Laure des Accords.
A concentração do público em poucas obras se acentua no cinema ou nas exposições, não para esses livreiros. Quando lhe perguntam para quê isso serve, Christian Thorel responde: "Este ano vendemos 700 mil livros, de 160 mil títulos diferentes. Essa diversidade até mesmo cresceu 6% em dezembro."
Nossos livreiros juram que os documentos da ex-primeira-dama francesa Valérie Trierweiler (570 mil exemplares) e de Eric Zemmour (250 mil) foram secundários em suas vendas.
"A clientela de Trierweiler é de revista, não de livros", decide Jean-Marie Aubert. "Zemmour vai bem em uma cidade conservadora como Nice, vendi 338 exemplares dele, mas bem menos que Carrère." Já Matthieu de Montchalin afirma que "dos 600 mil livros vendidos este ano, 300 foram de Trierweiler e 250 de Zemmour."
Paradoxo
Existe um paradoxo. As vendas de livros estão em queda há três anos, a leitura entre os jovens vem diminuindo bruscamente, a literatura sofre e o comércio pela internet está crescendo (18% em 2013), no entanto essas livrarias independentes estão lucrando. A Millepages, por exemplo, acaba de contratar mais funcionários, e o dono da Masséna abriu uma filial em Antibes e se diz "muito otimista" em relação ao setor.
Há várias explicações para isso. Essas livrarias estão instaladas em cidades ricas, dinâmicas e com jovens. Elas são renomadas e muito bem localizadas. Acima de tudo, elas são de porte grande com uma ampla oferta.
A Ombres Blanches é a mais imponente, com seus 10 milhões de euros de faturamento, em uma área de 1.800 metros quadrados. "Quando vejo todas as lojas de comida no centro de Toulouse, penso que é bom difundir o saber", diz Christian Thorel. A Bookstore, em Biarritz, é a menor delas com seus 80 metros quadrados, mas ela fica à beira do mar em uma cidade turística, e abre todos os dias "tanto no verão quanto no Natal". Em compensação, muitas livrarias instaladas em cidades ou bairros instáveis estão sofrendo, ou até perdendo "muito" dinheiro, diz Matthieu de Montchalin.
As grandes livrarias estão se beneficiando do fechamento recente das cadeias Chapitre e Virgin, e da conjuntura também. Um estudo da consultoria Deloitte mostra que o livro está em primeiro lugar na lista dos presentes desejados, algo inédito. Além disso, em período de crise o livro continua sendo um objeto nobre acessível. E, o mais importante, essas livrarias oferecem um serviço incomparável: são 32 vendedores na Ombres Blanches e 21 na Coiffard, que podem passar vinte minutos ou mais com um cliente. Pascal Thuot diz o que está em jogo: "Não se resiste às turbulências acomodando-se. Os clientes eram leitores que sabiam o que queriam. Eles se tornaram consumidores, que devem ser buscados e querem compartilhar uma experiência conosco. Somos uma marca, fazemos comércio de luxo. As pequenas livrarias que ficam esperando o cliente estão com os dias contados."
Para sobreviver elas precisam "pegar o trem da modernidade", diz Nathalie Lacroix, que trabalha com livrarias em projetos culturais, o que envolve estar no Twitter e no Facebook, fazer parte de redes, sair de seus muros. "Se você não se torna um ponto cultural, você morre", diz Rémy Ehlinger, que organizou na Coiffard cerca de trinta encontros com escritores em dois meses. Para eles, a Amazon é uma "praga lamentável do ponto de vista social". Mas todos preferem traçar seu caminho, como Pascal Thuot: "Não entro nesse debate. Cabe a nós resistirmos oferecendo um serviço de qualidade."
Russos não veem os alimentos mais caros como crise
Celestine Bohlen - NYT
Acostumados com crises econômicas, os consumidores pouco se espantam com a atual desvalorização do rublo, os preços mais altos nas lojas e a escassez de bens importados.
No início de 1992, os preços aqui explodiram em uma média de 350%, enquanto a Rússia pós-comunista fazia um pouso forçado para se tornar uma economia de mercado livre. Seis anos depois, em agosto de 1998, os preços novamente giraram descontroladamente depois que o governo russo desvalorizou o rublo e declarou moratória de suas dívidas.
Em comparação, a queda do valor do rublo deste ano parece controlada, o que pode explicar o relativo estoicismo entre os consumidores enquanto avançam lentamente ao longo de caminhos cobertos de neve, rodando as lojas e se preparando para a longa temporada de férias.
Isso não quer dizer que a inflação -agora acima de 10%- não esteja na mente de todos. Vários gerentes no comércio disseram a mesma coisa: os preços vêm subindo a cada entrega. Em uma loja na aldeia vizinha de Akhtyrka, a balconista aconselhou um casal de clientes idosos a voltarem mais tarde, depois que tivesse atualizado a lista de preços.
Para os consumidores e varejistas, a mais recente crise econômica da Rússia veio em etapas. O primeiro impacto foi sentido no verão passado, quando a Rússia retaliou contra o Ocidente por sanções relacionadas com a Ucrânia impondo uma proibição de importação de alimentos dos Estados Unidos, da União Europeia e de vários outros parceiros comerciais.
O segundo golpe veio depois que o valor do rublo deu um mergulho profundo em meados de dezembro, antes de se recuperar um pouco. Um terceiro é esperado quando o aumento das taxas de juros sufocar o crédito.
Aqui em Khotkovo, uma cidade de 23.000 habitantes que fica 60 quilômetros a nordeste de Moscou, perceber o impacto das sanções auto-impostas é como provar uma negativa. Uma variedade de produtos –desde o arroz basmati até os queijos importados- simplesmente desapareceu, deixando os consumidores com escolhas mais reduzidas e de menor apelo.
Uma loja na praça principal que é especializada em comida de Belarus, vizinha ocidental da Rússia e uma espécie de aliada, conseguiu evitar o primeiro tiro. A Belarus nunca impôs sanções, mas agora a queda no valor do rublo está criando um impacto, disse o gerente da loja, que não quis dar seu nome.
Ele estimou que os preços tinham aumentado entre 10% e 15% no mês passado; como os outros, ele não se atreveu a arriscar uma previsão para 2015.
Após uma década de crescimento econômico sustentado, os consumidores russos estão mais resistentes do que eram em 1992 ou 1998, e quando vão às compras para as suas festas tradicionais da véspera de Ano Novo, muitos não estão ligando para os preços mais elevados.
Donas de casa na fila de um açougue disseram que estavam dispostas a se contentar com menos. Marina, que não quis dar seu sobrenome, disse que os preços da carne -agora em $ 600 rublos por quilo (cerca de R$ 28)- provavelmente tinha subido pelo menos 25%, mas isso não iria impedi-la de servi-la na tradicional festa de Ano novo. "A gente se vira", disse ela.
Vários lojistas disseram que estavam usando estoques antigos, o que explicaria anomalias como bolinhos finlandeses ou café italiano nas prateleiras. Outros explicam que os importadores descobriram maneiras de contornar a proibição, trazendo produtos europeus através de Belarus, onde são rotulados novamente e trazidos para a Rússia pela fronteira. Países como o Brasil, também aumentaram as exportações para a Rússia, embora em geral a preços mais elevados.
Desde que a proibição de alimentos importados foi introduzida no verão passado, o governo russo aproveitou a oportunidade para incentivar os produtores locais a preencherem a lacuna. A medida já surtiu algum efeito: em outubro, a produção de carne doméstica subiu 12%, de acordo com estatísticas do governo.
Até esta crise, os consumidores russos não tinham conhecimento de sua dependência de alimentos importados. Agora, na medida em que sua moeda perde valor e deixa os bens ocidentais fora do alcance, eles saúdam os esforços do governo para aumentar a produção doméstica.
"Nós estávamos vivendo em uma espécie de sonho", disse um homem que se identificou apenas como Alexei e é dono de um empório de alimentos na periferia da cidade. "Eles deveriam ter feito esse esforço há muito tempo, em vez de dependerem do petróleo e do gás".
Tradutor: Deborah Weinberg

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Amargo remédio da austeridade
Gilles Lapouge - OESP
O governo de Atenas cai e Bruxelas estremece. Berlim também. Por fim a Europa inteira, pois o que está em jogo na Grécia não é a sobrevivência da União Europeia como anunciam enfaticamente alguns analistas, mas a linha seguida pela Europa, ou seja, o recurso cruel à austeridade, imposta desde o início da grande crise dos pagamentos que provocou os primeiros incêndios exatamente na Grécia.
O país escapou da bancarrota há alguns anos graças aos esforços da União Europeia e de Angela Merkel. Mas, para isso, ela teve de beber a terrível poção recomendada por seus médicos, ou seja, uma austeridade que consumiu as últimas gotas de sangue do seu corpo febril.
O regime de rigor foi aplicado em Atenas pelos governos de coalizão de direita e esquerda. Mas, graças a essa austeridade demente, novos partidos surgiram à sombra dos grandes partidos clássicos. Dois principalmente: na extrema-direita o partido neonazista Aurora Dourada, e na extrema-esquerda o Syriza, partido de Alexis Tsipras.
Eleições legislativas serão realizadas no dia 25. E o grande favorito nessas eleições é o partido da "esquerda radical" e Tsipras. E é este homem que estraga a festa de ano-novo da Europa. Não seria um tanto exagerado? Tsipras tem realmente a intenção de retirar seu país da UE? Não parece. Na verdade, à medida que se aproxima do poder, Tsipras "coloca água no seu vinho". Hoje ele não só se abstém de falar de uma saída da UE, mas até promete que não exigirá a anulação da totalidade da dívida grega, somente de uma parte dela. Mas o choque promete ser duro.
Em Bruxelas, passado o primeiro choque, o ambiente ficou mais tranquilo. Tsipras parece ter adotado uma linguagem mais sensata e por outro lado a Europa está melhor armada do que há cinco anos para amortecer o golpe. Mas permanece o fato de que o eventual surgimento de um governo de extrema-esquerda em Atenas alarmaria a Europa inteira. O triunfo do Partido Syriza poderá contaminar outros países do continente.
Não é só a extrema-esquerda que prospera graças aos programas de austeridade, mas também os partidos de extrema-direita.
É um sintoma da crise moral na qual a Europa está prestes a perder sua alma: as diferenças são cada vez menos nítidas entre extrema direita e extrema esquerda. A desumana austeridade desejada por Merkel e a Comissão de Bruxelas pode se gabar de ter nutrido uma das piores perversões políticas: o populismo de direita e de esquerda. E a formidável guinada para a extrema-esquerda na Grécia terá a virtude de mostrar que os remédios prescritos por Bruxelas na verdade vão salvar os países europeus mais fracos, mas matando-os antecipadamente.  
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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Rhian Sugden

ROGER TAYLOR - MAN ON FIRE


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Lissy Cunningham

Via djf224

Via djf224

JANE MONHEIT - SOME OTHER TIME



Via llltrs

DANIEL PIZA


Daniel Piza (28/03/1970 - 30/12/2011)
O Natal do Sakamoto e o nosso – a diferença entre nós e eles
papai-noel3Na grande família de um formador de opinião esquerdista há parentes de todas as classes sociais e ramos de atividade. Neste Natal, uma tia do palpiteiro chegou desanimada. Afirmou desairosa:
— Trabalho 11 horas por dia, fora o que faço em casa pelos filhos, estudei muito para não ser uma faxineira como minha mãe, pago impostos cada vez mais altos quanto mais eu vendo com minha empresa e todo o esforço do meu trabalho de meses, feito para dar um futuro para os meus filhos melhor do que o meu passado, vai pro lixo: nesse ano, por 3 vezes fui assaltada à mão armada por arruaceiros que me levaram meses de trabalho, apenas porque tomaram à força o meu trabalho. Por isso sou desiludida quanto ao governo e gostaria de penas mais duras para diminuir a criminalidade e deixar os trabalhadores em segurança.
Nosso herói das opiniões prontas da internet ouviu tal relato com sentimento de “terror e pânico”, como se fossem coisas muito distintas. Ficou indignado e até “bege” ao perceber como sua tia, que nasceu pobre, pegava ônibus para a periferia quase meia noite, esforçada e estudiosa, mesmo com mil adversidades todo dia em sua vida, podia ter pensamentos tão, tão… como dizer?, reacionários.
Seguiu-se um grande bate-boca, em que a tia ficava espantada em como seu próprio sobrinho podia defender tanto as “razões sociais” de pessoas que tomaram atalhos violentos na vida, enfiavam armas em sua cabeça, lhe xingavam de nomes violentos diante de estranhos e dos filhos pequenos, a amarravam, agrediam, ameaçavam matá-la… mas, de acordo com o bem pago opinador de internet, era apenas uma consequência do “sistema capitalista”, e o que a sua tia criou na verdade pertencia, por alguma lógica, a eles.
A coisa se acalmou um pouco quando chegou uma prima sua de outro ramo da família. Rica de berço, não pisa nas bocadas onde a outra tia morava nem de helicóptero. Com pais burocratas, viagens internacionais no currículo desde os 8 anos, faculdade de Artes paga (nunca trabalhou no ramo), é feminista, tem um blog revoltado, é loira, magra, sexy, dirige um Range Rover e luta pelas minorias:
— Viver em São Paulo está impossível, IM-POS-SÍ-VEL. Nesses dias fui buscar meu baseadinho de boa atrás da faculdade, o povo da comunidade é tudo de bom, não é igual esses reaças pensam não, o trafica é o mais gente boa da comunidade e tem até um jipe igual o meu… mas vocês acreditam que um pedreiro fedorento, quando saí do carro, me chamou de loira gostosa e olhou pra minha bunda?! É um ABSURDO esse machismo do patriarcado!!
Nosso blogueiro então se acalmou com uma indignação mais correta. Com efeito, o patriarcado machista era terrível. Um absurdo uma familiar sua, uma minoria, ter de sofrer tanta humilhação nas mãos de uma sociedade tão injusta, em que os opressores tratam as minorias com tanto preconceito, em que a desigualdade é capaz de matar tantas pessoas como sua prima por dia, sem que ninguém fale nada.
Essa situação é absurdamente ridícula. Mas não é tão ficcional quanto parece: basta ver o que intelectuais de 140 caracteres como o blogueiro do UOL Leonardo Sakamoto andam dizendo sobre o Natal. Não é um epifenômeno acidental dentro de um espectro rigoroso do pensamento de esquerda: é a sua quintessência, o verdadeiro núcleo do que é ser de esquerda – todo o mais, todos os senões, os contrapesos, as tolerâncias e concessões é que são contrárias à esquerda.
Simbologia falsa
Tal se dá porque a esquerda, mesmo tendo seu cerne em um livro de economia (lido por todos, exceto por economistas), trabalha com o imaginário coletivo: são de esquerda os críticos literários, os ficcionistas, os psicólogos, analistas da linguagem e sociólogos que trabalham com o próprio mecanismo com o qual interpretamos o mundo.
A direita (liberal ou conservadora) é técnica: domina a economia, o Direito, as relações internacionais – todavia, sem conseguir comunicar o que pensa, por que pensa, com quais objetivos e através de quais meios pretende atingi-los, é vista até por apolíticos pelos signos de interpretação da esquerda, que a ela atribui racismo, intolerância, xenofobia, machismo, homofobia. Mesmo seus próprios defeitos, como intolerância à diversidade e o uso do Estado para impedir a liberdade das pessoas, ou defeitos de inimigos da direita, sobretudo o nazismo.
O próprio texto de Leonardo Sakamoto, relatando como seus leitores sofreram momentos de “terror e pânico” no Natal em família, é construído desta forma, para seus leitores, julgando estarem vencendo preconceitos, criarem preconceitos sobre o que desconhecem.
São citadas frases informais e tipicamente exageradas da linguagem oral e familiar, sem preocupação com qualquer rigor em uma festa misturando álcool e política, o que até os antigos romanos sabiam ser desastroso. E tome-se uma frase qualquer sobre um parente que “jogou o carro contra ciclistas”, outra tia que disse que “mulher na política só faz besteira”, um primo que “defendeu que pegasse todos os usuários de drogas e passasse fogo”.
Não há um único comentário sobre uma experiência concreta dessas pessoas cometendo injustiça alguma ou ferindo alguém, mas cita-se frases desproporcionais em um ambiente familiar como se significassem que todo o país virou o Partido Nazista.
Todavia, o problema da esquerda é exatamente o oposto: fala maviosamente sobre “justiça social”, edulcora seus métodos para se vender como “preocupada com os pobres”, canta com voz melíflua a respeito de “direitos humanos”… mas, em toda história mundial, é a campeã número 1 (contando até teocracias esquisitas e reinados bárbaros da Antiguidade) de mortes, injustiça, escravização, censura e destruição de direitos básicos do homem.
Nas ceias de Natal que geraram indignação entre os leitores progressistas de Sakamoto, não há ninguém indignado porque um parente foi assassinado num país com 56 mil homicídios em um ano. Não há um único muxoxo contra sermos obrigados a gastar mais para financiar quem ceifa nossas vidas e de nossos entes queridos pelo Estado do que para a educação de crianças inocentes.
Pelo contrário: quem expressa tais sentimentos na mesa de Natal, ainda que de forma desajeitada, é tratado como alguém capaz de provocar “terror e pânico”. A única indignação permitida é contra assoviar para uma mulher, não enfiar uma arma em sua cabeça e atirar. Ou ser contra o Bolsa Família.
Decadialética
Este disparate permite ensejo para uma reflexão importante entre quem pretende discutir política – e, nesta segunda década de século XXI, já chega contaminado de trejeitos de linguagem e automatismos verbais típicos, como feminismo, machismo, homofobia, sociedade conservadora etc.
A esquerda, tão dominante em cursos de Humanas, parece sempre aos recém-chegados nas discussões como a única força moral, a única preocupada com os pobres e desamparados. A direita, contraditoriamente consubstanciada em uma abstração – o “capitalismo”, tratando com essa palavra realidades tão distintas quanto a Suíça e Cuiabá – só tem suas idéias transmitidas para o povo através da clave de entendimento da esquerda, cujas palavras engastadas já dirigem o pensamento de incautos: desigualdade, exploração, patriarcado, homofobia etc.
O jovem esquerdista tem a impressão de que a esquerda é o reino da racionalidade, da justiça e do correto, e a direita é apenas um poço homogêneo de preconceitos, racismo e malvadez, que não é de esquerda apenas porque não leu Foucault o suficiente.
A um só tempo, nada do que a direita pensa, de seus valores, argumentos, objetivos e métodos – enfim, do que este tal de capitalismo é de fato – nem sequer passa pela cabeça do diletante, que quanto mais ignora e mais se distancia do conhecimento, mais jura que o entende à perfeição.
O maior filósofo brasileiro, Mário Ferreira dos Santos, completamente ignorado pela esquerda, criou um método único na humanidade para permitir que esta abstração teórica em que às vezes se fecha a mentalidade possa voltar à experiência concreta e vice-versa. Chamou tal método de decadialética, composto de dez modos de captar o objeto pela intelecção humana.
Um deles, o segundo, campo da atualidade e da virtualidade, diz respeito ao que um ente é de fato em determinado momento, e ao que ele pode (ou não) se tornar num momento seguinte. Ora, a liberdade e a justiça podem se transformar em seus contrários, já um gato não pode se tornar um “anti-gato”.
Aparentemente óbvia depois de exposta, tal assunção passa completamente despercebida de todo o arcabouço teorético da esquerda, que, perdida em pedantismo e abstrações como “igualdade”, e não em verdadeiros sujeitos da História, fica toda atabalhoada ao lidar com a realidade.
Exemplo óbvio: Sakamoto (e seus leitores) adoram defender direitos humanos de bandidos, inclusive assassinos (a única “indignação” que causou terror e pânico elencada por ele que envolvia morte falava de pena de morte). É um teoria comum da esquerda, escondida em todos os esquerdistas modernos debaixo de uma logorréia enorme de palavras técnicas com aparência de profundidade. Todavia, por que alguém deveria estar tão preocupado com o (muitas vezes suposto) preconceito das pessoas, sendo que elas podem deixar de ser preconceituosas, mas não há esquerdista que saiba transformar o cadáver de um ente querido em um ente querido vivo?
A esquerda, dominante na Academia, na mídia, na política e no imaginário coletivo, é sempre bastante teórica, com cacoetes de linguagem (de “luta de classes” a “patriarcado”) que pegam na língua comum.
Contudo, é exatamente o senso comum, livre de construções teóricas que funcionam como um cabresto para se enxergar corretamente a realidade, que deve ser resgatado. Um senso comum que, com décadas de dominação teorética progressista, é hoje um senso incomum: a maior parcela da população já foi contaminada.
Para evitar que livros de faculdade e pilhas de jornais formem teorias como a que permite que alguém se indigne mais com uma cantada a uma mulher do que com uma arma para sua cabeça que se deve resgatar uma sabedoria mais profunda e mais incomum para nossa era de planificação e mesmificação social.
Imaginário coletivo contaminado
Uma boa parte das pessoas já foi de esquerda um dia. Entretanto, após anos de estudo – e descobrindo aquilo que os nem seus professores aprenderam – acabam se tornando defensoras rigorosas do capitalismo e dos ideais conservadores ou liberais. O contrário nunca acontece.
Uma dica de pensamento para os jovens que estão se debatendo na internet e nem sempre conseguem entender o que se passa no mundo é justamente esse: faça um atalho que funcione, e leia o que os velhos leram para chegarem às melhores conclusões no fim da vida.
Ninguém nega as boas intenções da esquerda, o problema é o que tais intenções acarretam quando materializadas. E não é porque a direita é uma monstruosidade habitada apenas por Maluf, ditadores militares, skinheads e fanáticos religiosos (quase que integralmente não são de direita, diga-se) que se deve ouvi-la, e sim porque ela tem críticas ao show business dos famosíssimos intelectuais de esquerda que estes mesmos intelectuais nunca ouviram falar.
Ora, um dos problemas da esquerda é sua clave única de entendimento. Com o tripé de injustiças da esquerda moderna sendo reduzido a machismo-racismo-homofobia é fácil cair no algoritmo de siricutico que permite indignação perante uma cantada e culpabilização coletiva da sociedade, no mesmo molde em que forma uma eterna desculpabilização de autores de crimes violentos.
A esquerda, portanto, tem um arcabouço fraco para enxergar a realidade. Mesmo que tenha boas intenções ou uma congruência lógica posterior até funcional, seus conceitos iniciais são mentirosos.
A esquerda é a agremiação de teóricos mundiais do quilate de Rousseau e Marx, de artistas regionais em eterna decadência como Chaplin e Picasso, até jornalistas de segunda ordem como Edward Murrow e Al Sharpton, além de suas grosseiras caricaturas brasileiras do escol de Caio Prado Jr. e Marilena Chaui, Pablo Villaça e Oscar Niemeyer, Cynara Menezes e, claro, Leonardo Sakamoto. Não são pessoas insanas que teorizam diretamente: “Devemos proibir cantadas em mulheres, mas quem as mata em assaltos deve ser solto, pois a culpa é apenas da sociedade”. São pessoas que acabam propondo as duas coisas juntas, sem nunca perceber seu absurdo, por pensarem sob estas claves fracas do entendimento da realidade. Muitas vezes, são até boas em lógica e comunicação, apesar disto.
Outro problema óbvio é o vício na igualdade. A própria idéia de falar tanto em desigualdade traz em seu bojo o perigo: dá a impressão de que o capitalismo, e apenas ele, causam uma “des”igualdade entre homens, que originalmente eram iguais.
O grande pensador Erik von Kuehnelt-Leddihn, ao falar do “Culto da Mesmificação” (Cult of the Sameness) que é o Leitmotiv da esquerda, dá a seu livro o subtítulo de Procrustes at Large. Procrustes era um ciclope que seqüestrava pessoas para remoldá-las conforme uma prancha – esticando seus ossos caso ficassem menores, cortando-as em pedaços quando fossem maiores.
Para realizar o intento em massa, at large, é preciso um poder central capaz de obrigar toda a sociedade a se reformar em nome dessa “igualdade”. Curiosamente, são as mesmas pessoas que também bradam a favor da “diversidade”, sem perceber que ela sempre foi garantida, a não ser por elas próprias. São um tipo de gente incapaz de conviver com pessoas de crenças, opiniões, escolhas, trabalhos, responsabilidades, famílias, valores, destinos e investimentos diversos dos seus – então, é preciso “corrigi-las” à força, sem perceber que, em nome de corrigir uma suposta “injustiça” na desigualdade, criam a maior injustiça do mundo, espalhada igualitariamente a todos – o que, afinal, só aumenta a injustiça.
Imaginação moral
Um último remédio que pode ser ministrado a quem ainda crê no potencial libertador e reformador da esquerda ante a liberdade econômica capitalista e os valores associados à direita, liberal ou conservadora, é a imaginação moral.
É comum à esquerda buscar justiça apenas procurando encontrar um “opressor” ou “explorador” – destarte, já recaindo em sua gaiola conceitual que apenas enxerga problemas de variação salarial (julgando que são “classes”, e que estas estão em “luta”), ou ainda um maniqueísmo raso, em que supõe-se que exista uma verdadeira luta entre ricos e pobres, homens e mulheres, hetero e homossexuais, brancos e negros.
Tal chave de entendimento está em quase todos os bordões da esquerda mundial, mas não dá conta de absolutamente nada da realidade complexa – se há um negro gay com uma arma apontada para um rico heterossexual, quem é o opressor e o oprimido na situação? E com uma jovem loira e rica com os peitos de fora contra a Igreja, diante de um pobre velhinho religioso rezando em paz?
É com esse tipo de narrativa de heróis e bandidos facilmente identificáveis que muitas pessoas inteligentíssimas ainda creem no mistifório de “correção de injustiças pelo Estado e pela conscientização” da esquerda. Tais narrativas são insuficientes para se conhecer o mundo.
Muito melhor é o conceito de imaginação moral, tão bem trabalhado por intelectuais como Lionel Trilling. Trata-se de notar em narrativas de ficção como personagens são colocados em situação de dúvida e ambiguidades, em que as contradições da vida concreta nem sempre tornam claro o que é certo e o que errado, nos típicos paradoxos e contingências da vida moral, não esquematizada em abstrações e clichês facilmente repetíveis.
É a imaginação moral que gera os monumentos à humanidade que são os monólogos internos e externos de Hamlet, é a imaginação moral que permite uma vida de dúvida, arrependimentos e indecisões sobre as consequências dos atos de Raskolnikov, de Crime e Castigo. Questões muito complexas e profundas, que nunca conseguiram ser vislumbradas mesmo pelos altos escalões da esquerda, que dominou a crítica literária por décadas – mesmo o grande crítico literário marxista Georg Lukács encontrava mais eco sobre o realismo objetivo em Balzac, Dostoievsky e Thomas Mann do que nos bastiões da ficção do “realismo socialista”. Como bem dizia uma piada dos países do Leste, no impressionismo você pinta o que sente, no expressionismo você pinta o que vê e no realismo soviético você pinta o que mandarem você pintar.
É comum à esquerda vender suas teses em tratados abstratos sem conexão com a realidade (suas elucubrações sobre “desigualdade” e “estupro”, mas sempre passando a mão na cabeça de burocratas milionários e estupradores da vida real) ou em narrativas simplórias de “menino pobre que matou o menino rico pela falta de oportunidades”. Nunca vemos dialética interna, nunca uma dúvida ou conflito.
Não vemos nunca entre intelectuais de esquerda, sejam os Negris ou os Saderes, personagens complexos como Settembrini, o racionalista da modernidade liberal, e o soturno Naphta, jesuíta comunista e ocultista, da Montanha Mágica de Thomas Mann. Ambos reunindo contradições dentro de si, mas também postos em disposição que permanentemente os testa. Settembrini, otimista celebrador da vida, está na verdade às portas da morte, e seu cosmopolitismo é uma forma provinciana de eurocentrismo. Também Naphta, que se alimenta do fanatismo religioso, da impessoalidade e da valoração excessiva da morte, nunca se cura, mas também nunca se entrega a seu dogma de fé na morte por inteiro. É quem, afinal, está de verdade escandalizado pelo horror que é perceber que ser homem é também ser doente, e que uma vitalidade verdadeira é sua aspiração secreta.
Sem reeducar o imaginário, sobretudo com a ficção complexa, dos clássicos e dos modernos, não teremos saída senão o mundo platiforme da esquerda, que se julga justamente mais “crítico”, “racional” e “justo” justamente por não conhecer nada além de sua auto-congratulação umbigocêntrica – crendo exatamente por isso que é possui mais “diversidade”, “tolerância” e menos “preconceito” que seus adversários, que ataca sem conhecer.
Por ora, a esquerda, mesmo pavimentada de boas intenções, tem um problema de visão: só enxerga o que está em sua clave de injustiças, não vendo problema nenhum no mundo fora do tripé de indignação seletiva. E julga que quem não veste o mesmo cabresto só pode ser um obscurantista irracional.
É fácil se assustar com o capitalismo e a direita liberal ou conservadora pelo que a esquerda fala dela. Ou atribuindo suas características às frases mal formuladas, a histrionismos de ocasião, aos discursos enfezados e atípicos de políticos sem papas na língua, sem saber o que é de fato a liberdade que permite que países como a Suíça sejam a Suíça – e por que ela odeia a esquerda.
Fica um convite para os racionais que ainda creem no planejamento reformador, no centralismo burocrático e no progressismo seletivo da esquerda: conheçam o capitalismo, e saibam o que é de fato a direita liberal ou conservadora. Do contrário, seu destino é apenas a indignação modelo Sara Winter: uma loira, rica, magra, famosa e que alguns consideram atraente, protestando jurando a si mesma que é uma “minoria” vítima de injustiças.