quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

NAPALM DEATH - LOWLIFE


Só erros novos
Merval Pereira - O Globo
O novo partido que se está formando, sob a liderança da ex-senadora Marina Silva, com o nome de REDE, tem recebido críticas à direita e à esquerda, principalmente porque a fundadora simplificou sua definição doutrinária, aproximando a REDE do novo PSD do ex-prefeito paulista Gilberto Kassab: “Não será um partido nem de direita nem de esquerda, nem do governo nem de oposição”, disse Marina sobre a nova legenda que quer criar. A propósito, recebi do cientista político e antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública e ex-Secretário de Segurança do Rio, que está envolvido na criação do novo partido de Marina, uma série de comentários sobre os objetivos da nova legenda que, ele garante, nada tem a ver com “movimentos que pretendam mudar a política assumindo identidades e práticas antipolíticas”, que costumam perder-se em um “voluntarismo estéril”.
Soares entende que movimentos antipolíticos acabam por reforçar “a dinâmica que corrói a legitimidade das instituições democráticas, o esvaziamento da confiança popular, o esgarçamento do instituto da representação e, portanto, o agravamento da degradação institucional que se desejaria reverter”. Ao contrário, a REDE dispõe-se a jogar o jogo democrático, parlamentar e eleitoral com absoluta fidelidade aos marcos legais, garante. “Distante das crenças doutrinárias e dogmáticas, distante dos messianismos sectários e insurrecionais, a REDE confia na via democrática para qualquer transformação da sociedade e quer ser leal ao pacto constitucional”, analisa Luiz Eduardo Soares.
Se, eventualmente, a REDE obtiver vitórias eleitorais e alcançar o poder, ver-se-á obrigada a repetir o roteiro lamentável das negociatas entre o Executivo e o Legislativo? Não há espaço para negociações mais democráticas, transparentes, programaticamente concebidas, decentemente articuladas?, pergunta o cientista político, para em seguida afirmar enfaticamente: “Claro que há”.
Para começar, “a postura não pode ser o desprezo pelo Congresso, cujo papel é indispensável para a democracia, por maiores que sejam suas deficiências”. Para que a REDE tenha densidade suficiente para resistir “à força gravitacional da antipolítica, hoje vigente nas instituições políticas”, ela precisa fazer, diz Soares, o que os partidos deixaram de fazer: constituir-se em conexão profunda e permanente com a pulsação criativa da sociedade, com a participação social, não para reduzir-se a sua extensão --o que negaria a autonomia relativa da política, que envolve múltiplas mediações--, mas para municiar-se de anticorpos à antipolítica.
“Por isso, a REDE pretende experimentar novas regras de funcionamento, antecipando-se a eventuais reformas institucionais e as suscitando. Daí a limitação das reeleições, as restrições no acesso a apoios financeiros, a determinação de que se divulguem as doações on line em tempo real --e muitas outras novidades”.
Essas novas normas, talvez excessivas em alguns casos admite ele, “funcionarão como contraponto destinado a provocar reflexões, revisões e debate público. Elas ajudarão a mostrar que a política pode ser diferente e que há um campo de experimentação possível, perfeitamente legal, legítimo e responsável”. As instituições não brotaram da natureza, lembra Luiz Eduardo Soares, foram inventadas pelo engenho humano.
“Talvez a REDE possa produzir uma dinâmica de mudanças significativas, não para arruinar a democracia ou a política democrática, mas para restituir-lhes vitalidade e fidelidade aos princípios que inspiraram sua origem”. A REDE não foi criada para servir de trampolim a uma candidatura presidencial, garante Soares. “Mas me parece saudável que haja quem se disponha a arriscar-se a cometer erros novos. Bem vindos os novos erros, pois os antigos são conhecidos e têm sido devastadores”.

View over Hamburg, Germany (by chris ..ıllılı..)

Via tee

Margetshöchheim, Germany (by Light❖)

UMA IMAGEM VALE MAIS DO QUE MIL PALAVRAS...


Marcelo Carnaval - O Globo

OS CÃES SÃO MAIS CONFIÁVEIS E FIEIS DO QUE OS POLÍTICOS QUE GOVERNAM O BRASIL

Cães nadam em lago à procura de dono que morreu afogado há 10 dias
Casal de labradores volta ao local duas vezes por dia para procurar pelo seu dono, que morreu afogado na lagoa em Araçatuba, no interior de São Paulo
Chico Siqueira, especial para O Estado de S.Paulo
ARAÇATUBA - Dois cães labradores procuram há dez dias pelo seu dono que morreu afogado numa lagoa de Araçatuba (SP). O casal de cães volta ao lago duas vezes por dia para nadar justamente na região onde seu dono, o vigilante Luís de Almeida, 46 anos, morreu afogado em 17 de fevereiro. Ao saírem da água, eles farejam o local onde Almeida foi colocado deitado após ser resgatado, já sem vida, pelos amigos.
"Eles vão lá de manhã e à tarde e ficam nadando e procurando meu marido", relata viúva - Analiete Almeida/Arquivo Pessoal
Analiete Almeida/Arquivo Pessoal
"Eles vão lá de manhã e à tarde e ficam nadando e procurando meu marido", relata viúva
A história de Max e Lua ganhou as redes sociais e fez os internautas se lembrarem do cão Hashiko, que ficou conhecido no Japão no início do século ao esperar pelo seu dono numa estação de trem. A história foi retratada no filme "Sempre Ao Seu Lado", lançado no País em 2009.
O lago fica a 500 metros da chácara onde Almeida e a família costumavam passar os fins de semana, no bairro Traitu, periferia de Araçatuba. "Temos a chácara há oito anos e nunca meu marido tinha ido nadar nessa lagoa", diz a cabeleireira Analiete Almeida. "Os cães também nunca tinham ido até lá, com exceção daquele domingo em que meu marido os levou para o lago para se divertir com dois amigos depois de um churrasco", diz.
Segundo ela, dois dias após a morte de Almeida, os cães abriram um buraco no alambrado de proteção da chácara para chegarem ao lago. "Eles vão lá de manhã e à tarde e ficam nadando e procurando meu marido", diz. Segundo Analiete, quem notou a mudança do comportamento dos animais foi a vizinha da chácara, Edmaura de Souza, que mora nas proximidades e fotografou os cães e postou as fotos nas redes sociais.
"Eu me surpreendi com eles e vi que eles estavam bem tristes e procurando por alguma coisa no lago e aqui na margem", contou Edmaura. "Ao ver que faziam isso todos os dias, percebi que eles nadavam na região do lago onde o dono deles se afogou e que ficavam parte do tempo cheirando o local onde o dono foi deixado depois de ser resgatado", completa.
Nesta quarta-feira, Analiete levou os cães para a casa da família, na cidade, com medo de que os animais fossem furtados depois de aparecer nas redes sociais. "A gente vem de manhã e à tarde na chácara trazer comida e cuidar deles, mas eles estavam ficando sozinhos à noite", diz. Segundo ela, os animais não estão se alimentando bem e estão tristes. "Eles têm os olhos baixos e aparentam muita tristeza", diz. Por isso, a ideia de trazê-los para a cidade é tentar que, com mais gente por perto brincando com eles, os animais possam voltar com o comportamento à normalidade.
Segundo Analiete, os cães foram adotados de uma família que se mudou de Araçatuba e não tinha como levá-los. "Eles estão com a gente há quatro meses, mas para mim e meus filhos parece que faz mais tempo", diz Analiete.

DÓRICAS

Na pressão
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Por votação simbólica e, portanto, sem que se saiba quantos deputados seriam contrários - e tendo, assim, sido subtraído do público o direito de conhecer o tamanho da resistência -, a Câmara aprovou ontem o fim dos 14.º e 15.º salários dos parlamentares.
O deputado Chico Alencar foi preciso na lembrança do dito: "O herói é um covarde encurralado". O Congresso Nacional pôs fim a uma situação esdrúxula, injusta e absurda não porque quisesse, mas porque não tinha outro jeito, considerando o clímax do desgaste a que chegou o Parlamento na última eleição dos presidentes das duas Casas.
Evidentemente, a pressão tem seu valor e não se retira o mérito de o Congresso, antes tarde do que nunca, ter-se rendido aos reclamos da sociedade. Faz isso raras vezes e quando faz é algo para ser visto como positivo.
Teria sido bem melhor para a avaliação do espírito público do Poder Legislativo se a deformação tivesse sido extinta há décadas. Criada como forma de ajuda de custo para mudanças dos congressistas da capital para seus Estados, nunca fez sentido o pagamento anual.
Afinal, com o mandato de quatro anos as mudanças, quando e se realizadas, só aconteceriam ao fim da legislatura e não de cada sessão legislativa.
Oportunidades não faltaram. Em 2006 foi apresentado projeto do mesmo teor na Câmara. Deixado de lado, o Senado retomou o assunto por iniciativa da senadora Gleisi Hoffmann, hoje ministra chefe da Casa Civil.
Aprovada no ano passado, a proposta dormiu na Câmara por 11 meses sem que suas excelências se dessem ao trabalho de acabar com o abuso.
Louve-se a decisão, mas que não se exagere nos cumprimentos. Inclusive porque continua em vigor o pagamento da "ajuda" no início e no fim dos mandatos, sendo que a grande maioria não se muda com a família para Brasília.
Até ontem, o Parlamento estava em situação, também nesse assunto, anômala. Agora apenas cumpriu uma de suas obrigações. Continuam faltando muitas outras.
Desejo de calar. Como de hábito, o ex-presidente Lula diz as coisas e desobriga-se de explicar o sentido preciso da declaração.
É o caso dessa última sobre a advertência feita ao antecessor, Fernando Henrique Cardoso, de que deveria "no mínimo, ficar quieto". "No máximo", talvez se exilar outra vez.
Qual a razão mesmo de alguém, seja ex-presidente, senador, deputado, professor, médico, engenheiro ou carregador do cais do porto, ter a obrigação de "no mínimo" cassar o próprio direito de falar?
Uma delas é o desejo de calar a crítica, notadamente quando ela vai ao ponto, na carência de argumento de debate à altura.
A outra é a vocação de falar pelos cotovelos sem pensar, sem prestar atenção à coerência e ao bom senso, sem observar o respeito ao espaço alheio, almejando a unanimidade a respeito da qual Nelson Rodrigues disse há décadas o que deveria ser dito.
Plano perfeito. Gabriel Chalita não ganhará mais um ministério. Primeiro, saiu do páreo para a pasta da Ciência e Tecnologia por causa da reação da comunidade científica.
Depois, ficou fora dos planos de abrigar mais um pemedebista na Esplanada em função de denúncias de que teve despesas pessoais pagas por um grupo educacional quando era secretário estadual da área em São Paulo.
Motivos mais que suficientes, de fato, para veto à ocupação de ministérios. Ocorre que tal critério não tem sido regra.
O mais provável é que Chalita nunca tenha sido realmente cogitado - é um potencial adversário do PT para a disputa do governo paulista em 2014 - e que tanto a reação no primeiro caso quanto a denúncia, no segundo, tenham vindo a calhar.
Como as razões se justificam, o PMDB não pode reclamar.
Guerra interna
Merval Pereira - O Globo
A antecipação da campanha presidencial trouxe consigo uma série de questões políticas regionais fundamentais para a consolidação das alianças políticas que sustentarão as candidaturas em 2014. O intuito do governo ao antecipar tanto o início da campanha é justamente pressionar os aliados a assumir o apoio à reeleição da presidente Dilma sem que tenham maiores informações do que vai acontecer no governo durante 2013, o que seria fundamental para uma aposta mais segura. Os estrategistas do governo estão convencidos de que a reeleição de Dilma só está ameaçada por uma divisão interna dos aliados.
O trabalho do governo, sob a orientação do ex-presidente Lula, será tentar agrupar antecipadamente sua tropa política, fechando o apoio à reeleição de Dilma, para com isso dificultar a situação dos eventuais candidatos que só terão viabilidade se conseguirem apoios dentro da própria área governista.
PSB, por exemplo, faz parte da base governista, mas prepara-se para lançar seu presidente, o governador de Pernambuco Eduardo Campos, à presidência da República. Não quer, no entanto, antecipar uma decisão que ainda não está sedimentada, e, a depender do que acontecer este ano na economia e nas relações internas dos partidos aliados, poderá nem mesmo ser concretizada. Mas o Palácio do Planalto já está atuando para incentivar as divergências internas do PSB, reforçando a posição do governador do Ceará Cid Gomes. A declaração de seu irmão Ciro, de que Eduardo Campos não está preparado para presidir o país deve ser entendida dentro dessa negociação com os Gomes.
No mesmo caso estão alguns partidos como o PDT, que quer permanecer na base governista, mas não se sente representado pelo ministro do Trabalho Brizola Neto. Quem comanda realmente o partido é o ex-ministro Carlos Lupi, que pode vir a ter papel importante tanto na candidatura de Marina Silva quanto na de Eduardo Campos.
Também o PMDB está inquieto, tanto com o “namoro” de ala do governo com o PSB, mas também por questões regionais. A direção do Rio de Janeiro exige em nota oficial nada menos que uma intervenção da direção nacional do PT para cortar a candidatura do senador Lindbergh Farias ao governo do Estado na sucessão do governador Sérgio Cabral. A ameaça velada de romper com a unidade do apoio do PMDB ao governo Dilma caso a candidatura do vice Pezão não seja a oficial da base governista traz embutida a ideia de uma possível dissidência para apoiar uma candidatura alternativa, que tanto pode ser a de Aécio Neves como Eduardo Campos.
Também em Minas o PMDB pressiona para ganhar um ministério em troca de não aderir à candidatura Aécio. Outros partidos da base governista estão na mesma situação, e a antecipação das decisões não é a melhor solução para eles. Para o governo, diante do futuro incerto especialmente na economia, tirar um compromisso agora é o melhor cenário, pois garantiria o tempo de propaganda eleitoral no rádio e televisão que inviabilizaria outras candidaturas.
Quanto mais candidatos, menos tempo de televisão para o PT e mais chance de a disputa ir para um segundo turno.
Lula troca afagos com Cabral 2 dias depois de PMDB divulgar nota contra Lindbergh
Os dois participaram da abertura do 14º Encontro Nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase
Cássio Bruno - O Globo

Ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Governadaor Sérgio Cabral participam de evento
Foto: Marcelo Carnaval / Agência O Globo
Ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Governadaor Sérgio Cabral participam de evento - Marcelo Carnaval / Agência O Globo
RIO - Dois dias depois de o PMDB do Rio ameaçar não apoiar a reeleição da presidente Dilma Rousseff caso o PT lance a candidatura do senador Lindbergh Farias ao governo do estado em 2014, o governador peemedebista Sérgio Cabral recebeu o ex-presidente Lula nesta quarta-feira com afagos. Os dois participaram da abertura do 14º Encontro Nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), em um hotel na Barra da Tijuca. No evento, Cabral fez elogios a Lula em seu discurso e destacou a sua parceria com o governo Dilma.
- O Lula foi o presidente de todos os brasileiros. Além da figura carismática e de luta, Lula inspirou a todos nós. O meu governo foi inspirado no governo dele - afirmou Cabral, que fez questão de sentar ao lado do ex-presidente e posar para fotos.
Cabral e Lula chegaram juntos no local de helicóptero do governo do estado. O encontro contou com a participação do Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e da secretária Nacional de Direitos Humanos, Maria do Rosário. O governador e o ex-presidente não quiseram dar entrevistas. Os dois deixaram o hotel pela garagem sem falar com os jornalistas.
Cabral é o principal avalista da candidatura do vice-governador Luiz Fernando Pezão, do PMDB. O ex-governador tenta fazer com que o PT desista da candidatura de Lindbergh. À tarde, horas depois de o presidente nacional do PT, Rui Falcão, ter declarado que a candidatura de Lindbergh "é para valer", o presidente regional do PMDB, Jorge Picciani, atacou o senador, que passou o dia em Brasília.
- O discurso do Lindbergh é populista. Ele tenta dividir o Rio como fez o ex-governador Anthony Garotinho (deputado federal pelo PR). O Lindbergh faz um discurso calhorda - disparou Picciani.
Procurado pelo GLOBO, Lindbergh não retornou as ligações.
Na noite desta quarta-feira, Cabral e Lula estão reunidos em um jantar no apartamento do governador, no Leblon, área nobre da cidade. São esperados para o encontro o prefeito Eduardo Paes (PMDB)e o próprio Pezão. No cardápio, a discussão sobre a sucessão estadual em 2014. Na nota divulgada na segunda-feira, o PMDB afirmou que não apoiará um palanque duplo de Dilma no Rio, além de não pedir votos para ela no estado. O PMDB é o principal aliado da presidente no Congresso.
Nesta quinta-feira, Lindbergh irá a Japeri, na Baixada Fluminense, com a "Caravana da Cidadania". O senador se encontrará com moradores para debater os problemas do município. Ele ficará na cidade até sábado. A previsão é que Lindbergh percorra todas as 92 cidades do estado neste ano ao lado de petistas com a caravana, a exemplo que Lula fez na década de 1990 pelo país.
Lula é mesmo o nosso Lincoln? Ou: A safadeza e a sem-vergonhice como atos heroicos
Reinaldo Azevedo - VEJA
Luiz Inácio Lula da Silva, quem diria?, recorreu a Lincoln para justificar as safadezas e a sem-vergonhice do mensalão. O que há de mais interessante nisso? Trata-se, pela primeira vez, de uma confissão, ainda que feita de alusões e silêncios. Vamos lá.
O Apedeuta compareceu nesta quarta a um evento em comemoração aos 30 anos da CUT. E, como é de seu feitio, jogou palavras no ventilador. O homem que já se comparou a Jesus Cristo — a parte da cruz, é evidente, ele dispensa porque até greve de fome ele furava chupando escondido balas Juquinha — anda com inveja da notoriedade que Lincoln voltou a adquirir nos últimos tempos… Que coisa! Quando Barack Obama foi eleito presidente dos EUA, em 2008, o Babalorixá de Banânia torceu o nariz. Não viu nada de especial naquilo, não. Grande coisa um negro na Casa Branca! Ele queria era ver um operário sentar naquela cadeira. Não sei se vocês entenderam a sutileza do pensamento…
No discurso que fez no aniversário da central sindical que responde hoje por boa parte do que há de mais atrasado no Brasil em matéria de corporativismo, que infelicita a vida de milhões de brasileiros, abusando daquele estilo informal que alça a tolice à condição de categoria de pensamento, Lula afirmou:
“Nós sabemos o time que temos, sabemos o time dos adversários e sabemos o que eles estão querendo fazer conosco. Acho que a bronca que eles tinham de mim é o meu sucesso e agora é o sucesso da Dilma. Eles não admitem que uma mulher que veio de onde ela veio dê certo porque a onda pega. Daqui a pouco, qualquer um de vocês vai querer ser presidente da República. Essa gente nunca quis que eu ganhasse as eleições. Nunca quis que a Dilma ganhasse as eleições. Aliás, essa gente não gosta de gente progressista. Esses dias eu estava lendo, eu ando lendo muito agora, viu, Gilberto [referia-se a Gilberto Carvalho], o livro do Lincoln e fiquei impressionado como a imprensa batia no Lincoln em 1860. Igualzinho bate em mim. E o coitado não tinha computador. Ele ia para o telégrafo, esperando tic tic tic. Nós aqui podemos xingar o outro em tempo real. (…)”
Lula já declarou que detesta ler. Não conseguiu enfrentar sem dormir, segundo confessou, um romance curtinho de Chico Buarque. Faz sentido. Terá encarado a pedreira de “Lincoln”? Talvez tenha assistido ao filme de Steven Spielberg, de uma chatice que chega a ser comovente!!!, e olhem lá… O vocabulário a que recorreu me faz supor que andou mesmo é lendo briefing de assessoria. Há anos, muitos anos mesmo!, divirto-me identificando dedicação metódica nas bobagens que diz. Em muitos aspectos, Lula é a personagem mais “fake” da política brasileira. Todas as coisas estúpidas que solta ao vento nascem de um cálculo.
A facilidade com que as asneiras vão brotando de sua boca faz supor uma personagem algo ingênua, que conserva a autenticidade popular e o frescor natural do povo. Huuummm… Isso pode agradar a alguns subintelectuais do Complexo PUCUSP, que sonham com esse misto de torneiro-mecânico e Tirano de Siracusa, uma coisa assim de “rei filósofo que veio da graxa”… Trata-se de uma fantasia! Lula é chefe de uma máquina que se apoderou do estado brasileiro — e parte considerável dessa máquina, a sua ala, digamos, heavy metal, é justamente a CUT. Ali se concentra, reitero, boa parte do atraso brasileiro. Mas retomo o fio.
O vocabulário a que Lula recorreu é coisa de assessoria mesmo, de briefing. Dinheiro não falta a seu instituto para contratar sabidos. O livro “Lincoln” a que ele se refere, base do filme de Spielberg, certamente é a biografia escrita por Doris Kearns Goodwin, cujo título em inglês é “Team of Rivals: The political Genius of Abraham Lincoln”. Agora voltemos lá à sua fala. O “team” do presidente americano era uma “equipe”, mas Lula preferiu a outra acepção, que também serve para uma disputa futebolística, jogo metafórico em que ele é mesmo imbatível. No fim das contas, faz tudo parecer uma pelada. Vejam lá: ele diz saber o que os adversários querem fazer com “eles”, os petistas… Muito provavelmente, querem ganhar o “jogo”, também entendido, em sua monomania metafórica, por “eleição”. O nosso “Lincoln” de Garanhuns transforma a pretensão legítima dos adversários numa espécie de conspiração e ato criminoso. Não por acaso, no dia anterior, recomendou a FHC que, “no mínimo”, ficasse quieto e colaborasse para que Dilma fizesse um bom governo. O nosso grande patriarca criminaliza a ação política de seus oponentes. Ela se confunde com sabotagem.
No discurso, também sobraram críticas à imprensa, como de hábito. Embora os petistas deem hoje as cartas em boa parte das redações do país — quando não estão no comando, compõem o caldo de cultura que transforma bandidos em heróis e, se preciso, heróis em bandidos —, o nosso o Lincoln de São Bernardo ainda não está contente com a sujeição. Quer mais. Enquanto restar um texto independente no país, ele continuará a vociferar contra a “mídia”. Adicionalmente, os petistas contam ainda com a súcia financiada por estatais que faz seu trabalho criminoso passar por jornalismo. Vamos ao ponto.
Assumindo o mensalão
O Babalorixá de Banânia comparou-se a Lincoln — a exemplo do que se deu com Cristo, ele também dispensa a parte sacrificial… — no suposto tratamento que a imprensa dispensaria a ambos. Besteira! Parte da imprensa americana apoiava Lincoln, parte não. A geografia da guerra civil, é evidente, pautava em boa medida críticas e elogios. Uma coisa é certa: jamais ocorreu ao presidente americano tentar censurá-la, como fez Lula no Brasil mais de uma vez. Até porque não conseguiria. Estava empenhado na aprovação da 13ª Emenda, a que proíbe a escravidão nos EUA, mas subordinado à Primeira Emenda, a que impede a censura do Estado. O Congresso não pode nem mesmo legislar a respeito de limites à liberdade de expressão.
A alusão a Lincoln, de fato, remete a outra coisa, bem mais dolosa do ponto de vista intelectual, ético, moral, político e histórico. A relação de Lula e dos petistas com o mensalão passou por diversas fases. Houve a primeira, a da admissão do erro, com pedido de desculpas. Durou pouco. Veio em seguida a acusação de “golpe das elites”, forjada por um oximoro reluzente: “intelectuais petistas”. Depois, chegou a da negação: “O mensalão nunca existiu”. E agora estamos diante da quarta, e é neste ponto que Lula decidiu pegar carona na vida de Lincoln: os crimes dos mensaleiros teriam sido atos heroicos.
Como assim?
O republicano Lincoln, e o filme dá grande destaque a essa passagem, retardou o fim da guerra civil para poder aprovar a 13ª emenda, que proibiu a escravidão no país, e, sim, literalmente comprou o apoio de alguns democratas, especialmente de congressistas que não tinham sido reeleitos. A moeda principal foram cargos no governo federal, mas também houve dinheiro. Eis aí: é precisamente nesse ponto que Lula pretende, no que me parece uma forma de confissão, colar a sua biografia à do presidente americano.
Eis um debate interessante, que remete a fundamentos da moral individual e da ética pública: a transgressão de um princípio para pôr fim a uma ignomínia, como a escravidão, é aceitável? Ao comprar o voto daqueles parlamentares com um propósito específico, de que outros males — imaginem aí — Lincoln estava livrando os EUA? No mínimo, pode-se supor que o fim do conflito poria termo apenas ao primeiro ciclo da guerra civil, porque outro estaria sendo contratado. Um fundamento ético ou moral, que é sempre abstrato, revela a sua força quando aplicado. Vamos ao exemplo mais elementar: todos sabemos que é errado matar como princípio geral, mas nem por isso cabe hesitação quando há apenas duas alternativas: matar ou morrer. Se não matar vira sinônimo de morrer, matar, então, é a única alternativa de que dispõe a vida. Nesse caso, anula-se a diferença moral entre não matar e matar. É por isso que a ética da guerra — e ela existe —, por mais que pareça funesta (e, em certa medida, é mesmo), modula os modos da morte.
A política não é, e nunca foi, um exercício de santos. Com frequência, governantes os mais virtuosos tiveram de recorrer a expedientes que nem sempre foram de seu agrado para realizar tarefas necessárias que, de outra sorte, não se realizariam. No mundo da ética e da moral aplicadas, muitas vezes somos obrigados — e o governante mais do que do que qualquer um de nós — a escolher o mal menor porque o nosso princípio abstrato já não encontra lugar na realidade corrompida. Apelando a uma dicotomia conhecida, de Max Weber, nem sempre a ética da responsabilidade, que é a do homem público, atende a todas as exigências da ética da convicção, que é a do indivíduo.
Voltemos a Lula. Por que mesmo o seu partido fez o mensalão? Com que propósito? Se o ato de Lincoln não era, em si (e não era!), um exemplo de pureza e não poderia, pois, aspirar à condição de uma norma abstrata (“compre parlamentares sempre que precisar”), seu desdobramento prático livrou os EUA de diabólicos azares — além, evidentemente, de conferir mais dignidade a milhões de pessoas submetidas à ignomínia da escravidão. O peculatário que enfiou a mão em quase R$ 80 milhões do Banco do Brasil pretendia o que mesmo? Aquela súcia de vagabundos que roubou dinheiro público estava a serviço de que causa?
Lincoln tinha em mente um país, e não foi sem grande sofrimento pessoal — até o sacrifício final — que levou adiante o seu intento. Estava, efetivamente, consolidando uma república federativa. O mensalão, ao contrário, os fatos falam de forma eloquente, foi uma tentativa de golpear as instituições e de transformar a compra de votos numa rotina. Estava em curso a formação de um Congresso paralelo e de uma República das sombras.
Não deixa de ser interessante que Lula tenha feito esse discurso asqueroso na CUT. Não se esqueçam de que, nas lambanças do mensalão, ficamos sabendo que a turma queria usar a central sindical para criar um… banco dos companheiros! Eis o nosso Lincoln! Aquele atuou para pôr fim à vergonha da escravidão. O nosso, para criar um modelo que eternizasse o seu partido no poder.
Lula deveria, no mínimo, ficar de boca fechada.
O Lincoln de cordão carnavalesco finge que aprendeu a ler para reduzir o estadista americano a uma versão em inglês de Lula
Augusto Nunes - VEJA
O único doutor honoris causa do mundo que sempre detestou escola e estudo guardou para a festa do 30° aniversário da CUT a notícia tão confiável quanto uma previsão de Guido Mantega. “Estou lendo muito agora”, disse já no começo do palavrório desta quarta-feira. A plateia caiu na gargalhada. O palanque ambulante reiterou que o milagre que se consumara. “Só de livro do Ricardo Kotscho e do Frei Betto já li uns trezentos”, exemplificou. A troca da gargalhada pelo riso respeitoso foi a senha para a viagem pela estratosfera.
“Estava lendo o livro do Lincoln’, decolou, caprichando na pose de quem decorou a Bíblia ainda no berçário. Não disse qual. Mas pelo menos descobriu que houve um Lincoln ─ Abraham ─ que foi presidente dos Estados Unidos. É um avanço e tanto. Até recentemente, Lula achava que Lincoln era marca de cigarro e de automóvel. “Fiquei impressionado como a imprensa batia no Lincoln, em 1860, igualzinho bate em mim”, comparou-se o Exterminador do Plural ao vencedor da Guerra da Secessão. No Brasil da Era da Mediocridade, não há limites para a bazófia. A lira do delírio encaixa qualquer partitura.
O posseiro do Planalto e o antigo inquilino da Casa Branca só não são idênticos porque o Lincoln de cordão carnavalesco é favorecido pelo aparecimento de armas inexistentes nos tempos da versão de Lula em inglês. “O coitado não tinha computador”, descobriu. “Sabe o que ele fazia para saber de notícias? Ia para o telex, para o telégrafo, ficar numa sala esperando”.
O telex instalado por Lula na Casa Branca permitiu que Lincoln usasse em 1860 um aparelho ínventado em 1930. “Nós aqui poderemos xingar um ao outro em tempo real”, completou o animador de comício. Em sete anos e meio, como prova o post reproduzido na seção Vale Reprise, ele produziu 19 palavras manuscritas. Mas faz de conta que aprendeu a disparar desaforos pela internet.
De 2003 para cá, o ex-presidente repetiu em incontáveis palavrórios que é o Getúlio Vargas do século 21. A comparação só faria algum sentido se o novo Pai dos Pobres reprisasse o tiro no coração. De qualquer forma, um Getúlio agora lhe parece pouco. O maior dos governantes desde Tomé de Souza é páreo para o estadista que impediu a fragmentação dos EUA e acabou com a escravidão. Mas não tem chance alguma de morrer como o colega ianque.
Lincoln foi assassinado enquanto assistia a uma peça teatral. Lula nem sabe o que é isso. Jamais foi visto na plateia do gênero. E nunca será. Quem acha leitura pior que exercício em esteira decerto acha teatro mais detestável que três maratonas. Uma atrás da outra.
Lula se compara a Lincoln e diz que seu sucesso incomoda
Ex-presidente faz críticas à imprensa em aniversário da CUT
Silvia Amorim/Cássio Bruno - O Globo
Lula perticipa do evento de comemoração dos 30 anos da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em São Paulo
Foto: Marcos alves / O Globo
Lula perticipa do evento de comemoração dos 30 anos da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em São PauloMarcos alves / O Globo
SÃO PAULO - Em discurso na festa de comemoração dos 30 anos da Central Única dos Trabalhadores (CUT), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou-se aos adversários políticos e disse nesta quarta-feira que eles se sentem incomodados com o sucesso alcançado por ele. Lula dedicou parte do pronunciamento a críticas à imprensa e chegou a comparar-se ao ex-presidente dos Estados Unidos Abraham Lincoln.
— Nós sabemos o time que temos, sabemos o time dos adversários e sabemos o que eles estão querendo fazer conosco. Acho que a bronca que eles tinham de mim é o meu sucesso e agora é o sucesso da Dilma. Eles não admitem que uma mulher que veio de onde ela veio dê certo porque a onda pega. Daqui a pouco qualquer um de vocês vai querer ser presidente da República —afirmou Lula.
Um dos fundadores da CUT, o ex-presidente orientou a atual diretoria da entidade a organizar-se para obter maior visibilidade na imprensa. Nesse momento, Lula fez diversas criticas à mídia, mas sem mencionar especificamente veículos de comunicação.
— Essa gente nunca quis que eu ganhasse as eleições. Nunca quis que a Dilma ganhasse as eleições. Aliás, essa gente não gosta de gente progressista. Esse dia eu estava lendo, eu ando lendo muito agora, viu, Gilberto (Carvalho, ministro da Secretaria Geral da Presidência), o livro do Lincoln e fiquei impressionado como a imprensa batia no Lincoln em 1860. Igualzinho bate em mim. E o coitado não tinha computador. Ele ia para o telégrafo esperando tic tic tic. Nós aqui podemos xingar o outro em tempo real. Quanto já estão tuitando aí? Eu estou naquela idade de parar de reclamar que aqueles que não gostam de mim não me dão espaço — disse Lula.
O ex-presidente afirmou que não é preciso pedir favor a jornais.
— Nós temos uma arma poderosa totalmente desorganizada e a gente não tem que ficar chorando porque não saiu no jornal tal. Não tem problema, a gente não tem que pedir favor. Pegue o espaço que temos e faça com que ele seja bem utilizado. Esse país teve formadores de opinião pública que era contra as Diretas Já. Só foram para a rua quando tinha 300 mil pessoas na praça da Sé. Essa gente não era contra a derrubada do Collor. Só foram para a rua quando a gente já estava na rua — completou o ex-presidente.
Para Lula, a imprensa somente noticia quando o assunto é ruim para o governo.
— Quantas vezes vocês fazem passeata em Brasília e não aparece (na mídia)? Se for contra o governo, aí vai aparecer na televisão e, se alguém xingar o governo, vai aparecer mais ainda (...) Nos anos 80 qualquer imbecil se achava formador de opinião pública. Falava meia dúzia de bobagens na televisão e já achava que mudou o mundo. Nunca disseram que o presidente da CUT era formador de opinião e nós mudamos esse conceito porque, apesar de a gente reclamar e do que, às vezes, fazem com a gente, eu não vivo reclamando do espaço que eles não me dão. Eu agora estou querendo saber o que falta eu fazer para ter o espaço que eu quero independente deles — afirmou o ex-presidente.
Condenado no processo do mensalão, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares esteve no evento.
Na tarde desta quarta-feira, já no Rio de Janeiro, o ex-presidente se reuniu, em um hotel de Copacabana, na Zona Sul, com a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ). Ao chegar no local, a parlamentar reafirmou o posicionamento do PT em lançar a candidatura do senador Lindbergh Farias ao governo do estado do Rio de Janeiro.
Lula participará no final da tarde do Encontro Nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. Em seguida, o ex-presidente vai jantar com o governador Sérgio Cabral, com o prefeito Eduardo Paes e com o vice-governador Luiz Fernando Pezão, todos do PMDB. No cardápio, eles vão discutir a sucessão estadual. No Rio, o PMDB ameaçou não apoiar a reeleição da presidente Dilma Rousseff caso o PT mantenha a candidatura de Lindbergh.

ELIÂNICAS

No grito
Eliane Cantanhêde - FSP
BRASÍLIA - Os articuladores e manifestantes do movimento "Fora, Renan!", com milhares de assinaturas na internet, miraram no que viram e acertam no que não viram.
A intenção era, primeiro, impedir a posse de Renan Calheiros na presidência do Senado, criando constrangimento para a de Henrique Alves na da Câmara. Depois, minar as "condições de governabilidade" sobretudo de Renan, mais conhecido da plateia e mais emblemático.
Não deu certo, mas obriga os presidentes do Senado e da Câmara a se esfalfarem para dar respostas à pressão e mostrar que são melhores do que parecem. Há nisso, obviamente, um forte lado marqueteiro. Mas há também efeitos práticos.
Renan promete reduzir cargos comissionados e transformar o serviço médico do Senado em posto de emergência, despachando os médicos para o SUS. Se vai ter força para fazer, não se sabe. Mas a promessa é boa.
E Henrique reuniu os líderes, num dia, e colocou para votar, no outro, o fim do 14º e do 15º salários de Suas Excelências. Em vez de dois salários a mais em todos os quatro (ou oito anos) de mandato, vão passar a ter direito a um a mais só em dois anos, o de chegada e o de saída (mesmo os que, reeleitos, saem sem sair).
A excrescência significava cerca de R$ 54 mil a mais para cada parlamentar e de R$ 30 milhões a menos para os cofres públicos por ano. Como foi criada em 1946 -há quase 70 anos, portanto-, não era nada simples acabar com ela. Só mesmo por forte pressão da sociedade.
Como, aliás, ocorreu com o descalabro do Tribunal de Contas do DF, que tenta aumentar de 43,53% a 65% os salários de seus funcionários. A medida, vetada pelo governo do DF e aprovada pela Câmara Distrital, acaba de ser suspensa por liminar do Tribunal de Justiça. Depois, claro, de parar na imprensa.
Moral da história: resistir, pressionar e gritar é preciso, sempre e cada vez mais. A luta continua!
Esvaziamento da indústria
Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Amanhã saem as Contas Nacionais (evolução do PIB) do quarto trimestre de 2012. Uma das coisas que se verificarão é que a participação da indústria de transformação na renda nacional terá caído de 14,6%, em 2011, para alguma coisa em torno dos 13% em 2012. Segue-se que, se o governo persegue forte crescimento do PIB, cada vez menos poderá contar com a indústria de transformação para isso.
Em outras palavras, no ponto em que estamos, o avanço mais significativo do PIB não se obtém com empurrão ao consumo de bens industriais - seja pelo estímulo ao crédito, seja pela redução de impostos sobre produtos de consumo durável. Será obtido, sim, se o governo puxar pelo avanço dos serviços, o que, evidentemente, não pretende. E, se for verdade que o setor de serviços começa a perder dinamismo, como sugere o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ficará inevitável um desempenho também mais limitado do PIB.
Caso se confirme o crescimento da produção (e da renda) da indústria de transformação na ordem de 3% em 2013, como ainda ontem reafirmou o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, a contribuição desse avanço para o do PIB do ano deve ser inferior a 0,4 ponto porcentual.
Isso não quer dizer que a indústria nacional não deve ser estimulada com agressiva redução de custos e com aumento de escala de produção. É necessário que uma economia como a brasileira tenha um setor industrial forte.
O problema é que as políticas do governo nesse sentido são tímidas e contraditórias. Não conseguem caminhar, por exemplo, na desoneração dos encargos trabalhistas. Primeiro, puxa o câmbio para dar mais competitividade à indústria, mas, no meio do caminho, se arrepende e volta atrás. Além disso, até agora, o governo não se empenhou em abrir o mercado externo. As políticas protecionistas e de defesa comercial, quando eficazes, limitam-se apenas a criar mais reserva de mercado interno. As negociações destinadas à obtenção de acordos de livre comércio praticamente pararam. E a política de boa vizinhança e de tolerância com a Argentina derrubaram o mercado do Mercosul para a indústria. Em relação a 2011, as exportações para o Mercosul em 2012 caíram 18% e, para a Argentina, 20%.
As causas do esvaziamento da indústria vêm sendo objeto de intensas discussões. O livro O futuro da indústria no Brasil, com textos organizados por Edmar Bacha e Monica Baumgarten de Bolle, é valiosa contribuição para isso.
De todo modo, fica demonstrado que decisões estratégicas de política econômica tiveram por resultado a intensificação do esvaziamento da indústria. Esse esvaziamento não deve ser entendido como "desindustrialização" - conforme vai sendo repetido por aí. Não é o caso, na medida em que não há transferência física de fábricas e de linhas de produção para outros países, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos e na Europa.
O investimento em infraestrutura que começa a ser atacado com mais determinação pelo governo Dilma ajudará a reduzir os custos da indústria - e, portanto, a fortalecê-la. Mas seu impacto somente será observado a longo prazo.
Supersafra represada
FSP -Editorial
Infraestrutura põe em risco distribuição e exportação de 185 milhões de toneladas de grãos; portos são só a ponta de um iceberg de ineficiência
A ninguém terá surpreendido a revelação, nesta Folha, da penca de irregularidades detectadas pela Presidência da República nas companhias Docas, estatais encarregadas de administrar 17 dos principais portos do país. Não é de hoje que se conhece a ineficiência dessas instalações, gargalo responsável por boa parte do custo Brasil.
Só no governo Dilma Rousseff foram necessários aportes de R$ 1,2 bilhão do Tesouro para sustentar essas companhias. Elas afirmam que os recursos são usados para ampliar e melhorar os portos, mas não se vislumbram resultados práticos dos supostos investimentos.
A incúria gerencial parece imperar. É o que sugerem os muitos casos de contratos firmados sem licitação e o desperdício de recursos públicos em obras -para dar dois exemplos das falhas encontradas pela Secretaria de Controle Interno da Presidência.
Para completar a equação do atraso, a contratação de portuários é controlada por guildas encasteladas nos Ogmos (órgãos gestores de mão de obra). Resultado: entre 142 países listados pelo Fórum Econômico Mundial, os portos do Brasil amargam um 130º lugar no ranking de eficiência.
Com uma supersafra de 185 milhões de toneladas de grãos e oleaginosas à vista, crescimento de 11% sobre o ano anterior, esse estrangulamento é mais que preocupante. E ele não está só nos portos: armazenamento e transporte também oneram o produto nacional.
Segundo o especialista em economia agrícola Marcos Sawaya Jank, o Brasil conta com silos para apenas 72% da safra de soja e milho, em contraste com 133% nos EUA (folga necessária para dar conta dos transbordos de cargas). Para que os grãos cheguem da lavoura ao porto, pagam-se aqui US$ 85 por tonelada, de acordo com a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais -enorme desvantagem diante dos US$ 23 nos EUA e dos US$ 20 na Argentina.
Mesmo assim, o país se tornou o primeiro produtor e exportador mundial de soja e o maior exportador de milho, o que dá uma boa medida da produtividade do agronegócio nacional. O setor contribui com um superavit de U$ 80 bilhões para a balança comercial.
No que respeita a armazenagem e transportes -rodovias em frangalhos, ferrovias insuficientes e hidrovias impraticáveis-, o governo federal mal se mexe. Parece ter despertado para a questão dos portos, com a liberalização prevista na medida provisória 595, mas enfrenta forte oposição na própria base de apoio parlamentar e sindical.
Neste caso, não há dúvida sobre onde está o interesse nacional. A dúvida é se a presidente Dilma terá firmeza para ficar do seu lado.
A miséria para além do marketing
O Globo
A presidente Dilma Rousseff anunciou, na terça-feira da semana passada, a ampliação de benefícios do Bolsa Família para retirar 2,5 milhões de pessoas cadastradas no programa da linha abaixo da renda per-capita de R$ 70 mensais.
No dia seguinte, não por acaso, Dilma, ao lado de Lula, da cúpula do PT, parlamentares do partido, aliados e militância participaram de uma festa pelos dez anos de poder petista e 33 de existência da legenda. Foi uma moldura adequada para o lançamento prematuro da candidatura da presidente à reeleição.
A solenidade do anúncio da extensão do BF abriu a programação político-eleitoral destes dias e teve um tom indisfarçável de campanha. O mote, afinal, é irresistível para qualquer candidato: “O fim da miséria”. Partido muito competente em propaganda e marketing, o PT saberá o que fazer com esta bandeira.
Não se deve, mesmo, desprezar a ajuda do Bolsa Família na redução da pobreza. O governo estima que, desde a chegada do PT ao Planalto, 36 milhões foram resgatados do pauperismo, um processo que só tem sido possível porque houve a estabilização da economia, com o lançamento do Plano Real em 1994, por Itamar Franco e Fernando Henrique. E tão importante, ou mais, que a renda em si são a exigência da frequência escolar dos filhos dos beneficiários do programa e consultas médicas periódicas, contrapartidas já exigidas na Era FH.
A esperteza política na ampliação do BF para retirar pessoas abaixo da renda de mensal de R$ 70 é que esta é a fronteira que estatisticamente define a pobreza absoluta — quem recebe R$ 71 não é considerado um “miserável”. Um ou dois reais catapultam o pobre para outra categoria social. Mas daí a alardear que “a miséria acabou”, vai grande distância.
Em artigo publicado na “Folha de S.Paulo” de segunda feira, a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, e Marcelo Neri, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), afirmam que não desaparecerá a pobreza extrema, mas no âmbito do Bolsa Família e no conceito de renda.
O esclarecimento não deve contentar os marqueteiros petistas, sempre afiados para anunciar conquistas nunca antes realizadas.
De fato, não é apenas a renda que define o estágio social de um país, por exemplo, como já ensinou o economista indiano Amartya Sen, Prêmio Nobel, idealizador do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), consagrado pela ONU como mensurador de desenvolvimento. E há carências enormes no Brasil que impedem o anúncio do “fim da miséria”.
Vale lembrar: a média nacional de residências com tratamento de esgoto é de apenas 38%; só 7% das 5.568 prefeituras têm projetos de saneamento básico para suas populações; há índices deploráveis na Educação etc.
Existem inúmeras estatísticas desse tipo. Espera-se que sejam lembradas em meio ao barulho da propaganda política.
Jogo alemão que premia destruição de câmeras de vigilância ganha escala global
Criado em Berlim, o Camover atravessou o Atlântico e chegou aos EUA; inutilizar câmeras com mais criatividade vale pontos extras
Roberto Almeida - OM

Um grupo de anarquistas alemães criou, no início do ano, um concurso polêmico. Eles decidiram premiar quem conseguisse destruir o maior número de câmeras de circuito fechado com “mais criatividade”. O jogo, intitulado Camover, começou em Berlim como protesto contra o Congresso Europeu de Polícias, realizado nos dias 19 e 20 de fevereiro, e se espalhou rapidamente pela Europa.
Na semana passada, a vigilância em alta definição do metrô de Bruxelas foi o alvo dos “jogadores”. Logo em seguida, com as primeiras câmeras destruídas nos EUA, o jogo-protesto atingiu uma escala global e passou a ser tratado como “febre” nas redes sociais. Usuários trocam dicas e recomendações para destruir as câmeras sem serem pegos pela polícia e espalham fotos das que conseguiram “capturar”.
O primeiro vídeo, que deu origem ao movimento, foi publicado em janeiro. Nele, anarquistas alemães, usando máscaras e vestidos de preto, entram no metrô de Berlim, “cegam” as lentes das câmeras e deixam o nome do jogo como recado nas paredes. O slogan do movimento anti-câmeras é “Freiheit sterbt mit Sicherheit”, ou “A Liberdade morre com a Segurança.”

“As câmeras são reflexo de uma sociedade cujos membros perderam o controle de suas próprias vidas. Com a maneira que o extremismo islâmico é percebido, turbinado ridiculamente pela mídia, eles pedem, em sua histeria, que mais câmeras sejam instaladas”, escreve o movimento em seu site, camover.noblogs.org.
“É bastante óbvio para pessoas racionais que as câmeras não previnem o crime, mas políticos e a indústria da vigilância tiram vantagem da situação para instalar outras, mais novas e melhores câmeras em lugares públicos”, afirma. “Softwares para monitorar imagens em alta resolução, que analisam rostos e movimentos, já existem e estão sendo implementados. Qualquer um que se sinta mais seguro por causa disso é louco.”
Como justificativa “intelectual”, o movimento adota o estudo dos criminologistas Clive Norris e Gary Armstrong, da Universidade de Hull, no Reino Unido. Eles concluem pela ineficácia das câmeras no combate ao crime.
Reprodução
“O olhar das câmeras não atinge igualmente todos os pedestres, mas aqueles que são predefinidos estereotipicamente como potencialmente desviantes”, dizem os especialistas. “Desta forma, jovens, particulamente aqueles socialmente e economicamente à margem, podem estar sujeitos a níveis ainda mais altos de intervenção autoritária e estigmatização oficializada.”
Perguntado se não estaria apenas destruindo patrimônio e desperdiçando o dinheiro do contribuinte, um dos membros do movimento disse à revista Vice que “quem desperdiça o dinheiro é o governo quando instala mais câmeras”. “Nós inevitavelmente vamos derrubá-las, certo?”, afirmou.
Além de Bruxelas e Berlim, ações dos grupos foram registradas em Nuremberg, Magdeburg, em Helsinki, na Finlândia, e em Puget Sound, nos Estados Unidos. Circulam na internet vídeos de ataques a câmeras também no Reino Unido e em Atenas, na Grécia. O site em que os vídeos dos ataques eram publicados (camover.blogsport.de) está fora do ar.

LIXO BRASILEIRO NA EUROPA

Mercado do sexo na Itália envolve 6 mil brasileiros
Desse total, 2 mil são transexuais e sofrem mais com preconceito
Evandro Éboli - O Globo
BRASÍLIA — Uma missão do governo que investiga o tráfico internacional de pessoas na Europa identificou, nesta semana, que cerca de seis mil brasileiros na Itália sobrevivem por meio de atividades sexuais, como a prostituição. Desse total, cerca de dois mil são transexuais. A comitiva obteve do governo italiano a informação de que 118 brasileiros estão presos apenas em Roma por problemas de documentos e exercício de atividades ilegais.
Nesse grupo, há 67 homens, 29 transexuais e 22 mulheres. Os números do governo italiano apontam que 30 mil brasileiros vivem legalmente no país. Já dados do Itamaraty estimam que, ao todo, incluídos os que estão em situação irregular, o número chegue a 60 mil.
Representantes do Itamaraty, do Ministério da Justiça, dos Direitos Humanos e da Secretaria de Mulheres reuniram-se na Itália, ontem, com representantes de ONGs que dão apoio a essas vítimas e autoridades italianas. Diferentemente de outras vitimas de tráfico de pessoas, os transexuais não têm uma rede de apoio e de serviços de acolhimento por sofrerem maior preconceito.
— A vida para um transexual é mais cara, pois eles são rejeitados no comércio comum e à luz do dia. Por isso, tem que consumir em um circuito social de compras paralelo que cobra três vezes mais caro que o mercado regular — disse o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, que está na Itália.
A diretora do Departamento Consular e de Brasileiro no Exterior, ministra Luiza Lopes da Silva, do Itamaraty, explicou que essas vítimas do tráfico para fins sexuais nem sempre querem voltar ao Brasil e, por essa razão, temem em procurar o serviço do governo.
— Essas vítimas nem sempre sabe o que querem, e quase ninguém quer voltar. Acham que já sofreram tanto no exterior e não querem retornar sem dinheiro. Acham que é prematuro — disse Luiza Lopes.
Clarissa Carvalho, da Secretaria das Mulheres, é coordenadora do Disque Denúncia 180, serviço telefônico que funciona na Espanha, em Portugal e na Itália, e que será estendido a outros países.
O grupo de autoridades brasileiras constatou também a prática do casamento servil. São mulheres brasileiras que conheceram italianos no Brasil, casaram-se e foram viver na Itália com promessa de uma vida melhor. Algumas eram ex-prostitutas e, na Itália, segundo Paulo Abrão, os maridos as obrigam a continuar na prostituição para elevar ganhos e manter a casa.
— Os casais geram filhos, e os pais impedem que as crianças possam registrar-se também com a cidadania brasileira, para impedir que as mães saiam e voltem para o Brasil — afirmou Paulo Abrão.

A SALVO DOS ANIMAIS ISLAMISTAS

Maior parte dos manuscritos do Timbuktu, no Mali, é salva de ataques pelo contrabando

Benoit Tessier/Reuters
Homem organiza os manuscritos seculares que foram parcialmente danificados por ataque das tropas rebeldes, em Timbuktu, Mali. Alguns manuscritos datam da era pré-islâmica. Timbuktu foi a capital intelectual e espiritual do Islã na África entre os séculos 15 e 16
Homem organiza os manuscritos seculares que foram parcialmente danificados por ataque das tropas rebeldes, em Timbuktu, Mali. Alguns manuscritos datam da era pré-islâmica. Timbuktu foi a capital intelectual e espiritual do Islã na África entre os séculos 15 e 16
Mais de 80% dos manuscritos inestimáveis de Timbuktu foram contrabandeados para fora da antiga cidade antes que os islamistas começassem a atacar a sua herança cultural, apurou a Spiegel. Muitos foram levados de carro até a capital do Mali, Bamako.
Foram salvos de ataques de islamistas muitos mais manuscritos antigos de Timbuktu do que se acreditava, de acordo com informações do Ministério das Relações Exteriores alemão. Mais de 200 mil documentos, ou cerca de 80% deles, foram contrabandeados para lugares seguros, diz o ministério, que ajudou na operação.
O ministério disse que muitos dos manuscritos, alguns dos quais datam do século 13, foram retirados de Timbuktu em veículos particulares e levados para a capital do Mali, Bamako. Alguns deles foram escondidos sob verduras e frutas numa operação liderada pelo chefe da Biblioteca Memorial Mamma Haidara, Abdel Kader Haidara.
A embaixada alemã pagou pelo combustível e providenciou caixas de arquivo para armazenar 4.000 manuscritos. O ministro do Exterior alemão, Guido Westerwelle, disse que a prioridade agora era catalogar os manuscritos e preservá-los para a posteridade. "Estamos prontos para apoiar a reconstrução da biblioteca de Timbuktu", disse Westerwelle.
Timbuktu foi capturada em abril por guerreiros tuaregues cuja rebelião separatista foi mais tarde sequestrada por radicais islâmicos que impuseram a lei islâmica. Os militantes muçulmanos incendiaram uma biblioteca mundialmente famosa em janeiro. Eles também destruíram dezenas de santuários antigos em Timbuktu que são sagrados para os muçulmanos sufis, chamando-os idólatras e anti-islâmicos.
A França lançou uma intervenção militar no Mali, sua ex-colônia, em janeiro, para interromper uma ofensiva de combatentes islâmicos que tomaram o controle do norte no ano passado.
Junto com seus aliados africanos, as forças francesas expulsaram os rebeldes para fora das áreas urbanas mas agora enfrentam a ameaça de uma guerra de guerrilha. Eles estão lutando contra os rebeldes na fronteira montanhosa do norte do Mali com a Argélia, e as baixas estão se acumulando.
O exército do Chade disse no domingo que 10 de seus soldados foram mortos na área, depois que 13 soldados do Chade foram mortos na sexta-feira, informou a Reuters. Pelo menos 93 rebeldes sofreram baixas na área, de acordo com o exército.
Tradutor: Eloise De Vylder
Reforma em aquecedores na França vira desafio econômico e ecológico
Sophie Landrin - Le Monde
Ben Thomas/www.benthomas.net.au


O governo francês está tendo dificuldades para tirar do papel o grande plano de renovação térmica das casas prometido pelo chefe do Estado e apresentado pelo primeiro-ministro como "uma prioridade absoluta". Na terça-feira (26), uma reunião no Palácio do Eliseu na presença de Jean-Marc Ayrault e das duas ministras da Habitação e do Meio Ambiente, Cécile Duflot e Delphine Batho, não permitiu tomar as decisões esperadas. O governo tem esbarrado nos modos de financiamento, sobretudo no plano fiscal, mas também no cronograma da implantação. Foi levantada a questão de um IVA [imposto sobre valor agregado] reduzido (5%) para as obras de eficiência energética, de um reforço do crédito do imposto de desenvolvimento sustentável, entre outras. Mas essas medidas são custosas.
Contudo, é uma obra urgente: a moradia é um buraco negro do ponto de vista econômico e ecológico. Ela é responsável por quase 25% das emissões de gases de efeito estufa e representa 44% do consumo energético final. Para pessoas de menor renda, o orçamento para a energia tem ficado cada vez mais pesado.
O plano de renovação térmica constava entre as promessas do candidato Hollande. Durante a conferência ambiental de 14 de setembro de 2012, o chefe do Estado havia determinado suas metas: reformar a cada ano 500 mil moradias antigas e construir o mesmo tanto de moradias novas de baixo consumo, sem no entanto estabelecer um prazo. Essa ambição hoje parece inatingível. Mesmo o futuro diretor da Agência do Meio Ambiente e do Controle de Energia (Ademe) não acredita nela. Ouvido pelos deputados, na terça-feira (26), Bruno Lechevin chamou a tarefa presidencial de "enorme" e "extremamente difícil".
A convenção do meio ambiente, lançada pela maioria parlamentar anterior em 2007, havia sido mais modesta ao estabelecer uma meta de 400 mil reformas a partir de 2013, bem como a renovação dos prédios comerciais até 2020. O objetivo era chegar a essa perspectiva com uma diminuição de 38% do consumo energético dos imóveis. Mas ele não será atingido. Em 2012, pouco mais de 150 mil moradias sofreram a adequação.
A piora da conjuntura diminuiu ainda mais as capacidades de ação do governo. Só que, sem ajudas substanciais do Estado, sem um mecanismo de financiamento que sirva de incentivo, a renovação do setor de imóveis privados não avançará.
Apesar da urgência, Cécile Duflot e Delphine Batho, encarregadas de elaborar conjuntamente o plano que cabe a seus dois ministérios, demoraram para se entender e apresentar suas posições. No início de fevereiro, o secretário-geral adjunto do governo, Emmanuel Macron, convocou pessoalmente os atores do setor para tentar obter avanços. Ele ouviu as preocupações dos profissionais da construção civil. Desde 2007, a construção de novas habitações caiu 26%. E o ano de 2012 foi particularmente duro, com uma queda de 18%. Em 2012, o setor da construção, segundo a Confederação de Prestadores de Serviços e das Pequenas Empresas da Construção (Capeb), perdeu 1.300 empregos por mês. Em 2013 os cortes de empregos poderão triplicar, com 30 mil empregos a menos para os prestadores de serviço e mais de 40 mil no setor da construção civil, segundo a organização profissional. Os artesãos exigem a aplicação de um imposto reduzido de IVA (5%) para os trabalhos de reforma.
As ferramentas estão na mesa. No dia 18 de fevereiro, o advogado Philippe Pelletier, encarregado de preparar o plano de eficiência térmica das habitações, entregou a Delphine Batho um relatório sobre os "financiamentos inovadores da eficiência energética". Ele recomenda o uso de quatro mecanismos: "eco-empréstimo social" para os financiadores pela caderneta de poupança, um "programa para viver melhor" destinado a pessoas sem estabilidade financeira pelo Investimentos do Futuro, o "eco-empréstimo a taxa zero" e o "crédito de imposto de desenvolvimento sustentável" para a reforma de moradias individuais particulares. Essas duas últimas medidas são as mais onerosas (cerca de 700 milhões de euros), ainda mais por Philippe Pelletier sugerir que sejam ampliados os critérios de elegibilidade.
Ele propõe que o governo acrescente um mecanismo de financiamento por parceria, com um fundo de capital-semente. As obras das pessoas físicas seriam financiadas por uma empresa de economia mista público-privada em troca de um "aluguel" temporário cujo montante seria inferior ou igual ao que foi economizado em energia.
Essa medida seria um verdadeiro incentivo para os cidadãos. Mas o relatório alerta o governo: essas ferramentas de financiamento, sejam elas inovadoras ou renovadas, não constituem "de forma alguma uma solução miraculosa que conseguirá remover todos os obstáculos para o início de uma reforma maciça e de qualidade das casas". "A questão é saber em que prazo atingiremos as 500 mil moradias reformadas por ano – 2016, como eu quero, ou 2017, 2018, distante demais – e quantos milhões o governo está disposto a liberar", resume Philippe Pelletier.
O plano de renovação custará caro, mas é certo que a transição energética não poderá ocorrer se o setor da construção civil não se tornar mais econômico.
Tradutor: Lana Lim
Por petróleo e contra o Irã, Turquia busca aumentar influência no Crescente Fértil
Soner Cagaptay* - IHT
Osman Orsal/Reuters

Membros do Exército Livre da Síria patrulham na cidade de Ras al-Ain, na fronteira com a TurquiaMembros do Exército Livre da Síria patrulham na cidade de Ras al-Ain, na fronteira com a Turquia
O segredo mais aberto em Ancara é o de que a Turquia detesta o Irã, que ele vê como minando seus interesses na Síria e no Iraque. Os líderes turcos não reconhecerão isso publicamente, pois seu país precisa desesperadamente do petróleo e do gás natural iranianos para dar continuidade ao seu crescimento econômico fenomenal.
Mas Ancara cada vez mais considera tanto o Iraque quanto a Síria como arenas de um conflito indireto com o Irã; no primeiro, a Turquia apoia os árabes sunitas e os curdos contra o governo central em Bagdá, sob o primeiro-ministro xiita Nuri Kamal al Maliki, visto pela Turquia como um fantoche iraniano; no segundo, Ancara apoia os rebeldes contra o regime Assad apoiado por Teerã.
A Turquia respondeu ao desafio do Irã desenvolvendo influência no norte tanto do Iraque quanto da Síria. Isso sinaliza a ascensão de uma política turca ainda não declarada no Oriente Médio: antecipando a descentralização da Síria pós-Assad e esperando tirar proveito do norte curdo autônomo do Iraque, a Turquia está criando um "cordão sanitário" por todo o norte do Crescente Fértil, construindo influência entre a população curda assim como em grandes centros comerciais como Aleppo e Mosul.
Quando a Turquia decidiu estreitar seus laços com seus vizinhos muçulmanos há cerca de uma década, ela esperava que essas relações ajudariam a reforçar a estabilidade no Iraque e melhorar os laços políticos com a Síria e o Irã.
Mas as rebeliões árabes tornaram esses planos obsoletos. Inicialmente, Ancara deu ao regime Assad o conselho de amigo para que parasse de matar civis. Mas o regime de Damasco se recusou e a posição da Turquia mudou em agosto de 2011: Ancara passou de uma vizinha amistosa de Assad a sua principal adversária. A Turquia começou a fornecer refúgio para a oposição síria e, segundo reportagens da mídia, até mesmo a armar os rebeldes.
Essa política colocou Ancara e Teerã, o benfeitor de Assad, como principais rivais na Síria. Isso, por sua vez, exacerbou a disputa no Iraque, onde Ancara apoiou o bloco secular Iraqiya de Ayad Allawi nas eleições de 2010, envenenando as relações com Maliki.
Após a reeleição de Maliki, Ancara buscou laços mais estreitos com os árabes sunitas e curdos no norte do Iraque. O volume de comércio da Turquia com o norte do Iraque subiu para US$ 8 bilhões por ano, em comparação a apenas US$ 2 bilhões com o sul do país, e Ancara está buscando acordos lucrativos de petróleo com os curdos iraquianos.
Resumindo, apesar de todos os propósitos práticos, o norte do Iraque se tornou parte da esfera de influência turca. Isso é especialmente surpreendente, considerando que há apenas poucos anos a hostilidade turca em relação aos líderes curdos iraquianos parecia prestes a resultar em uma invasão turca na região.
Hoje, entretanto, a Turkish Airlines oferece voos diários para Sulaymaniyah e Erbil, dentro do Governo Regional do Curdistão no norte do Iraque, e os curdos iraquianos passam férias em Antalya, um resort turco no Mediterrâneo.
Mosul, uma província de maioria sunita no norte do Iraque, também está se inclinando para Ancara. A Turquia atualmente fornece refúgio para Tariq al Hashimi, o vice-presidente sunita do Iraque, cujo mandado de prisão se tornou motivo de mobilização para muitos sunitas. Ao mesmo tempo, os laços históricos entre Mosul e a Turquia, que datam do Império Otomano, estão sendo ressuscitados: quando visitei Gaziantep, uma cidade no sul da Turquia, meu hotel estava cheio de empresários árabes de Mosul.
Antes do início do levante sírio, um desdobramento semelhante estava ocorrendo em Aleppo, outra cidade do Crescente Fértil que desfrutava de laços comerciais profundos com a Turquia durante o Império Otomano.
Localizada a apenas 42 quilômetros da fronteira, Aleppo se tornou um centro de empresas turcas no norte da Síria, e sem dúvida o forte apoio fornecido pelos turcos aos rebeldes no norte da Síria aumentará a influência da Turquia na cidade após o fim do regime Assad (e não é por acaso que as maiores áreas contíguas controladas pelos rebeldes na Síria ficam em torno de Aleppo).
A parte que faltava para a influência potencial da Turquia no norte do Crescente Fértil era os curdos sírios –até o anúncio pela Turquia de negociações de paz com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Esse grupo, que está em guerra com a Turquia há mais de três décadas, também é conhecido como sendo o movimento mais bem organizado entre os curdos sírios.
Ancara espera que as negociações de paz com o PKK ajudem a sanar a animosidade com os curdos sírios. De fato, a Turquia alterou sua política para o Oriente Médio: ela agora vê os curdos como a base de sua zona de influência por todo o norte do Crescente Fértil.
Mas nem tudo é um mar de rosas para a Turquia. As negociações de paz com o PKK podem fracassar, levando os rejeicionistas do PKK para os braços do Irã ou até mesmo de Bagdá. Também há a ameaça emergente de permitir a presença de radicais no norte da Síria. Trata-se de um jogo perigoso, pois assim que o regime Assad cair, a Turquia poderia se ver com um problema de jihadistas em sua recém adquirida esfera de influência.
*Soner Cagaptay é diretor do Programa de Pesquisa Turca do Instituto Washington para Políticas do Oriente Próximo e autor de "Turkey Rising: 21st Century's First Muslim Power".
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Eleitos pelo Movimento 5 Estrelas têm em comum a inexperiência política
Os 109 deputados e 54 senadores eleitos já ganharam a alcunha de Grilinhos, em homenagem a Beppe Grilo
O GLOBO

O comediante Beppe Grillo vota em sua seção eleitoral, em Gênova
Foto: GIORGIO PEROTTINO / Reuters
O comediante Beppe Grillo vota em sua seção eleitoral, em Gênova - GIORGIO PEROTTINO / Reuters
ROMA — Um exército de amadores, com idade média de 35 anos, e dois pontos em comum: o repúdio à classe política italiana e a inexperiência no Parlamento. Esse é o perfil dos 109 deputados e 54 senadores eleitos pelo Movimento 5 Estrelas, que já ganharam a alcunha de Grilinhos, em homenagem ao líder da legenda, o comediante Beppe Grillo. Num partido criado inteiramente na internet, os candidatos foram selecionados por meio de uma “disputa” de vídeos no YouTube. As únicas exigências eram que os interessados fossem maiores de idade e não tivessem antecedentes criminais. A candidatura exigia ainda o envio de um currículo, de suas propostas e de um vídeo de apresentação.
Nesse grupo que tem o descontentamento com as velhas práticas da política como base, a telefonista de serviços de emergência Ivana Simeoni, de 62 anos, se destaca como uma das integrantes mais velhas do movimento. Ela conquistou uma vaga no Senado, e seu filho Cristian, um eletricista de 39 anos, foi eleito para a Câmara. Mas muitos novatos ainda não conseguiram mostrar os motivos de serem uma opção melhor para os eleitores. Em suas primeiras entrevistas, diversos integrantes do Movimento 5 Estrelas responderam com lacônicos “hum...” ou “não sei” quando questionados sobre o que fariam ou como se organizariam no Parlamento.
Outros dão mostras de otimismo com as novas funções:
- Não vejo a hora de integrar a Comissão de Orçamento e usar minha experiência para acabar com o desperdício - disse ao “La Repubblica” Laura Castelli, uma consultora tributária de 28 anos, eleita para o Senado.
Resta saber agora se o grupo tentará levar adiante algumas propostas de sua fundação, como o corte de 80% dos salários dos parlamentares - no país com os maiores salários da Europa, onde os rendimentos podem superar os € 18 mil por mês -, e a garantia de que todas as contas de órgãos do governo estejam acessíveis ao público.
Europa se aflige com a Itália: "dois palhaços venceram a eleição", diz político alemão
Reuters

O ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi exibe cartaz com a relação das principais conquistas de seu governo (2001-2011) em sua residência em Roma, na Itália
O ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi exibe cartaz com a relação das principais conquistas de seu governo (2001-2011) em sua residência em Roma, na Itália
Os investidores globais deixaram claro que o resultado eleitoral italiano não é do seu agrado, com a Moody's até mesmo ameaçando rebaixar a classificação do país. Os políticos europeus também não estão impressionados e temem que a crise do euro possa retornar em breve. Alguns comentários foram surpreendentemente não diplomáticos.
"Nós terminamos em primeiro, sem vencer." Foi assim que o Partido Democrático comandado por Pier Luigi Bersani resumiu na terça-feira os resultados da eleição italiana, que deixaram seu campo de centro-esquerda com a vantagem no Parlamento, mas sem força suficiente no Senado. O que ele não disse é que a maior derrotada pode nem mesmo estar na Itália. A maior derrotada pode ser a Europa e seus esforços para finalmente sair de anos de crise.
Essas preocupações foram acentuadas na terça-feira, à medida que os mercados financeiros e de ações de todo o mundo deixaram claro seu desconforto com o caos político na Itália resultante da eleição. E mais notícias ruins podem estar no horizonte. A agência de classificação de risco Moody's indicou na terça-feira que pode rebaixar a classificação de crédito de Roma após a eleição.
"Em vez de aumentar a clareza da direção política do país, as recentes eleições da Itália aumentaram o risco de que o momento da reforma estrutural obtido pelo governo de Mario Monti possa perder força ou ser interrompido", escreveu a Moody's em um relatório na terça-feira. A agência disse que rebaixaria o país de sua atual classificação Baa2 –apenas dois níveis acima do status de "junk" (especulativo)– caso os esforços de reforma percam força.
Não é uma preocupação pequena. O Movimento Cinco Estrelas do ex-humorista Beppe Grillo despontou como o partido individual mais forte na eleição, principalmente pela força de seu desdém pela classe política e sua retórica anti-União Europeia e antiausteridade. Silvio Berlusconi, apesar de ter perdido 4 milhões de eleitores em comparação ao seu resultado em 2008, recebeu uma votação surpreendentemente forte –devido em grande parte às suas próprias queixas contra a UE e, em particular, contra a chanceler da Alemanha, Angela Merkel.  

'Dois palhaços'

Quando os principais políticos europeus finalmente recuperaram seu fôlego na terça-feira, as reações –alimentadas pela clara preocupação de que a estagnação política em Roma possa reacender a crise do euro– foram duras.
"Em certo grau, eu estou horrorizado por dois palhaços terem vencido a eleição", disse Peer Steinbrück, o ex-ministro das Finanças da Alemanha e candidato social-democrata a chanceler nas eleições deste ano, na noite de terça-feira, referindo-se a Berlusconi e Grillo. Ele disse que a votação "contribuirá para mais problemas na zona do euro". O presidente italiano, Giorgio Napolitano, em visita à Alemanha, cancelou prontamente o encontro planejado com Steinbrück em consequência do comentário.
Mas o ministro das Relações Exteriores alemão, Guido Westerwelle, expressou as preocupações profundas na terça-feira, dizendo aos repórteres em Berlim que "agora é decisivo para a Itália, por ser um país muito importante para toda a Europa, que um governo estável e eficaz possa ser formado o mais rápido possível".
O ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, acrescentou que "o ônus agora recai sobre os líderes políticos na Itália (...) para fazerem o que o país precisa, que é formar um governo estável que dê continuidade ao caminho bem-sucedido de reformas".
De fato, vários europeus importantes pediram a Roma na terça-feira para que dê continuidade às reformas promovidas pelo primeiro-ministro Mario Monti, o líder tecnocrata que assumiu após a queda de Silvio Berlusconi em 2011. Mas o partido de Monti sofreu uma dura derrota na eleição, recebendo parcos 10% dos votos –em um sinal claro de que há pouco apetite na Itália para mais austeridade.

Alucinação do mercado

"Eu presumo que o governo italiano, independente de como venha a ser composto, manterá seus compromissos europeus", disse o ministro das Finanças holandês, Jeroen Dijsselbloem, que também é chefe do Grupo do Euro, na terça-feira, acrescentando que "não há satisfação" após a eleição. "Um governo estável é importante para a zona do euro. Para que a Europa possa ser retirada do atoleiro econômico, estabilidade política é necessária, também na Itália", ele disse.
O ministro das Relações Exteriores espanhol, José Manuel García-Margallo, foi menos diplomático. O resultado, ele disse, "foi um salto para lugar nenhum com consequências positivas para ninguém".
Os mercados deixaram claro na terça-feira que os investidores compartilham essas preocupações em relação à Itália. O índice do mercado de ações em Roma despencou 5% e os negócios envolvendo algumas ações de bancos tiveram que ser suspensos devido à forte queda de seus preços. As taxas de juros para os títulos da dívida de 10 anos, o canário na mina de carvão da crise do euro, subiram para 4,83% antes de uma oferta de dívida na quarta-feira. Os mercados europeus e globais também sofreram na terça-feira, com o DAX da Alemanha perdendo 2,3%.
Mas isso dificilmente impressionará os principais populistas da Itália. Berlusconi desconsiderou a preocupação dos investidores na terça-feira, dizendo que "os mercados seguem na direção que eles querem. Eles são independentes e também um pouco malucos". E Grillo? Durante a campanha, ele chamou os spreads dos títulos da dívida de uma "alucinação".
Ele também pareceu apreciar a perturbação econômica, dizendo que ela forçará novas eleições. Qualquer coalizão possível entre Bersani e Berlusconi, ele disse na terça-feira, duraria apenas "sete, oito meses. A economia não os deixará escapar".
Tradutor: George El Khouri Andolfato