segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

França não hesitará em expressar suas divergências na Otan
Laurent Fabius* -IHT
Em uma reunião de cúpula da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar ocidental), realizada em Chicago logo depois de François Hollande ter assumido a presidência da França, ele definiu sua visão sobre o lugar ocupado pelos franceses na aliança militar atlântica: o país é um aliado que exerce sua responsabilidade de membro fundador e está comprometido em promover valores comuns, mas não hesitará, se necessário, em expressar suas diferenças de maneira honesta. Essa posição está alinhada àquela que o Partido Socialista adotou, em especial durante o debate realizado em 2009 sobre o regresso da França ao comando integrado da Otan: aliados sim, alinhados não. 
Dentro da aliança, a França é um parceiro fundamental nos níveis militar, político e financeiro, e pretende continuar assim. Quando a decisão de agir for tomada, a França assumirá suas responsabilidades. Foi o presidente socialista François Mitterrand, que, em 1993, decidiu colocar as forças francesas sob a bandeira da aliança. 
Em 2009, a França não apoiava um retorno ao comando integrado, mas não é possível organizar contínuas discussões sobre o tema de forma permanente. E hoje haveria pouco sentido em sair novamente do comando. No entanto, temos de garantir que nosso retorno, agora oficialmente endossado, não resulte na banalização de nossa política externa nem na uma deterioração de nossa capacidade de tomar decisões e agir – mas que, pelo contrário, resulte no crescimento de nossas capacidades e influência. 
Dessa forma, a França vai desempenhar plenamente seu papel em uma organização cuja principal missão é permitir que as democracias com valores e interesses comuns organizem de forma eficaz a interoperabilidade de suas forças armadas e, ao mesmo tempo, garantam sua defesa coletiva. 
O relatório que o ex-ministro das Relações Exteriores da França, Hubert Vedrine, acaba de apresentar ao presidente francês sobre o papel de nosso país na Otan é uma contribuição muito útil para o trabalho da Comissão do Relatório Branco*, encarregada de estudar a agenda de nosso departamento de defesa e de nossa política de segurança. 
O relatório compartilha da mesma agenda. Em especial, o documento destaca uma dupla necessidade: a de reforçarmos nossa influência dentro da aliança – ao nos mostrarmos vigilantes dentro dela – e a de sermos mais proativos na construção de uma defesa europeia. 
Essas recomendações são pertinentes. A fim de implementá-las e de otimizar o papel da Otan no novo mundo que surgiu ao nosso redor, nossa política tem que definir para si pelo menos três objetivos. 
1) Para a França, a Otan deve se manter como um instrumento especial da relação transatlântica, atuando em nome dos valores e interesses que compartilhamos – de um lado, os europeus, e do outro, os norte-americanos e canadenses. A Otan é o arcabouço natural para o engajamento conjunto de nossas forças com os norte-americanos. 
Nesse contexto, a França irá agir para buscar a reforma da aliança, a fim de torná-la mais eficaz. O país continuará assumindo suas responsabilidades e preservando a autonomia de suas escolhas fundamentais: implementar a dissuasão nuclear, retirar suas tropas de combate do Afeganistão (como acabou de fazer), desenvolver um mecanismo de defesa antimísseis para a Otan – para o qual, durante a última reunião de cúpula da aliança, o presidente Hollande estabeleceu as condições, aprovadas pelos outros 27 chefes de estado e de governo, e, de modo mais geral, manter a liberdade no uso de suas forças e desenvolver o projeto de Defesa da Europa, que é parte integrante do projeto de união política do bloco. 
A França também vai continuar trabalhando para fortalecer todas as áreas de cooperação entre a Otan e a Rússia, que, aos nossos olhos, é uma parceira vital em diferentes campos, como o Afeganistão e a luta contra a pirataria e o terrorismo. 
2) Devem ocorrer discussões controladas – facilitadas pela reeleição do presidente Barack Obama – sobre um novo compartilhamento das responsabilidades relativas à segurança e à defesa entre europeus e norte-americanos. Os Estados Unidos precisam de um aliado europeu confiável capaz de assumir todas as suas responsabilidades. 
A crise da Líbia mostrou que os europeus podem fazer sua parte caso consigam lidar com sucesso com um conflito. Assumimos a maior parte dos riscos, das responsabilidades e das contribuições militares. Mas a crise também mostrou que ainda precisamos do apoio prestado pelos Estados Unidos. Apesar de o país dispor das capacidades necessárias para lidar com situações como essa – mesmo que elas não sejam suficientes hoje em dia –, é a União Europeia que deve agir quando os interesses relacionados à segurança dos europeus estiverem essencialmente em jogo. 
Dentro de alguns meses, por exemplo, a UE vai ter que desempenhar plenamente seu papel e apoiar a Organização das Nações Unidas (ONU) para auxiliar o Mali a recuperar sua soberania e combater o terrorismo. Pela mesma razão, seria bom se o país começasse a refletir sobre as responsabilidades que terá de assumir ao lado das futuras autoridades sírias. 
3) Os esforços iniciados para o projeto de Defesa Europa devem ser mantidos. A Otan pode dar sua contribuição, mas cabe primeiramente aos europeus trabalhar nesse projeto. 
Esse projeto é coerente com o que estamos fazendo para garantir que a União Europeia tenha uma política externa conjunta e capaz de tomar e implementar suas próprias decisões. Temos que agir agora para transformar esse objetivo em realidade, num momento em que nosso país – que nos últimos anos se mobilizou para retornar ao comando integrado da Otan – tem sido bastante frugal quando se trata dos recursos destinados ao projeto de Defesa da Europa. 
Vamos continuar trabalhando para obter apoio para esse projeto entre as instituições europeias, e entre todos os nossos parceiros europeus, incluindo os britânicos. Eu e o ministro da Defesa da França, Jean-Yves Le Drian, recentemente organizamos uma reunião com nossos colegas alemães, italianos, espanhóis e poloneses a fim seguir adiante com esse tema, e apelamos a todos os estados membros para que se juntassem a nós no desenvolvimento desse projeto de cooperação com os nossos principais parceiros, que obviamente incluem a Otan. 
Todas essas abordagens devem permitir que França garanta sua independência e sua capacidade de agir em um mundo novo, num momento em que enfrentamos grandes restrições orçamentárias. O país deve, portanto, ser capaz de se manter como uma "potência influente", da qual se espera que fale e seja ouvida e respeitada.

*Laurent Fabius é ministro das Relações Exteriores da França. 
   Tradutor: Cláudia Gonçalves

Via airows
Füssen, Germany (by Axel-D)
Füssen, Germany (by Axel-D)

Tasha Tilberg by Kayt Jones for i-D

Eniko Mihalik by Marton Perlaki for The Room

Via drrn999

Via tee

Angela Gossow

ARCH ENEMY - MY APOCALYPSE


The Emerald Staircase  (by La Urbanista)
Warsaw, Poland
The Emerald Staircase (by La Urbanista) Warsaw, Poland
archiphile:

village in vernazza italy | more old architecture
Village in Vernazza, Italy
Castle Stalker, Scotland  (by *Michelle*(xena2542))
Castle Stalker, Scotland (by *Michelle*(xena2542))

ARCH ENEMY

Angela Gossow

THE 69 EYES - BORDELINE


A década perdida
MARCO ANTONIO VILLA - O Estado de S.Paulo
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 foi recebida como um conto de fadas. O País estaria pagando uma dívida social. E o recebedor era um operário.
Operário que tinha somente uma década de trabalho fabril, pois aos 28 anos de idade deu adeus, para sempre, à fábrica. Virou um burocrata sindical. Mesmo assim, de 1972 a 2002 - entre a entrada na diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e a eleição presidencial -, portanto, durante 30 anos, usou e abusou do figurino do operário, trabalhador, sofrido. E pior, encontrou respaldo e legitimação por parte da intelectualidade tupiniquim, sempre com um sentimento de culpa não resolvido.
A posse - parte dos gastos paga pelo esquema do pré-mensalão, de acordo com depoimento de Marcos Valério ao Ministério Público - foi uma consagração. Logo a fantasia cedeu lugar à realidade. A mediocridade da gestão era visível. Como a proposta de governo - chamar de projeto seria um exagero - era inexequível, resolveram manter a economia no mesmo rumo, o que foi reforçado no momento da alta internacional no preço das commodities.
Quando veio a crise internacional, no final de 2008, sem capacidade gerencial e criatividade econômica, abriram o baú da História, procurando encontrar soluções do século 20 para questões do século 21. O velho Estado reapareceu e distribuiu prebendas aos seus favoritos, a sempre voraz burguesia de rapina, tão brasileira como a jabuticaba. Evidentemente que só poderia dar errado. Errado se pensarmos no futuro do País. Quando se esgotou o ciclo de crescimento mundial - como em tantas outras vezes nos últimos três séculos -, o governo ficou, como está até hoje, buscando desesperadamente algum caminho. Sem perder de vista, claro, a eleição de 2014, pois tudo gira em torno da permanência no poder por mais um longo tempo, como profetizou recentemente o sentenciado José Dirceu.
Os bancos e as empresas estatais foram usados como instrumentos de política partidária, em correias de transmissão, para o que chamou o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, de "projeto criminoso de poder", quando do julgamento do mensalão. Os cargos de direção foram loteados entre as diferentes tendências do Partido dos Trabalhadores (PT) e o restante foi entregue à saciedade dos partidos da base aliada no Congresso Nacional. O PT transformou o patrimônio nacional, construído durante décadas, em moeda para obter recursos partidários e pessoais, como ficou demonstrado em vários escândalos durante a década.
O PT era considerado uma novidade na política brasileira. A "novidade" deu vida nova às oligarquias. É muito difícil encontrar nos últimos 50 anos um período tão longo de poder em que os velhos oligarcas tiveram tanto poder como agora. Usaram e abusaram dos recursos públicos e transformaram seus Estados em domínios familiares perpétuos. Esse congelamento da política é o maior obstáculo ao crescimento econômico e ao enfrentamento dos problemas sociais tão conhecidos de todos.
Não será tarefa fácil retirar o PT do poder. Foi criado um sólido bloco de sustentação que - enquanto a economia permitir - satisfaz o topo e a base da pirâmide. Na base, com os programas assistenciais que petrificam a miséria, mas garantem apoio político e algum tipo de satisfação econômica aos que vivem na pobreza absoluta. No topo, atendendo ao grande capital com uma política de cofres abertos, em que tudo pode, basta ser amigo do rei - a rainha é secundária.
A incapacidade da oposição de cumprir o seu papel facilitou em muito o domínio petista. Deu até um grau de eficiência política que o PT nunca teve. E o ano de 2005 foi o ponto de inflexão, quando a oposição, em meio ao escândalo do mensalão, e com a popularidade de Lula atingindo seu nível mais baixo, se omitiu, temendo perturbar a "paz social". Seu principal líder, Fernando Henrique Cardoso, disse que Lula já estava derrotado e bastaria levá-lo nas cordas até o ano seguinte para vencê-lo facilmente nas urnas. Como de hábito, a análise estava absolutamente equivocada. E a tragédia que vivemos é, em grande parte, devida a esse grave erro de 2005. Mas, apesar da oposição digna de uma ópera-bufa, os eleitores nunca deram ao PT, nas eleições presidenciais, uma vitória no primeiro turno.
O PT não esconde o que deseja. Sua direção partidária já ordenou aos milicianos que devem concentrar os seus ataques na imprensa e no Poder Judiciário. São os únicos obstáculos que ainda encontram pelo caminho. E até com ameaças diretas, como a feita na mensagem natalina - natalina, leitores! - de Gilberto Carvalho - ex-seminarista, registre-se - de que "o bicho vai pegar". A tarefa para 2013 é impor na agenda política o controle social da mídia e do Judiciário. Sabem que não será tarefa fácil, porém a simples ameaça pode-se transformar em instrumento de coação. O PT tem ódio das liberdades democráticas. Sabe que elas são o único obstáculo para o seu "projeto histórico". E eles não vão perdoar jamais que a direção petista de 2002 esteja hoje condenada à cadeia.
A década petista terminou. E nada melhor para ilustrar o fracasso do que o crescimento do produto interno bruto (PIB) de 1%. Foi uma década perdida. Não para os petistas e seus acólitos, claro. Estes enriqueceram, buscaram algum refinamento material e até ficaram "chiques", como a Rosemary Nóvoa de Noronha, sua melhor tradução. Mas o Brasil perdeu.
Poderíamos ter avançado melhorando a gestão pública e enfrentado com eficiência os nossos velhos problemas sociais, aqueles que os marqueteiros exploram a cada dois anos nos períodos eleitorais. Quase nada foi feito - basta citar a tragédia do saneamento básico ou os milhões de analfabetos.
Mas se estagnamos, outros países avançaram. E o Brasil continua a ser, como dizia Monteiro Lobato, "essa coisa inerme e enorme".
MARCO ANTONIO VILLA É HISTORIADOR E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFCAR)
O bicho vai pegar
Ricardo Noblat - O Globo
Conselho que vale no mínimo para os primeiros meses do novo ano: preste atenção quando Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, disser alguma coisa.
Lula alugou a boca de Gilberto ao se ver acuado pelo julgamento do mensalão, pela descoberta da quadrilha da qual fazia parte Rosemary Noronha, sua ex-secretária, e pela delação à procura de um prêmio feita por Marcos Valério.
Gilberto foi posto na antessala da presidente Dilma para funcionar como principal olheiro de Lula, prestando também ao exigente chefe todo tipo de serviço.
Um deles: falar quando Lula não puder ou não achar conveniente. Transmitir suas orientações públicas para dentro ou fora do PT. Com especial afinco, Gilberto ocupou-se disso nas últimas atribuladas semanas.
Em entrevistas vapt-vupt, em pelo menos uma, extensa, concedida ao jornal Correio Braziliense, e em vídeo divulgado no site do PT, ele disse o que Lula lhe soprou.
O PT está obrigado a ser solidário com os mensaleiros que tombaram lutando, imagina Lula. Mais do que isso: está obrigado a defendê-los diante dos evidentes "exageros" produzidos durante os quatro meses de julgamento.
"Não é porque um companheiro seu cometeu um erro ou foi vítima de exageros que você irá abandoná-lo", ensina Lula. Ou melhor: Gilberto. "Por outro lado, não há dúvida de que o PT precisa se renovar e se refazer do ponto de vista da ética, da coisa pública, e fazer isso não apenas olhando para os próprios erros, mas para as questões estruturais da política que induzem a essa cultura".
No segundo semestre de 2005, Lula foi à televisão e pediu desculpas aos brasileiros. Uma vez reeleito no ano seguinte, voltou a se referir ao mensalão como "uma farsa".
Quem quiser espere deitado o dia em que Lula admitirá o que o Supremo Tribunal Federal concluiu enfático: foi mensalão. E com dinheiro público. Não foi Caixa 2, o que também configuraria crime.
"O erro do PT foi um erro de Caixa 2", insiste Gilberto. Digo: Lula. "Não reconheço nada do que foi colocado em termos de pagamentos mensais".
Compreensível. Lula não pode admitir que mentiu durante todos esses anos. De resto, os presídios estão superlotados de inocentes condenados sem motivo... Acolher mais alguns não fará para eles a menor diferença.
A esperteza de Lula é maior do que a de Gilberto. Lula teria sido mais cuidadoso ao responder sobre a reforma política, que poderia introduzir o financiamento público de campanhas.
Gilberto revelou sua descrença na aprovação da ideia de financiamento público - até aí nada demais. Mas derrapou ao afirmar: "os outros partidos não são menos corrompidos do que o PT". Êpa!
Lula não diria que o PT é um partido corrompido - o que é isso, meu irmão? Golpismo mediático? Sai pra lá!
Lula diria que o PT apenas se valeu das mesmas armas empregadas pelos demais partidos. Não deixaria brecha para que se pense que seus companheiros, mártires do mensalão, possam ter embolsado algum.
Se desviaram dinheiro foi para o bem do povo brasileiro. Quem duvida?
Por fim, em 2013 o "bicho vai pegar", alertou Lula via Gilberto.
Para ele, os ataques sofridos por Lula têm um só objetivo: "destruir o nosso PT, o nosso governo".
Lula receia ser processado pelo que Marcos Valério anda dizendo e convoca o PT para a luta.
Ao mesmo tempo, sabe que ser processado seria sua melhor chance para voltar como candidato a presidente em 2014.
"O povo é quem me julgará".
Que tal?
(Vai que é tua, João Santana, o marqueteiro de nove entre 10 candidatos vencedores!).
Feliz Ano Novo!
Atraso comercial
Maiores economias criam redes multinacionais e acordos bilaterais para apoiar cadeias de produção, mas Brasil se isola e fica para trás
FSP - Editorial
O Brasil corre risco de ficar à margem do comércio mundial. Letárgico e conservador, prende-se à ilusão de defender seus interesses ao fincar pé em políticas de proteção comercial anacrônicas desde os anos 1990 e que se tornarão obsoletas na nova geografia econômica mundial que se desenha.
A sonolência do comércio global após a crise de 2008, suspiros protecionistas e o fracasso das negociações de abertura na Organização Mundial do Comércio (OMC) podem ter passado a impressão de que as relações econômicas internacionais haviam sido congeladas no padrão do final dos anos 1990.
Desde então ficou travada a tentativa de promover um acordo planetário, a nova carta do comércio. Resultaram em impasse os 11 anos da chamada Rodada Doha da OMC.
As forças e os interesses dos centros relevantes da economia mundial, países ricos do Atlântico Norte e Japão, mais os superexportadores do Sudeste Asiático, continuaram a transformar as relações econômicas internacionais.
A produção de mercadorias, e em alguns casos até de serviços, é mais e mais multinacional. Cada país se torna parte de uma extensa cadeia de produção que não pode funcionar com barreiras ao comércio, regulação equivocada da circulação de capitais e desproteção dos direitos de propriedade.
O proprietário americano ou japonês de uma patente pode desenhar produtos na Europa, comprar componentes em países menores da Ásia e montá-los em parte na China, no México ou na Turquia. Precisa de fronteiras livres e seguras. A fim de tornar mais eficiente e dar segurança econômica e jurídica a essas cadeias, os países envolvidos criam redes de comércio.
A Parceria Transpacífica é negociada desde 2010 por EUA, Canadá, México, Austrália, Nova Zelândia, Brunei, Malásia, Cingapura, Vietnã, Chile e Peru -Japão, Coreia do Sul e Tailândia podem aderir. Os EUA e a União Europeia vão firmando acordos bilaterais com nações asiáticas e latino-americanas (Chile, Peru e Colômbia).
Em resumo, as economias dinâmicas e ricas se integram. A China começa a se movimentar. Procura ainda timidamente se acoplar a essas redes multinacionais por meio de conexões regionais.
Tais cadeias de acordos vão redundar em redução de custos e uniformização de normas. As nações participantes tenderão a atrair mais investimentos.
Ensimesmado, o Brasil está à margem dos debates. Enterra a cabeça na areia de ilusões autárquicas e nacionalistas velhas de mais de 50 anos. Não parece capaz de pensar e defender seus interesses na nova ordem que rapidamente se configura. Corteja, assim, o atraso.
Jovens universitários tentam exercer profissão com prazer e satisfação nos EUA
Anand Giridharadas  - IHT                          
"Eu fui criada acreditando que dinheiro é tudo", disse Maire Mendoza, 19, chorando em sua própria mesa. Seus pais são quase invisíveis nesta cidade que ouviram ser chamada de cidade dos sonhos. Eles deixaram o México antes de Maire nascer e trabalharam anonimamente desde então –sua mãe como babá atualmente, seu pai é funcionário de restaurante. 
Eles criaram suas filhas como sobreviventes pragmáticas. Então foi surpreendente quando Marie os procurou há não muito tempo com um entendimento: "Eu agora sei que não quero trabalhar por dinheiro", ela disse, causando perplexidade. Mas seu pai, sentindo suas limitações, concordou. "Você provavelmente está certa", ela se recorda dele ter dito, "e é porque você frequenta a escola e sabe de coisas que não sabemos".

A autodescoberta de Mendoza não foi por acaso. Descobertas como essa são a meta de um experimento audacioso em Nova York, que busca melhorar a sorte dos estudantes de faculdades comunitárias ao demolir e reconstruir suas percepções a respeito do trabalho. 
As faculdades comunitárias são o leito do ensino superior americano. Elas frequentemente recebem a todos –adolescentes inteligentes, indecisos de 25 anos, desempregados de meia-idade que precisam de reciclagem– e permite que estudem do modo como achem necessário: uma matéria de cada vez ou uma carga horária completa, por um diploma ou apenas por diversão. Em um país cuja mitologia recita que todos os que tentam conseguem chegar lá, as faculdades comunitárias estão entre as últimas esperanças de provar que a mitologia é verdadeira, 
Mas a abordagem vale tudo delas passou a ser atacada nos últimos anos, em parte por causa dos baixos índices de alunos que concluem os cursos, que pairam na faixa dos 20%, dos 10% e às vezes até mesmo de um único dígito. 
"O trabalho que o país precisa que as faculdades comunitárias façam agora (um melhor índice de sucesso) é diferente do trabalhado exigido delas (maior acesso) quando o movimento das faculdades comunitárias teve início", disse Allan C. Golston, presidente do programa americano da Fundação Bill e Melinda Gates, que tem pressionado por reformas. 
Graças em parte à pressão dos reformistas, a Nova Faculdade Comunitária abriu aqui neste semestre, com Mendoza em sua aula inaugural. Ela é uma instituição experimental dentro da Universidade Municipal de Nova York, com a missão de pegar os estudantes com os quais as faculdades comunitárias geralmente fracassam –os alunos são aceitos por ordem de chegada, não por candidatura– e aumentar enormemente a trajetória deles. 
A faculdade emprega muitos métodos para atingir sua meta –exigindo que os estudantes se dediquem em tempo integral, limitando os cursos ao estudo de seis campos com perspectivas comprovadas de emprego; oferecendo orientação abundante. Mas a ideia mais intrigante pode ser a matéria obrigatória no primeiro ano, chamada "Etnografias do Trabalho". 
A matéria nasceu dos resultados de estudos apontando que os alunos que frequentam as faculdades comunitárias –que em Nova York vêm em grande parte de minorias e de famílias de baixa renda– frequentemente nutrem associações negativas com o trabalho, disse Nancy Hoffman, uma especialista em educação que orienta a nova faculdade. Nas comunidades desses estudantes, o trabalho pode ser principalmente experimentado como esmagador da alma, explorativo, difícil ou ilegal. 
"Em grande parte na minha comunidade, é apenas para sobreviver", disse Jesus A. Paredes, 18, outro aluno do primeiro ano da Nova Faculdade Comunitária. "Ninguém realmente segue sua paixão. Ou se seguiram sua paixão, não deu certo." 
E assim, para sua aula de etnografia neste semestre, os estudantes se espalharam por Nova York para investigar o trabalho. Eles se sentaram em escritórios e registraram suas observações (como os trabalhadores se vestem, seu humor, como a autoridade era expressada). Eles entrevistaram advogados, assistentes sociais, técnicos. Elas mantiveram diários sobre suas próprias atitudes. O propósito era chegar a um entendimento mais profundo do que é o trabalho (o tema do relatório final deles) e como –como Mendoza buscava– conciliar o impulso de sobreviver com a própria paixão. 
"Trabalho é algo que as pessoas fazem e pela qual são remuneradas", escreveu uma estudante em seu relatório final. "O trabalho é a fundação do propósito", escreveu outro. 
Para Jeslyn Ruiz, 18, a matéria lhe deu a coragem para dizer para sua avó que, não, ela não será uma enfermeira; ela deseja ser uma diretora de iluminação de concertos. Sua avó, que chegou aos Estados Unidos vinda de Porto Rico, riu na cara dela. "Não, você será uma enfermeira", ela disse, não como uma ordem, mas apenas como uma previsão pesarosa. 
Sherine Smith, 21, chegou ao curso com a noção de que "eu tenho de ganhar o máximo de dinheiro possível" trabalhando o mínimo possível. Conhecer trabalhadores da vida real a convenceu de que dinheiro pode não proporcionar uma posição mais confortável e isso a forçou a reconsiderar. 
Dos nove alunos que se reuniram para conhecer um repórter, seis disseram que saíram do curso persuadidos de que emprego e paixão devem estar alinhados. Derek Norman, um músico de 22 anos que deseja entrar para o Corpo de Bombeiros e limitar sua música a trabalhos pós-expediente, falou em nome do campo de manter as coisas separadas: "Eu não sinto que seja preciso pegar os dois e uni-los". 
Alguns estudantes pareciam menos seguros sobre sua direção final, mas ainda estavam saboreando o semestre estranho e agitado. Para Paredes, um cidadão de uma das cidades mais verticais e cujo destino o manteve próximo do solo, o trabalho de entrevistar um advogado bem-sucedido lhe proporcionou a realização de um velho sonho: "Eu nunca estive em um 52º andar", ele disse. Ele gostou bastante lá de cima.   

Tradutor: George El Khouri Andolfato 
Imigrantes chineses convivem com certa 'chinofobia' na Espanha
Raquel Vidales - El Pais
Xu Songhua passou quase a metade de seus 63 anos vivendo na Espanha, mas não fala espanhol. Não lhe fez falta para se transformar em um dos empresários mais prósperos e conhecidos da comunidade chinesa neste país, proprietário de agências de viagem, restaurantes e lojas de produtos alimentícios. "É muito difícil, e quando cheguei não tinha tempo de estudar, só trabalhar", desculpa-se. "E agora fiquei preguiçoso porque minha família me traduz." Mas apesar de não conhecer o idioma Xu afirma que sempre se sentiu muito à vontade na Espanha e nunca pensou em voltar à China. Até agora. "Pela primeira vez estou pensando em voltar. As coisas mudaram desde que prenderam Gao Ping", afirma.
A Operação Imperador, que neste outono desarticulou uma das maiores tramas de evasão fiscal e lavagem de dinheiro reveladas na Espanha nos últimos anos, não só atingiu seus chefes, liderados pelo empresário Gao Ping, como teve consequências para toda a comunidade chinesa residente na Espanha. Dizem seus porta-vozes que desde que ocorreram as detenções, em 16 de outubro passado, as vendas dos comerciantes baixaram até 70% e que a sociedade espanhola os trata pior, o que somado à crise econômica está empurrando muitos, como Xu, a pensar em voltar à China ou se transferir para outro lugar. "Chamaram nossos filhos de mafiosos e houve clientes que se negaram a pagar o valor total de suas compras nas lojas, alegando que não pagamos impostos", resume Julia Zhang, assessora de empresas e diretora da associação Ni Hao.
A Secretaria Geral de Imigração espanhola afirma que não detectou nenhum problema de convivência derivado dessa operação policial, mas é evidente que a situação gerou uma crise de imagens que está obrigando um coletivo de imigrantes tradicionalmente silencioso e avesso a dar a cara a se mobilizar. Também demonstra isso o fato de que o governo chinês enviou para a Espanha, entre 26 e 28 de novembro, uma delegação diplomática para pedir que as autoridades em seus comunicados diferenciem claramente os protagonistas da trama criminosa para que o restante de seus compatriotas não seja identificado com a máfia.
O alcance na mídia da Operação Imperador, que deixou imagens chocantes de grandes quantidades de dinheiro sujo, foi o claro estopim dessa crise de imagem, mas não a única causa. Também influiu a escassa integração dos imigrantes chineses na sociedade espanhola, que em geral não vai além de interações econômicas em lojas e restaurantes. Foi o que admitiu durante sua visita a própria delegação diplomática chinesa, que inclusive se reuniu com representantes das associações de imigrantes para lhes pedir que se envolvam mais na sociedade espanhola. E seus representantes também o admitem. "Reconhecemos que em parte a culpa é nossa, porque não nos comunicamos o suficiente. E sabemos que agora temos de fazer um esforço para nos abrir e demonstrar à sociedade espanhola que não somos mafiosos e que a maioria das lendas que correm sobre nós é falsa", comenta Zhang.
Essa abertura não será fácil. Sua maneira particular de fazer negócios, obter empréstimos, conseguir emprego, alimentar-se e até divertir-se sem sair das redes familiares permite, como demonstra o caso de Xu Shonghua, que nem sequer têm a necessidade de aprender o idioma para progredir. "Vivemos mergulhados em nossos trabalhos e quase não temos tempo livre para nos relacionarmos além da família", explica Ye Yulan, presidente da Associação de Chineses na Espanha (Ache), a maior e mais antiga do país, que reúne cerca de 25 coletivos e existe desde 1983.
Essa capacidade para passar nas pontas dos pés pela sociedade e seu desinteresse por desmentir rumores, por estarem ocupados em seus negócios e seu mundo, propiciou a sobrevivência de muitas lendas sobre seus hábitos e costumes, algumas falsas e outras com certa base. "As mais insólitas acabam caindo sozinhas, como que não enterram seus mortos para poder utilizar suas carteiras de identidade, mas há outras que são reforçadas por acontecimentos como a Operação Imperador. Por exemplo, as imagens dos pacotes de notas apreendidos na rede de lavagem não ajudam a refutar a ideia difundida de que não pagam impostos", afirma o jornalista Ángel Villarino, correspondente na Ásia do grupo mexicano Reforma e de vários meios de comunicação espanhóis, que acaba de publicar o livro "Para onde vão os chineses quando morrem?".
Em seu livro, Villarino detalha a origem de alguns desses temas, entre eles o de que não pagam impostos. "Para começar, a naturalidade com que manipulam dinheiro vivo chama a atenção, mas isso não significa que sempre estejam manipulando dinheiro sujo. Às vezes se deve simplesmente a sua desconfiança geral dos bancos, que leva muitos a guardar suas poupanças em casa", explica. "Entretanto, a lenda tem uma base real. Diferentes fontes policiais confirmam que as firmas administradas por chineses cometem infrações com maior frequência do que as espanholas", acrescenta Villarino.
Julia Zhang, é claro, nega esse extremo e afirma que seus compatriotas pagam impostos como qualquer espanhol. "Posso lhes mostrar as declarações de meus clientes para demonstrá-lo", afirma. E acrescentou um dado: dos 175 mil cidadãos chineses registrados na Espanha, segundo o Instituto Nacional de Estatística, 48 mil cotizam no regime geral da Seguridade Social e 39 mil são autônomos, o que não leva a pensar em uma fraude maciça. Os números não incluem os cerca de 5.000 que se nacionalizaram nem os que possam estar sem registro, um número difícil de avaliar. A maioria dos cálculos afirma que podem ser cerca de 20 mil.
A crise gerou, por outra parte, certo ressentimento para com a comunidade chinesa por sua capacidade de abrir empresas da noite para o dia, inclusive no pior momento da economia espanhola. Um ressentimento que a Operação Imperador só fez agravar. "Há alguns meses o dono da Mercadona elogiava a capacidade de trabalho dos chineses e convidava os espanhóis a imitá-los para sair da crise. Hoje ninguém se atreveria a elogiar essa virtude", salienta Villarino.
Chen Shengli é um exemplo de como um chinês pode chegar a se integrar plenamente à sociedade espanhola. Apesar de em rigor ser um imigrante da primeira geração, pois nasceu e se criou na China, chegou à Espanha com 18 anos e hoje, 23 anos depois, sente-se plenamente espanhol. Fala perfeitamente o idioma e se nacionalizou, algo que a maioria de seus compatriotas não faz porque obriga a renunciar à cidadania chinesa. "Se agora me dissessem que tenho que voltar para lá, não saberia o que fazer. Meus amigos e minha vida estão aqui. Sou até sócio do Real Madrid!", declara.
Proprietário de uma importante rede de empresas fornecedoras de grandes cadeias espanholas e membro da patronal madrilenha, Chen reconhece que seu caso não é comum, sobretudo em camadas mais baixas. A maioria de seus compatriotas procede de mundos rurais e conta com poucos recursos para se integrar. Mas o empresário confia nas segundas gerações. "Os jovens que nasceram aqui não querem ouvir falar de China", afirma.
Gladys Nieto, especialista em estudos asiáticos da Universidade Autônoma de Madri, não vê a coisa tão clara. "Não é a primeira vez que as associações se mobilizam diante de uma crise midiática. Por exemplo, nos anos 1990 fizeram outro movimento para tentar lavar sua imagem depois de um atentado contra um restaurante chinês atribuído às máfias. Houve tumulto durante algum tempo, mas logo se esqueceu e voltaram silenciosamente a seus empregos", lembra a especialista.
No entanto, Nieto acredita que pouco a pouco vão ocorrendo avanços. "As segundas gerações que se escolarizaram na Espanha já falam o idioma e avançaram em integração em relação a seus pais, mas isso não significa que acabem trabalhando fora das empresas familiares. Ainda vivem entre dois mundos, e poucos saíram para o mercado de trabalho espanhol. Creio que será preciso esperar a terceira geração para notar verdadeiros avanços, como já sucede em países como os EUA", analisa.
Em todo caso, mesmo que essa tentativa de maior integração se concretize, o principal interesse da comunidade chinesa neste momento é que se encerre logo a Operação Imperador para que a imprensa deixe de publicar diariamente informações e imagens de compatriotas corruptos. Isso pelo menos foi o que passou para a polícia a delegação diplomática que viajou à Espanha no final de novembro. "Não pedimos um tratamento de favor. O único que tentamos é eliminar o impacto negativo que teve essa operação entre nossos compatriotas", declarou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Hong Lei.
O impacto midiático da operação não foi sentido só na Espanha, mas também na própria China. Algo que, segundo Julia Zhang, também pode prejudicar a economia espanhola porque está paralisando investimentos. "A palavra 'máfia' é muito mais grave para nós do que para os espanhóis, e causa muito medo na China. Por isso alguns empresários agora têm medo de investir aqui", afirma.
Xu Songhua declara que o turismo também poderá se ressentir, em um momento em que a Espanha faz um grande esforço para explorar a emergência do gigante asiático como país emissor de turistas, que se multiplicaram por cinco só na última década. O empresário afirma que no último mês três grupos de turistas chineses cancelaram a viagem que haviam contratado com sua agência para visitar a Espanha, devido às notícias negativas sobre a máfia.
Não só isso. A delegação diplomática chinesa também afirmou, em uma reunião com representantes do Ministério das Relações Exteriores, que as forças de segurança começaram a tratar com especial rigor os visitantes de seu país nas alfândegas, porque supõem que podem levar dinheiro sujo. A própria presidente da Ache, Ye Yulan, afirma que sofreu isso pessoalmente. "Foi em 25 de outubro passado, ao voltar de uma viagem à China. Revistaram minha mala com muito maus modos e me tiraram um remédio que havia comprado lá. Nunca antes, nos mais de 30 anos que vivo na Espanha, me havia acontecido algo assim", lamenta. 
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves 
Jovem vítima de AVC por causa de anticoncepcional luta por justiça
Pascale Krémer - Le Monde
Como expressar a enorme injustiça que sente, a raiva que a move? Marion Larat, 25, tenta contar como sua vida foi arruinada, irritada por não conseguir encontrar as palavras mais rapidamente, "pff…", contando nos dedos para se lembrar de um número, uma data. Em seguida, um silêncio e o olhar ausente. Ela gagueja, não suporta não ser mais aquela que falava e pensava como um raio. "Antes…" é como ela costuma iniciar suas frases.
"Antes, eu era uma ótima aluna, um ano adiantada." Em junho de 2006, Marion a bela, Marion a aluna brilhante de curso preparatório no liceu Montaigne de Bordeaux, acabara de prestar concursos para as grandes escolas de administração quando, de repente, sofreu um forte AVC (acidente vascular cerebral). Um edema se formou em seu cérebro e ela mergulhou em um coma do qual despertou três dias mais tarde, hemiplégica e afásica. Seguiram-se nove operações no centro hospitalar universitário de Bordeaux, meses num centro de reabilitação; uma luta acirrada para voltar a ser a Marion das intermináveis caminhadas por montanhas, das palestras de sociologia e para não se deixar tomar pela depressão.
Porque é preciso admitir. Ela nunca voltará a ser essa mulher. A nova Marion está com 65% de seu corpo incapacitado, é epilética, sua mão direita não lhe tem mais utilidade (ela era destra), andar e falar se tornaram extremamente difíceis. Ela culpou o destino. Tentou retomar seus estudos e se descobriu fisicamente incapaz. Quando um jovem entrou em sua vida, em 2010, ela considerou voltar a tomar a pílula. A nova ginecologista consultada pediu pelo histórico das análises de sangue feitas no hospital. Ela então descobriu a anomalia genética que Marion possuía: o Fator 5 de Leiden, que acentua a coagulação. Uma contraindicação para a ingestão de anticoncepcionais orais.
Resumindo, foi sua pílula, Meliane, que provocou o AVC. "Depois disso, não dormi durante um ano. Descobri que 8% das mulheres possuíam a mesma anomalia, então me dei conta de que outras tinham morrido, que outras iriam morrer". Marion nunca havia ouvido falar em riscos tromboembólicos da pílula. Tampouco sabia ser portadora de uma mutação genética – ninguém em sua família havia tido qualquer problema de saúde significativo.
Em junho, a Comissão Regional de Conciliação e de Indenização dos Acidentes Médicos da região de Aquitaine, confirmou a ligação: "O AVC ocorreu nos três meses da prescrição do Meliane. Esses elementos constituem presunções graves, precisas e concordantes que permitem atribuir a ocorrência do AVC à administração do Meliane".
Em busca de justiça Marion sentiu a audiência da comissão de indenização como uma violência. Perguntaram-lhe se ela havia considerado se suicidar. O que responder, com seus pais presentes na sala? Ela tenta não se deixar consumir pela raiva… não ser para sempre a deficiente que sobrevive com 700 euros de pensão mensal… Marion faz, bem lentamente, um trabalho comunitário. Ela teve a ideia de criar e comercializar meias de compressão menos feias do que as que foi obrigada a usar no hospital. O novo Institut do Service Civique, lançado este ano por Martin Hirsch, a premiou apoiando seus projetos. Mas nada deverá desviá-la de sua busca por justiça. Ela abriu mão das indenizações, esperando que sua voz chegue até o tribunal de primeira instância. Todas as outras jovens precisam saber.  

Tradutor: Lana Lim
Para continuar em programa de assistência a deficientes intelectuais, famílias carentes mantêm analfabetismo dos filhos nos EUA
Nicholas D. Kristof - NYT                       
Jonathan Palmer/The New York Times
 Courtney Trent (dir.), da Save the Children, realiza visitas domiciliares a mães carentes nos EUA, com o  propósito de ajudá-las a estimular as habilidades de que elas necessitam para desempenhar a tarefa de criar um filho. As visitas domiciliares se iniciam durante a gravidez e continuam até que a criança complete 3 anos de idade
Courtney Trent (dir.), da Save the Children, realiza visitas domiciliares a mães carentes nos EUA, com o propósito de ajudá-las a estimular as habilidades de que elas necessitam para desempenhar a tarefa de criar um filho. As visitas domiciliares se iniciam durante a gravidez e continuam até que a criança complete 3 anos de idade
Às vezes, a cara da pobreza nos Estados Unidos se apresenta dessa forma: pais da região montanhosa dos Apalaches retirando seus filhos das aulas de alfabetização. As mães e os pais dessa parte do país temem que, caso seus filhos aprendam a ler, eles terão uma probabilidade menor de se qualificar para receber o cheque mensal entregue àqueles que têm algum tipo de deficiência intelectual.
Muitas das pessoas que moram em casas móveis nas encostas locais são pobres e desesperadas, e o cheque mensal no valor de US$ 698 por criança, pago pelo programa de Renda Previdenciária Suplementar, representa uma ajuda e tanto – e esses pagamentos continuam sendo enviados às famílias até que a criança complete 18 anos.
"As crianças são retiradas do programa de alfabetização porque os pais podem perder o cheque caso elas continuem", disse Billie Oaks, que dirige um programa de alfabetização em Breathitt County, região pobre do Estado norte-americano do Kentucky. "É de partir o coração".
É doloroso para um liberal admitir isso, mas os conservadores têm razão quando sugerem que a rede de proteção social norte-americana pode ocasionalmente aprisionar as pessoas em uma dependência avassaladora. Nossos programas de combate à pobreza resgatam muitas pessoas da miséria, mas, às vezes, produzem efeitos negativos.
Alguns jovens dessa região não servem as forças armadas (que representam a rota de fuga tradicional para os norte-americanos pobres e residentes em áreas rurais), pois é mais fácil contar com os vales-alimentação e os pagamentos relacionados a deficiências.
Os programas de combate à pobreza também desestimulam o casamento: em um programa como o como o Renda Previdenciária Suplementar, cujo critério básico repousa sobre as condições financeiras dos beneficiários, uma mãe que esteja criando seu filho pode receber uma quantia maior do governo se não se casar com aquele cara trabalhador de quem ela gosta. No entanto, o casamento é uma das melhores saídas para reduzir a pobreza. Nas casas mantidas por casais, apenas uma criança em 10 cresce na pobreza, enquanto que, nas casas mantidas apenas pela mãe, quase a metade das crianças cresce na pobreza.
Mais angustiante ainda são os pais que acreditam que é melhor que a criança permaneça analfabeta, pois, assim, a família conseguirá reivindicar um cheque-deficiência todos os meses.
"Uma das maneiras de entrar para esse programa é ter problemas na escola", observa Richard V. Burkhauser, economista da Universidade de Cornell, um dos autores de um livro sobre os programas de subsídio a deficientes lançado no ano passado. "Se você vai bem na escola, você ameaça a renda dos pais. É um incentivo terrível".
Aproximadamente quatro décadas atrás, a maior parte das crianças abrangidas pelo programa de Renda Previdenciária Suplementar tinha graves deficiências físicas ou retardo mental, condições que dificultavam que seus pais se mantivessem empregados. E elas perfaziam cerca de 1% de todas as crianças pobres dos EUA. Mas, atualmente, 55% das deficiências que o programa abrange são incapacidades intelectuais um tanto indefinidas, que não chegam a configurar retardo mental e para as quais o diagnóstico é menos claro. Mais de 1,2 milhão de crianças norte-americanas – um total de 8% de todas as crianças de baixa renda – estão atualmente inscritas no programa de Renda Previdenciária Suplementar como deficientes, o que gera um custo anual de mais de US$ 9 bilhões.
É claro que isso é um fardo para os contribuintes, mas pode ser ainda pior para as crianças cujas famílias têm um interesse enorme em seu fracasso escolar. Essas crianças podem não se recuperar nunca mais: um estudo de 2009 descobriu que, quando completam 18 anos, quase dois terços dessas crianças fazem a transição para o programa de Renda Previdenciária Suplementar para adultos deficientes. Elas podem nunca chegar a ter um emprego durante toda a vida e estão condenadas a uma existência de pobreza patrocinada pelo seguro-desemprego – e esse é o resultado de um programa destinado a combater a pobreza.
Não há dúvida de que, para algumas famílias que têm crianças com graves deficiências, receber os cheques do programa Renda Previdenciária Suplementar é vital. Mas a conclusão é que não deveríamos tentar combater a pobreza com um programa que, às vezes, é usado para perpetuá-la.
Uma funcionária do distrito escolar local, Melanie Stevens, explica a situação da seguinte maneira: "O maior desafio que enfrentamos no papel de educadores é descobrir como conseguiremos quebrar essa dependência do governo. Na segunda série, eles têm um sonho. Na sétima série, eles têm um plano".
Sempre há o perigo de tirarmos conclusões inflexíveis demais a respeito de um problema – o combate à pobreza – que é tão complexo quanto os próprios seres humanos. Eu não sou especialista em pobreza doméstica. Mas, para mim, uma lição empírica que se pode tirar dessa questão é a seguinte: apesar de precisarmos de redes de seguridade social, o foco deve se voltar para a geração de oportunidades – e, o que é ainda mais difícil, para a criação de um ambiente que faça com que as pessoas aproveitem as oportunidades que lhes são apresentadas.
Para tentar descobrir o que isso pode significar, eu acompanhei o trabalho da Save the Children, uma organização de assistência que, na cabeça da maioria de nós, atua apenas em países como Sudão ou Somália. Mas a Save the Children também atua para criar oportunidades aqui nos Estados Unidos, em lugares como a casa móvel de Britny Hurley – e a organização oferece um modelo daquilo que realmente funciona.
Hurley, 19, é amável e fala rapidamente com um forte sotaque das colinas, de maneira que, às vezes, eu tinha dificuldade para entendê-la. Hurley diz que ela foi estuprada por um membro de sua família quando tinha 12 anos, e que, em seguida, outro membro da família a apresentou aos narcóticos. Hurley diz que ficou viciada principalmente em analgésicos, que são amplamente traficados na região.
Dotada de uma inteligência afiada, Hurley já quis ser médica. Mas seus vícios e sua natureza rebelde fizeram com que ela fosse expulsa da escola durante o ensino fundamental. E, aos 16 anos, ela se envolveu com um namorado e logo teve um bebê.
No entanto, existem formas de quebrar esse ciclo. Isso é o que a Save the Children está fazendo na região: a organização trabalha com as crianças enquanto elas ainda são maleáveis, numa abordagem que deve funcionar como peça central do programa de combate à pobreza dos EUA. Quando a questão é pobreza, a resposta quase sempre está nas crianças.
A Save the Children treina membros da comunidade para que façam visitas domiciliares a mães em situação de risco, como Hurley, e para que ajudem a estimular as habilidades de que elas necessitam para desempenhar a tarefa mais difícil do mundo: a tarefa de criar um filho. Essas visitas domiciliares se iniciam durante a gravidez e continuam até que a criança complete 3 anos de idade.
Acompanhei Courtney Trent, 22, que é uma das coordenadoras do programa para a primeira infância, em suas visitas a várias casas. Ela incentiva as mães (e os pais, caso eles estejam por perto) a ler para as crianças, a contar histórias, a conversar com elas e a abraçá-las. Se os pais não sabem ler, Trent os estimula a virar as páginas de livros ilustrados e falar sobre o que estão vendo.
Em cada visita, Trent leva alguns livros – e traz de volta aqueles que havia deixado em sua visita anterior. Muitas das casas visitadas por ela não possuem nenhum livro infantil.
Ela se sentou no chão da sala de estar de Hurley, tirou um livro de sua bolsa e incentivou-a a ler para seu filho de 20 meses, Landon. Hurley disse que, quando ela era criança, ninguém nunca leu para ela. E afirmou que está determinada a mudar esse padrão.
"Eu só quero que ele vá para a escola", disse ela a respeito de Landon. "Eu quero que ele vá para a faculdade e que saia deste lugar". Hurley disse que não está mais usando drogas e que está trabalhando em tempo integral em uma lanchonete fast food da rede Wendy’s. Além disso, ela espera voltar para a escola e se formar enfermeira. Eu apostaria nela – e em Landon.
"Quando as crianças vêm até nós por meio desse programa e frequentam nossa escola, conseguimos perceber uma grande diferença", disse Ron Combs, diretor da escola primária Lyndon B. Johnson, também localizada na região dos Apalaches. "Dessa forma, elas ficam realmente preparadas. Caso contrário, as crianças ficam tão atrasadas que têm dificuldade para se recuperar depois".
"Quando elas estão no segundo ou no terceiro ano do ensino básico, já dá para ter uma boa ideia de quem vai abandonar a escola", acrescentou ele.
Um grupo de professores estava na sala enquanto eu conversava com Combs, e todos eles concordaram com as afirmações do diretor. Wayne Sizemore, diretor de educação especial em Breathitt County, explica a situação dessa forma: "Quanto mais cedo nós conseguirmos atraí-los, melhor. É como construir o alicerce de uma casa".
Eu não pretendo sugerir que os programas de combate à pobreza dos EUA são um fracasso total. Pelo contrário, eles estão fazendo uma diferença significativa. Hoje, quase todas as casas aqui da região montanhosa dos Apalaches têm energia elétrica e água corrente, e as pessoas não estão morrendo de fome.
O nosso sistema político criou uma rede de seguridade social especialmente sólida para os idosos, com foco na Previdência Social e no Medicare, pois os idosos votam. Essa rede de seguridade social fez baixar a taxa de pobreza entre os idosos de aproximadamente 35% em 1959 para menos de 9% hoje em dia.
Como as crianças não têm voz política, elas têm sido negligenciadas – e substituíram os idosos como o grupo etário mais pobre de nosso país. Hoje, 22% das crianças vivem abaixo da linha da pobreza.
Entre as famílias norte-americanas que hoje vivem na pobreza, oito de cada 10 têm ar condicionado e a maioria tem máquina de lavar e secadora. Quase todas as famílias têm fornos de micro-ondas. O que elas não têm é esperança. Dá para perceber isso aqui na cidade de Jackson, nas adolescentes que circulam pela ponte localizada sobre a bifurcação norte do rio Kentucky. Nesse local, elas tentam negociar seus corpos em troca de analgésicos ou metanfetaminas.
Um crescente conjunto de pesquisas realizadas com bastante rigor sugere que a estratégia mais eficaz para evitar esse tipo de situação é trabalhar desde cedo com as crianças e investir em sua educação – além de tentar estimular e apoiar o casamento. Aplausos ao prefeito Juliano Castro, de San Antonio, por ele ter apoiado uma iniciativa que se tornou referência: Castro determinou a adição de um oitavo de 1% ao imposto de consumo local para financiar um programa de pré-jardim de infância. Intervenções precoces não são uma bala de prata, e até mesmo programas que se mostram bem-sucedidos durante fases experimentais muitas vezes não funcionam quando ampliados para públicos maiores. Mas nós acabamos pagando pela pobreza de uma maneira ou de outra, e a educação precoce, adotada já na primeira infância, é muito mais barata do que o encarceramento de adultos. Eu espero que as negociações orçamentárias realizadas em Washington sejam capazes de nos oferecer uma oportunidade para retirar dinheiro do programa de Renda Previdenciária Suplementar e, em vez disso, investir em iniciativas de educação infantil. Uma das razões pelas quais as iniciativas anti-pobreza não avançam nos EUA é o fato de a questão ser simplesmente invisível.
"As pessoas não querem falar sobre a pobreza na América", disse Mark Shriver, que gerencia os programas nacionais da Save the Children, enquanto percorríamos o estado do Kentucky. "Falamos mais sobre a pobreza na África do que sobre a pobreza na América".
Na verdade, durante a campanha eleitoral de 2012, a questão da pobreza quase não foi mencionada. Um estudo realizado pela Fairness & Accuracy in Reporting, órgão de fiscalização liberal, conseguiu detectar discussões sérias a respeito da pobreza em apenas 0,2% das notícias de campanha.
Não existe uma solução mágica para a questão, e ajudar as pessoas é difícil. Uma mulher que conheci, Anastasia McCormick, me disse que seu carro de US$ 500 havia quebrado e que ela tinha de caminhar mais de 6 km para ir e voltar do trabalho em uma pizzaria. E essas caminhadas vão ficar cada vez mais difíceis, pois ela está grávida de gêmeos que devem nascer em abril.
Em algum momento da gravidez, McCormick não será capaz de manter seu emprego e, então, terá dificuldade para pagar suas contas. Ela alugou uma máquina de lavar roupa e uma secadora, mas está com os pagamentos atrasados e, por isso, os aparelhos poderão ser retirados de sua casa em breve. "Eu recebi um aviso de que eles vão cortar o fornecimento de energia elétrica para a minha casa", acrescentou ele, "mas, quando isso acontece, eles dão um mês para que a gente pague a conta". A vida dela é assim, uma montanha-russa que foi construída, em parte, por ela mesma.
Eu não quero descartar ninguém, mas admito que os esforços para ajudar McCormick podem ter um resultado não muito claro. E quanto aos gêmeos que ela está esperando? Há tempo para transformar a vida deles, e eles – assim como milhões de crianças como eles – devem ser uma prioridade nacional. Eles são pequenos demais para fracassar.
Tradutor: Cláudia Gonçalves

DANIEL PIZA (1970-2011)


DE CONCHINHA
Os dois corpos deitados
Lado a lado, em S inverso,
Grudados, prolongados
Um no outro e no reverso,
Falam entre si, dilatados
Poro a poro, conversos.
Numa só concha colados,
Como silenciosos versos
Ao som do mar soprados,
Contêm eras, universos,
Vozes de doces passados,
No duplo futuro imersos.
Leem-se, textos espelhados,
Decorando de modo diverso
O que era sabido e inacabado:
Pés se roçando perversos,
Costas no peito, seio abraçado,
Joelhos juntos a seus anversos,
Bunda no púbis encaixado,
Rosto nos cabelos submerso.
Perenes, jamais dispersos,
São um organismo concentrado.

domingo, 30 de dezembro de 2012


(Source: lucky13nd)

Via airows
Lyon, France (by Trey Ratcliff)
Lyon, France (by Trey Ratcliff)
Christine Knaust
Christine Knaust (via poy)
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Orsy (via chcbb)

Via poy
Rialto Bridge, Venice (by gracust)
Rialto Bridge, Venice (by gracust)

Lena by Pascal Pierrou

Sf. Nicolae Church, Bucharest (by Ramona R***)
Utrecht, Netherlands (by Harry Mijland)
Utrecht, Netherlands (by Harry Mijland)
Strömsborg, Stockholm, Sweden
(by Kurt Qvist)
Strömsborg, Stockholm, Sweden (by Kurt Qvist)
Karlskirche, Vienna at night (by SBA73)
Karlskirche, Vienna at night (by SBA73)
Schloß Lichtenstein
(by Christian Bobadilla)
Schloß Lichtenstein (by Christian Bobadilla)
Church of Our Lady Before Tyn, Prague (by Vlad Bezden)
Church of Our Lady Before Tyn, Prague (by Vlad Bezden)
My dear Prague
(by Edgar Barany C)
My dear Prague (by Edgar Barany C)
Tallinn, Estonia (by Hannes R)
Tallinn, Estonia (by Hannes R)

KISS - I LOVE IT LOUD


Gothenburg, Sweden (by Borgabisi (Kris Harrison))
Gothenburg, Sweden (by Borgabisi (Kris Harrison))
Warsaw, Poland: Old Town (by Łukasz Chwaściński)
Warsaw, Poland: Old Town (by Łukasz Chwaściński)
Capri, Italy (by Fabio Gaglini)
Capri, Italy (by Fabio Gaglini)

ELIÂNICAS

Contando os minutos
Eliane Cantanhêde -FSP
BRASÍLIA - O ex-presidente Lula e sua pupila e sucessora Dilma não veem a hora de 2012 terminar. Foi, ou está sendo, um ano difícil.
O mito Lula foi reforçado com a vitória de Haddad em São Paulo, mas sacudido por meses de julgamento do mensalão e pelas condenações de Dirceu e de figuras chaves da sua campanha em 2002 e do seu governo.
No fim, enfrentou três ameaças ambulantes a ele e ao PT: o pivô do mensalão, Marcos Valério, a ex-chefe do escritório da Presidência em São Paulo, Rosemary Noronha, e até o nefasto Carlinhos Cachoeira.
Valério e Cachoeira, sobretudo, não são flores que se cheirem e o que dizem não tem lá credibilidade. Mas também é fato que estavam perigosamente próximos do poder e, contem mentiras ou não, sabem de muitas verdades. Se não derrubam o mito, deixam interrogações. Bem não fazem e podem fazer muito mal à aura, à imagem.
Quanto a Dilma: ela peitou bancos e telefônicas, reduziu IPI, recheou prateleiras de remédios gratuitos, privilegiou professores nas negociações salariais, estimulou decisivamente a ida de estudantes brasileiros para o exterior e garantiu um nível de emprego invejável no mapa internacional. Não é pouco, mas não é tudo.
Em duas áreas fundamentais, a presidente chegou ao final do ano sob fortes críticas e crescentes pressões: gestão (logo ela, com toda a marca e pinta de gestora?) e política econômica (pibinho de 1%? Faça-me o favor). Derrapando em portos, aeroportos e apagões, ela bateu na incapacidade de fazer o país crescer. São muitas medidas no varejo e poucos resultados no atacado.
A marca social do governo Lula e os acertos populares de Dilma mantêm a altíssima aprovação de ambos e a expectativa de vitória em 2014. Mas não é à toa que Aécio se mexe, o aliado Eduardo Campos se assanha, Marina Silva sai da toca e eleitores sonham com Joaquim. No mínimo, veem espaço para alternativas.
Forte na política, mas desgastado, PT faz 10 anos no poder
Favorito para emplacar 4ª vitória presidencial em 2014, partido teve imagem abalada pelo escândalo do mensalão
Petistas aderiram aos métodos tradicionais da política brasileira e fragmentaram divisão do poder com mais siglas
FERNANDO RODRIGUES - FSP
O PT completa dez anos no poder exibindo músculos na política, mas com um forte abalo em uma de suas principais bandeiras antes de chegar ao poder, a ética.
Favorito hoje para emplacar a quarta vitória presidencial seguida em 2014 -tanto Dilma Rousseff quanto Luiz Inácio Lula da Silva lideram com folga as pesquisas de intenção de voto-, a sigla tenta superar o desgaste causado pelo mensalão, maior escândalo da era Lula (2003-10).
Quando o PT chegou ao poder federal com Lula em janeiro de 2003, aderiu com rapidez aos métodos tradicionais da política brasileira.
O partido e seus aliados aparelharam o Estado e abriram espaço para a fisiologia no Congresso.
Não há inovação nessas práticas. O PT apenas emulou, ao seu jeito, o que outros faziam. E usa muitas vezes essa explicação para justificar o que pratica. Foi o caso de Lula à época em que eclodiu o mensalão, em 2005.
"O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente", declarou à época. E mais: "Não é por causa do erro de um dirigente ou outro que você pode dizer que o PT está envolvido em corrupção".
Essas explicações do então presidente da República e líder máximo do PT serviram de salvo-conduto para tudo o que o partido fez e viria a fazer no exercício do poder.
Mas existem nuanças em relação ao comportamento de outros grupos políticos anteriores. A comparação mais evidente é com o governo do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Tanto FHC como Lula se abriram à política miúda da fisiologia no Congresso. Mas com engenharias distintas.
Nos seus oito anos no comando do Brasil, FHC preferiu construir bancadas governistas menos fragmentadas -com número reduzido de siglas. Concentrou a adesão de deputados nas legendas-âncora de sua administração, PSDB e PFL (hoje DEM).
Já Lula decidiu repelir alianças com alguns partidos maiores, como o PMDB. Optou por horizontalizar sua base, com partidos médios e pequenos. Mas aí teve de cooptar mais agremiações.
O resultado foi simples. Enquanto nos anos FHC a centralização política foi quase total, sob Lula uma miríade de interesses se espalhou, tornando a gestão da fisiologia -demandas paroquiais, legítimas ou não- dos políticos às vezes incontrolável.
Os números das bancadas no Congresso no início de cada mandato são ilustrativos. Quando FHC tomou posse, em 1995, tinha o apoio formal de 387 deputados -dos quais 258 estavam abrigados em apenas três legendas: PSDB, PFL e PMDB.
Já Lula ao assumir, em 2003, tinha uma bancada governista de 336 deputados na Câmara. Ocorre que os três principais partidos lulistas (PT, PL e PSB) somavam apenas 153 deputados.
O passo seguinte na governança política petista foi fatiar os cargos públicos entre os diversos partidos aliados.
O número de ministérios teve de crescer. Eram 27 quando FHC assumiu. Hoje são 38.
Uma base política mais fragmentada é menos controlável. Isso explica por que durante FHC o Congresso teve mais CPIs e nenhuma abalou o governo como o mensalão dos anos Lula.
O tucano conviveu com 54 CPIs, mas teve comando total em todas. Lula enfrentou 42 investigações e perdeu o controle durante a mais relevante, a do mensalão.
FHC também foi hábil ao evitar a abertura de CPIs que poderiam escapar do comando. Um caso relevante ocorreu em 1997, quando o tucano abafou uma investigação sobre a compra de votos a favor da emenda da reeleição.
À época, os deputados envolvidos foram forçados a renunciar aos mandatos. E nove dias depois de o caso eclodir, o PMDB, vital na operação dos interesses políticos tucanos no Congresso, impôs a nomeação de dois ministros.
Lula nunca conseguiu impedir a investigação do mensalão. Não que não tivesse tentado. Mas a política de fragmentação partidária não dava ao petista essa margem. De maneira inadvertida, o petismo e o lulismo ajudaram o Brasil a conhecer um pouco mais como se opera a política no país.
Dois anos de fiasco econômico
O Estado de S.Paulo - Editorial
A presidente Dilma Rousseff completa meio mandato com um balanço econômico assustador - dois anos de produção estagnada, investimento em queda, inflação longe da meta, exportação emperrada e contas públicas em deterioração. Desemprego baixo e um consumo ainda vigoroso são os dados positivos, mas insuficientes para garantir a reativação de uma indústria sem músculos para disputar espaço nos mercados. Sobram palavras: um discurso triunfal sobre um "novo modelo macroeconômico", baseado em juros mais baixos e câmbio menos valorizado, promessas de grandes obras de infraestrutura e de reformas de amplo alcance. De concreto, houve a redução dos juros, o que certamente contribuiu para o aumento da popularidade de Dilma. Um balanço provisório basta para mostrar o alto custo dos erros cometidos em dois anos pelos condutores da política econômica, liderados, é bom lembrar, por uma presidente voluntariosa.
O crescimento econômico deste ano está estimado em torno de um por cento por economistas do Banco Central (BC), do mercado financeiro e das consultorias mais importantes. Esse resultado seria ruim em qualquer circunstância, mas no caso brasileiro há uma circunstância especial. No ano anterior o Produto Interno Bruto (PIB) havia aumentado apenas 2,7%. O País perdeu o passo entre os emergentes de todo o mundo. Este detalhe é importante, porque desqualifica as tentativas de atribuir o mau desempenho brasileiro à crise global, ao tsunami monetário criado pelos bancos centrais do mundo rico e à má vontade dos deuses.
Os problemas são internos, todos fabricados no Brasil por uma política há muito tempo defeituosa e piorada pela teimosia do atual governo. Segundo o Tesouro, os investimentos do governo central foram de janeiro a novembro 22,8% maiores que os de um ano antes e atingiram R$ 54,9 bilhões. Mas isso equivale a pouco mais de 50% do total previsto no Orçamento. Além disso, o valor inclui os financiamentos do programa Minha Casa, Minha Vida e boa parte dos desembolsos foi de restos a pagar. Se depender da eficiência federal, continuarão faltando investimentos tanto para reativar a economia em 2013 quanto para garantir um crescimento mais vigoroso nos anos seguintes.
Tudo somado, o valor investido pelo setor privado, pela administração pública direta e pelas estatais deve ter ficado em torno de 18% do PIB. Em outros países latino-americanos a proporção ultrapassa 25% e nos emergentes da Ásia supera 35%. Além disso, é preciso levar em conta a qualidade dos projetos e a eficiência da execução. Não basta investir. Os alvos podem ser mal escolhidos e o dinheiro, desperdiçado. O histórico dos projetos federais, tanto da administração direta quanto das estatais, tem sido muito ruim há vários anos. Aparelhamento, loteamento de cargos, incompetência e corrupção têm custado muito caro.
A inflação alta contrasta com o baixo ritmo de atividade. Em outros países, tolera-se alguma alta de preços para garantir algum impulso à economia, e sempre por um tempo muito limitado. No Brasil, o governo vem mantendo há vários anos a meta de 4,5%, muito alta quando comparada com os padrões internacionais. Neste ano, o BC cortou juros e renunciou a combater o aumento de preços, em troca de um crescimento econômico humilhante para um Brics.
Os preços ao consumidor medidos pela Fundação Getúlio Vargas e incluídos no IGPM subiram 5,79% neste ano. De novembro para dezembro houve aceleração de aumentos em seis dos oito componentes do indicador. O IPCA, calculado pelo IBGE e usado como referência para a política oficial, aumentou 5,53% nos 12 meses terminados em novembro. A alta internacional dos preços agrícolas foi obviamente apenas uma parte dessa história.
A balança comercial refletiu a fraqueza da indústria diante dos competidores, o erro de uma política de estímulos voltada para o consumo e, naturalmente, a dependência excessiva das vendas de matérias-primas à China. Até novembro, o valor exportado foi 4,9% menor que o de um ano antes, pela média dos dias úteis, e o saldo comercial, 31,1% inferior ao de igual período de 2011. Os números finais do ano devem sair na quarta-feira e confirmarão, com certeza, o alto custo de vários erros políticos.
A Rússia de Pussy Riot, Tupac e Putin
Thomas L. Friedman - UOL                                 
Yekaterina Samutsevich, do Pussy Riot, fala com a imprensa na saída de um tribunal de Moscou após ser solta; outras duas integrantes do grupo continuam presas por fazer "prece punk" em catedral
Yekaterina Samutsevich, do Pussy Riot, fala com a imprensa na saída de um tribunal de Moscou após ser solta; outras duas integrantes do grupo continuam presas por fazer "prece punk" em catedral
Tenho visitado regularmente a Rússia de Vladimir Putin e, quando eu estava descrevendo o que mais me preocupava no país para um amigo especialista em política externa, ele me instou a ler a peça “Três Irmãs”, de Chekhov. É o conto da família Prozorov, cujas três irmãs educadas e cultas --Olga, Masha e Irina-- cresceram em Moscou, mas, por 11 anos, se viram abandonadas no campo. As irmãs falam sempre poeticamente sobre como vão voltar para Moscou (a Cidade Esmeralda), mas nunca conseguem, e seus sonhos se esvaecem.
Putin suscita as Três Irmãs em mim. Toda vez que venho aqui eu acho que a Rússia estará realmente mudando, deixando de ser uma nação que depende apenas do petróleo e com forte verniz autoritário para se tornar um país que decidiu investir em educação, em inovação e em seu capital humano. E disposto a ser parceiro do Ocidente.
Mas este dia nunca se materializa, e ultimamente eu comecei a andar para trás. Eu me pergunto se Putin --um presidente que depende de uma retórica contra o Ocidente para manter sua base política-- compreende o quão abertos os EUA seriam a uma parceria com a Rússia hoje, para trazer ordem ao Oriente Médio ou para servir como contrapeso à China, especialmente quando a União Europeia está tão fraca e os EUA tão voltados para questões internas.
Sim, a expansão da Otan foi um enorme erro e levou os EUA e Putin a começarem mal. Mas isso acabou. Desta vez foi Putin que se trancou, por sua própria política cínica, no modo da Guerra Fria. Sua alegoria anti-Ocidente soa bem no campo, que se tornou sua base política em uma época em que a classe média urbana em expansão está ressentida com seu governo autocrático perpétuo.
A Rússia seria muito mais influente como parceira dos EUA do que como patrocinadora do Irã ou da Síria. E sua economia seria muito mais resistente se Putin explorasse as aptidões de seu povo e liberasse sua criatividade, em vez de apenas explorar seus poços de gás e petróleo. Mas isso exige um ambiente político muito mais livre. Putin pode parecer um homem forte, mas suas políticas estão tornando a Rússia mais fraca. Ele precisa tomar cuidado. A boa notícia para os russos hoje é que eles podem partir. A má notícia para a Rússia é que eles partirão. 
O Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento terminou um estudo sobre a economia russa, divulgado pelo Bloomberg News. Segundo a matéria, a “Rússia, a maior exportadora de energia do mundo, está cada vez mais dependente de suas commodities e não está se preparando para a redução da produção de petróleo em 20 anos”.
A corrupção, a educação fraca, as barreiras à imigração e o domínio do Estado na economia, que prejudica a inovação privada, tudo isso inibe a diversificação. A dependência da energia é maior hoje do que em meados dos anos 90, quando representava menos da metade de todas as exportações… O investimento da Rússia para promover indústrias de alta tecnologia --75% do patrocínio para pesquisa e desenvolvimento é dinheiro público-- gerou apenas resultados limitados, disse o banco. As razões são óbvias. As pequenas empresas ou as iniciantes exigem forte proteção de direitos intelectuais, um judiciário independente e mercados financeiros confiáveis, e estes exigem instituições políticas sólidas com regular rotatividade no poder. Tudo aquilo que o governo Putin combate.
Estou errado em ser tão pessimista, diz Vladislav Y. Surkov, vice-primeiro-ministro de modernização. Estive no escritório de Surkov na Casa Branca russa há poucos dias. Na entrevista, foi impossível ignorar os dois cartazes em sua parede. Um mostrava o co-fundador do Google, Sergey Brin, e o outro, Vladimir Zworykin, que foi diretor da RCA Laboratories em Princeton nos anos 50 e foi um dos pioneiros da TV. “Então”, perguntei a Surkov, “por que esses dois estão na sua parede?”
“Quero transmitir aos visitantes a mensagem que a Rússia deu gênios ao mundo”, disse Surkov. “Suas invenções entraram em cada casa do planeta, e o fato de que essas pessoas, nossos irmãos e nosso sangue, conseguiram dar tais presentes ao mundo deveria encher nossos corações de fé de que a Rússia tem um futuro como potência inovadora”.
Surkov, que foi chamado de Machiavelli de Putin, é impressionante, e seus planos para estimular a inovação na Rússia pareceram reais para mim. Mas não consegui deixar de observar que as culturas inovadoras não tomam medidas como jogar a banda Pussy Riot na prisão por dois anos, por fazer uma “prece punk” em uma catedral. Isso envia uma mensagem ruim para todos aqueles que exercitam o pensamento livre. Surkov, que também tem um retrato do rapper americano Tupac Shakur atrás da sua mesa, retrucou.
“Tupac Shakur é um gênio, e o fato de ser preso não interrompeu seu motor criativo nem o desenvolvimento inovador dos Estados Unidos.” O Pussy Riot não é o Tupac Shakur, acrescentou. “Como sou ortodoxo, sinto muito pelas meninas do Pussy Riot, mas [a situação delas] não tem implicações para o desenvolvimento da inovação na Rússia”.
O Pussy Riot provavelmente não é o Tupac, mas os membros da banda eram iconoclastas que romperam o molde, apesar de terem usado uma forma ofensiva e arrogante. E não era isso que os críticos diziam de Steve Jobs?
Tradutor: Deborah Weinberg