domingo, 24 de março de 2013

A IGNORÂNCIA É UM POÇO SEM FUNDO

Marmota Phil erra previsão e promotor pede pena de morte
Phil prognosticou que a primavera chegaria antes, mas o que veio foi uma tempestade de neve; segundo promotor, moradores estão decepcionados
Ben Hughes e sua marmota participam da tradicional celebração do Groundhog Day na Pensilvânia, Estados Unidos. De acordo com a tradição, a marmota indicará o término ou prolongação do inverno
Todo dia 2 de fevereiro, Phil faz sua previsão na festa celebrada em Punxsutawney (Jeff Swensen/AFP)
Um promotor do estado de Ohio, nos Estados Unidos, disse ter apresentado "acusações formais" e pedido "pena de morte" para a marmota Punxsutawney Phil por anunciar "falsamente" uma primavera antecipada em fevereiro, já que o clima frio continua a predominar no país. Mike Gmoser, promotor do condado de Butler County, afirma que a marmota erra as previsões "de propósito", o que considera um crime grave "contra a paz e a dignidade de Ohio."
Todos os anos desde 1887, em 2 de fevereiro, é comemorado o Dia da Marmota, quando milhares de curiosos vão a Punxsutawney, no estado da Pensilvânia, para acompanhar a previsão do tempo feita por Phil. A famosa marmota sai de manhã de sua gaiola e, se não vir sua sombra, isso significa, segundo a tradição local, que o inverno terminará cedo nos Estados Unidos.
Neste ano, a previsão de Phil era de que a primavera chegaria antes. No entanto, a previsão foi seguida por uma tempestade de neve e recorde de baixas temperaturas, que devem continuar nos próximos dias. "Punxsutawney Phil o fez de propósito, e com o cálculo e a preparação prévia, para fazer as pessoas acreditarem que a primavera chegaria em breve", disse Gmoser no texto da acusação.
Aos risos, o promotor disse que decidiu apresentar acusações contra Phil após ouvir "muitos moradores" expressarem decepção após a previsão não se cumprir. Perguntado se a pena de morte não seria um exagero, Gmoser disse considerar que a marmota já vive como se estivesse presa perpetuamente. "Logo, qual outro castigo poderia ser aplicado a ela?", questionou.
Gmoser declarou que recebeu várias ligações de advogados que se ofereceram para representar Phil sem custo algum. No entanto, a boa notícia para a marmota é que o promotor de Ohio não tem jurisdição sobre o estado da Pensilvânia.
Imprecisão – Não é a primeira vez que Phil erra sua previsão. No ano passado, ele "previu" mais seis semanas de inverno, mas, segundo estatísticas oficiais, fevereiro teve temperaturas mais altas do que o normal para a época, e houve o mês de março mais quente das últimas décadas.

O Dia da Marmota ficou mundialmente famoso com o filme Feitiço do Tempo (1993), protagonizado por Bill Murray e Andie MacDowell.
Manifestantes voltam a ocupar Museu do Índio no Rio
Na sexta-feira, a desocupação do prédio, no Maracanã, terminou em tumulto
Wilson Tosta - O Estado de S.Paulo
O prédio do Museu do Índio, na rua das Palmeiras, em Botafogo, na zona sul do Rio, foi ocupado na madrugada deste domingo, 24, por cerca de 50 manifestantes, entre eles índios que não aceitaram a proposta do governo estadual de ir para um terreno em Jacarepaguá, depois que a Polícia Militar expulsou os últimos ocupantes do antigo prédio do Museu, no Maracanã, na sexta-feira. Os indígenas criticam as condições da área que lhes foi oferecida, no Curupaiti, uma ex-colônia para hansenianos, e também repudiam a hospedagem oferecida pela Prefeitura do Rio, no Hotel Acolhedor, destinado ao pernoite de população de rua. Os manifestantes, porém, aceitaram negociar e, por volta de 7h, começaram a desocupar o local e foram levados para sede da Justiça Federal, no Centro do Rio. Outra parte do grupo que ocupava o ex-Museu aceitou ficar no hotel até a mudança para Jacarepaguá, prevista para este domingo, mas também reclama da hospedagem - há, por exemplo, restrições de horário para entrar e sair.
Na sexta-feira, a desocupação do ex-Museu, no Maracanã, defendida pelo governo do Estado para fazer as obras de reforma do Maracanã antes da Copa de 2014, terminou em violência, com manifestantes agredidos por PMs que usaram bombas e gás de pimenta. Segundo o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), a ação policial foi desnecessária e excessiva, porque a maioria dos ocupantes já tinha deixado o prédio do ex-Museu e poucos índios faziam um ritual de despedida, antes de também sair. O porta-voz da PM, coronel Frederico Caldas, negou que tenham ocorrido excessos e disse que a PM invadiu o local para impedir que o imóvel fosse incendiado. O fogo em uma pequena oca localizada no terreno do ex-Museu, causado por uma fogueira que teria sido acesa para o ritual e que começava a atingir algumas árvores, porém, já fora apagado por bombeiros, que tinham acabado de sair, antes da invasão do Batalhão de Choque da Polícia Militar.
Ainda na sexta-feira, a violência causada pela desocupação continuou no Centro do Rio. Um grupo de manifestantes, que fora protestar nas escadarias da Assembleia Legislativa do Rio, no Centro, entraram em confronto com guardas municipais e PMs. As imagens, feitas por telefone celular e exibidas na Rede Globo mostram um GM dando cacetadas em um manifestante pelas costas e, em outras cena, vários guardas imobilizando um ativista, para espancá-lo. Um policial militar chega a intervir e ordenar aos GMs que cessem as agressões, pedindo calma. Um outra PM, porém, de cassetete na mão, é mostrada xingando um manifestante de "vagabundo". A GM-Rio, em nota, informou no sábado que vai investigar o que aconteceu, mas afirmou que a corporação foi recebida de forma "extremamente hostil" pelos manifestantes, que teriam agredido uma guarda e danificado um carro da Guarda.
Pivô dos conflitos e da polêmica, o complexo do Maracanã será concedido à iniciativa privada e o prédio do ex-Museu do Índio será preservado, uma exigência dos ocupantes, que estavam ali havia seis anos. Outra exigência - a instalação de um centro de referência e estudos da cultura indígena no local -, no entanto, não será atendida. O governador Sérgio Cabral Filho (PMDB) já anunciou que ali será um "Museu Olímpico", sem dar detalhes do projeto. As obras do complexo incluirão a demolição do Estádio Olímpico Célio de Barros e do Parque Aquático Julio Delamare, para construção de um estacionamento, e a transformação do novo estádio e seu entorno em um complexo de lazer, para apresentação também de shows musicais.
Lula leva diretor de empresa a viagem oficial
Em 2011, assessoria do ex-presidente pediu inclusão de executivo da Odebrecht em delegação brasileira para ir à África
Itamaraty estranhou pedido e solicitou informações; Dilma defende viagens de petista ao exterior
FERNANDO MELLO/FLÁVIA FOREQUE - FSP
Na única viagem internacional em que o ex-presidente Lula foi designado representante oficial do governo Dilma Rousseff, o petista pôs entre os membros da delegação um diretor da Odebrecht.
Como a Folha revelou anteontem, a relação de Lula com empreiteiras é próxima: elas pagaram quase a metade de suas viagens internacionais como ex-presidente.
O pedido para a inclusão do diretor da construtora na delegação foi feito em 2011, na viagem de Lula para Malabo, capital da Guiné Equatorial, para participar da Assembleia da União Africana.
Ele causou estranhamento no Itamaraty, que cobrou informações da assessoria do ex-presidente -que era chefe da delegação brasileira.
Lula já havia visitado a Guiné Equatorial como presidente em julho de 2010.
No país há quatro empresas brasileiras com grande atuação: ARG, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e OAS.
A Odebrecht entrou na Guiné Equatorial após a visita de Lula, sendo favorita para obras na parte continental, onde está sendo construída uma capital administrativa.
Em telegrama de 27 de junho de 2011, a embaixada brasileira em Malabo informou ter solicitado informações à assessoria de Lula sobre Alexandrino Alencar, que integraria a comitiva.
Alencar é diretor da Odebrecht e não estava na lista oficial enviada ao Itamaraty. Seu nome apareceu "em mensagem recente enviada a esta embaixada por aquela assessoria [de Lula]", informou Francisco Chaves do Nascimento Filho, encarregado de negócios da embaixada.
Hoje Alencar é o responsável pelo Desenvolvimento de Negócios da Odebrecht. A relação dele com Lula é antiga.
No livro "Mais Louco do Bando", Andrés Sanchez, ex-presidente do Corinthians, relata uma viagem em 2009 que Alencar fez a Brasília junto com Emílio Odebrecht, presidente do conselho de administração da empresa.
Na ocasião, diz o livro, Lula comentou que os representantes da Odebrecht "podiam dar uma mão" para o Corinthians construir seu estádio.
Em resposta, segundo Sanchez, Odebrecht prometeu tratar o assunto "com muito carinho". Hoje a empresa é a responsável pela obra.
ILAÇÃO
Dilma Rousseff saiu em defesa de Lula após a Folha revelar que quase metade de suas viagens ao exterior foi paga por empreiteiras desde que ele saiu do cargo.
"Eu me recuso a entrar nesse tipo de ilação sobre o presidente Lula. O presidente Lula tem o respeito de todos os Chefes de Estado da África e deu grande contribuição ao país nessa área."
A fala da presidente foi publicada ontem pelo "O Estado de S. Paulo" e confirmada pela assessoria do Planalto.

DÓRICAS

Antes e durante
DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo
Há a exigência de ficha limpa para candidatos, mas não há nos regimentos da Câmara e do Senado nada que diferencie um parlamentar do outro para a ocupação de postos importantes: presidências das casas, lideranças de bancadas, comando de comissões e conselhos. De onde as barbaridades prosperam sem que nada se possa fazer além de pressão que gera desgaste político e pode, ou não, levar a um recuo.
Investigações, denúncias e renúncias forçadas não impediram que Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves fossem eleitos presidentes do Senado e da Câmara.
Protestos e paralisação dos trabalhos da Comissão de Direitos Humanos reduzem as chances de o deputado Marco Feliciano continuar na presidência do colegiado, mas não garantem o desfecho.
Se o PMDB não quiser, nada impedirá o deputado Eduardo Cunha de seguir líder da bancada do partido, apesar de ser agora alvo de processo no Supremo Tribunal Federal (STF).
Assim como o PT não viu impedimento em indicar dois condenados à prisão pelo STF para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Do ponto de vista das regras internas, estão todos e mais alguns com contas abertas na Justiça dentro da legalidade.
E a legitimidade? Esta não conta como critério na escolha dos partidos para a distribuição de posições, embora pudesse passar a valer a partir de um acordo (de cavalheiros?) conduzido pelos presidentes das casas, que prometeram investir na recuperação da credibilidade do Parlamento.
A instituição de uma espécie de norma da ficha limpa para o exercício dos mandatos seria uma sugestão algo utópica. Criaria uma enorme confusão e levaria os preteridos a invocar o princípio do "respeito" aos votos que os levaram ao Congresso.
Situação anômala, verdade. Ocorre, porém, que anomalia maior é a que se estabelece hoje em um Poder Legislativo onde o cardinalato é composto de gente que antes era da turma do baixo clero, não tinha pretensões a comandos nem ocupava espaços de destaque.
Passavam despercebidos, e suas máculas não chegavam a contaminar de todo o ambiente. Hoje é diferente, esse pessoal manda. Isso determina que obedeçam a exigências mínimas de conduta e aconselharia o Congresso a levar em conta ao menos as aparências.
Linha auxiliar. A fusão de partidos ou a criação de uma nova legenda é uma preliminar importante para os planos eleitorais do governador Eduardo Campos. É a maneira segura de conseguir que parlamentares mudem de partido sem o risco de perderem os mandatos, numa repetição da fórmula que levou o PSD a ter mais de 50 deputados.
O problema é que os "grandes" articulam a aprovação de uma emenda constitucional para "fechar" a janela aberta pelo Supremo quando, na interpretação da regra da fidelidade partidária, decidiu que o troca-troca não gera punição se ocorrer por discordância doutrinária, fusão ou criação de nova legenda.
Preocupados em serem vítimas da possível sangria, pretendem impedir o acesso dos "novos" ao tempo de televisão e ao fundo partidário antes de passarem pelo crivo de uma eleição, como foi permitido ao PSD.
No paralelo. As viagens internacionais de Lula custeadas por empreiteiras são, segundo a assessoria do ex-presidente, um périplo em defesa dos "interesses do País".
Com a mesma justificativa, o Itamaraty distribuiu passaportes diplomáticos a quem não deveria, e com a mesma alegação secretários do governo Sérgio Cabral circulavam pela noite de Paris com guardanapos na cabeça.
A questão não são as atividades remuneradas de Lula, mas a "ponte" entre elas e a influência dele no governo.
Um passeio pelas ‘ruínas’ do Orkut, uma cidade fantasma
Que fim levou aquela que já foi a maior rede social do país e por onde andam alguns dos seus membros mais ativos
Hoje esvaziado, site vive onda nostálgica que reverencia suas hilárias comunidades em outros fóruns na internet
Maurício Cid, que criou 1.024 comunidades e agora tem blog “Não Salvo”, é um dos “órfãos”
Roberto Kaz - O Globo

João Mascarenhas foi dono da maior comunidade que existiu, a “Eu odeio acordar cedo”, com 6,1 milhões de usuários: vendeu-a em 2009, por R$ 4 mil.
Foto: O Globo / Camilla Maia
João Mascarenhas foi dono da maior comunidade que existiu, a “Eu odeio acordar cedo”, com 6,1 milhões de usuários: vendeu-a em 2009, por R$ 4 mil.O Globo / Camilla Maia
RIO — Uma das última vezes que escrevi uma frase no Orkut foi em abril de 2010. Eu tinha 28 anos, morava em São Paulo e acabara de aparecer, por acaso, no programa de Ana Maria Braga. Uma parente, que me vira na TV, escrevera na minha página da comunidade social: “Ninguém aparece na Ana Maria Braga para responder ‘pegadinhas’ impunemente!” Retruquei com uma piada (“Flagrado pela própria família!”), e fechei a página. Era 19 de abril de 2010. Desde então, meu perfil no Orkut tornou-se um moribundo virtual.
Criado em janeiro de 2004 pelo engenheiro turco Orkut Büyükkökten, de quem herdou o nome, o Orkut foi, por seis anos, a maior rede social da internet no Brasil — de onde vinha metade dos 70 milhões de usuários que chegou a ter. Em 2008, o Google — empresa que opera o Orkut — transferiu o controle do site da Califórnia para Belo Horizonte. A iniciativa, que visava fortalecer o site ainda mais no país, teve efeito limitado: dali a dois anos, o Orkut seria ultrapassado pelo Facebook (a rede social de Marck Zuckerberg, que congrega mais de um bilhão de usuários mundo afora). Em fevereiro deste ano, de acordo com estimativa feita a partir de cem mil computadores pela ComScore, consultoria que mede a audiência da internet, o Orkut teve 17 milhões de visitantes no Brasil. O número foi quatro vezes menor do que o registrado para o Facebook no mesmo período.
— Entrei pela última vez há quatro meses, e foi melancólico — lembra, por telefone, o jornalista Alexandre Inagaki, ex-curador de mídias sociais da Campus Party (maior feira de internet no Brasil). — As comunidades mais interessantes estavam paradas, minha página estava cheia de spams escabrosos. O Orkut virou um museu de grandes novidades.
Desde que há internet, há troca de mensagens. Desde que há troca de mensagens, há comunidades sociais. A primeira, Classmates, foi criada em 1995, para congregar estudantes de escolas e universidades americanas. Nos anos seguintes surgiram MirC, MySpace, LinkedIn, MSN (esse extinto pela Microsoft no ano passado, por falta de uso). Todas tiveram relativo sucesso no país, mas nada que se comparasse à hegemonia conquistada pelo Orkut.
Nascido numa empresa americana, o Orkut visava, inicialmente, o mercado americano. Em janeiro de 2004 — primeiro mês de funcionamento —, dos dez países com mais usuários, o Brasil ocupava a oitava colocação. Em abril daquele ano, já subira para terceiro, atrás dos Estados Unidos e do Japão. Dois meses depois, no dia 23 de junho, conquistou a primazia — posto do qual jamais seria retirado. Havia ali um traço da sociedade brasileira, mas também um acaso: em paralelo, outras redes sociais cresciam em outros países (Hi5 no México, Friendster na Malásia, Facebook nos Estados Unidos).
O Orkut surgiu de forma excludente: entrava-se na rede mediante convite. Da primeira leva de brasileiros a se aventurar, constavam a jornalista Cora Rónai e o antropólogo Hermano Vianna. O meu convite chegou em março de 2005, por intermédio de uma amiga. Nós tínhamos 23 anos, estávamos no segundo ano de Jornalismo, conversávamos muito pelo computador. No Orkut, há resquícios de mensagens nossas sobre um dente siso que ela tirara, sobre o quarto casamento de Roberto Justus e sobre a festa de uma amiga de quem éramos próximos, e com quem nunca mais falamos.
Para advogado, rede é um documento histórico sobre o Brasil
Estão marcados, no meu histórico, o dia em que consegui meu primeiro emprego (“Caracas!!!! Qual vai ser o seu horário???”, perguntou uma amiga), o dia em que sofri um acidente, que me deixou um mês acamado (“Vc tá melhor???? Fiquei sabendo”, escreveu minha prima), o dia em que entrei para uma comunidade de fãs do deputado Paulo Maluf (“Vou te espancar!”, bradou uma paulistana).
Está lá a primeira mensagem que recebi de uma moça que viria a ser minha namorada (“Você é capcioso”) e a última que ela escreveu antes de terminarmos (“Você está sendo irônico?”). Entre março de 2005 e agosto de 2011, 2.344 mensagens foram escritas por amigos no meu perfil. Elas formam um retrato do que eu fui (ou aparentei ser) naquele período — mas não só. Quando o foco é ampliado para todos os perfis, de todos os usuários que restaram, há, ali, um retrato do que foi uma parcela do Brasil naquele período.
— O Orkut é o documento mais importante de dado primário da década passada, tão importante quanto os processos judiciais — diz o advogado especializado em direito digital Ronaldo Lemos. — No futuro, pesquisadores que forem ao Orkut vão entender numa escala microscópica o que estava acontecendo no país naquele momento. Está tudo lá: moda, política, sem falar na inclusão social.
Diretor do Centro de Tecnologia e da Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Lemos defende que o conteúdo do Orkut deveria ser preservado pela Biblioteca Nacional ou pelo próprio Google (embora não tenha tido uma conversa formal com nenhuma das duas instituições). A ideia é calcada no exemplo da Library of Congress, a biblioteca do congresso americano que, desde 2010, compilou 170 bilhões de mensagens escritas no microblog Twitter, acreditando no valor histórico que possam vir a ter.
Ele diz não conhecer uma única pessoa que acesse o Orkut regularmente. Suas visitas à comunidade costumam ser melancólicas:
— Fico deprimido, sempre que entro, com as propagandas pedindo para eu me converter ao Google+ (rede social criada pela empresa americana em 2011, como tentativa de responder ao avanço do Facebook). O Google quer que todo mundo saia do Orkut.
Hoje, o usuário que tenta acessar o Orkut se depara com uma mensagem do próprio Google oferecendo um “upgrade de seu perfil”. Quem aceita tem todas as fotos e informações abduzidas pelo Google+. Quem ignora permanece, qual o último marinheiro a deixar o navio, na página do Orkut.
Procurado ao longo de uma semana, o Google respondeu com uma declaração genérica sobre a possibilidade de o Orkut ser extinto (a exemplo do que vai ocorrer com o aplicativo Google Reader em julho): “Construímos muitas integrações entre o Orkut e o Google+, incluindo a possibilidade de unificação de perfis e também de compartilhamento de posts entre eles.” Declarou ainda que não há planos de juntar as duas comunidades.
Moribundo, mas ainda valioso
De acordo Alex Banks, diretor-executivo da ComScore, usuários do Orkut entram na rede sete vezes ao mês (contra 44 do Facebook). Permanecem durante 40 minutos (contra 12 horas no Facebook). Dos remanescentes, 98,4% têm perfil na rede de Zuckerberg. Ainda assim, ele acredita que o Orkut não esteja condenado:
— O anunciante quer número de cliques, e 17 milhões de visitantes ainda é muita coisa.
Já Thiago Tavares, presidente da SaferNet Brasil, ONG que recebe denúncias de crimes na internet, é menos otimista: de 2005 a dezembro de 2012 (quando foi ultrapassado pelo Facebook), o Orkut foi o site mais denunciado por crimes de ódio, racismo ou pedofilia.
— O Orkut de fato já morreu, embora não esteja desativado — sugere. — Eu gosto da ideia de ele permanecer no ar como um museu, mas será que o Google estaria disposto a manter equipe e servidores funcionando em nome da memória brasileira? Torço para que sim, mas não acredito.
Num passeio pelo Orkut, hoje, vê-se que algumas comunidades que eram gigantes continuam gigantes. “Eu amo a minha mãe” ainda congrega 4,6 milhões de membros. “Eu amo o meu pai” tem 2,5 milhões. Comunidades que tratam de times e seriados ainda têm audiência relativa. Na última semana, 20 pessoas comentavam a conquista da Taça Guanabara no grupo “Botafogo de Futebol e Regatas”. No mesmo período, dezenas de fãs lembraram passagens de “Crepúsculo” numa comunidade sobre a saga.
Mas distante desses temas, a paisagem é diferente. A principal comunidade dedicada ao Papa Francisco I, no Facebook, tem 38 mil membros. No Orkut, apenas 111 fiéis homenageiam o novo pontífice. Das comunidades que tratam da tragédia ocorrida na boate Kiss, em Santa Maria, a maior do Facebook tem 7 mil membros. No Orkut, são meros 35.
— Até o ano passado eu ainda entrava no Orkut para ver a comunidade do Palmeiras — conta o publicitário Bruno Predolin, de 26 anos, que trabalha com mídias sociais num agência paulistana. — Hoje vejo no Face.
Autor de 715 comunidades (dentre as quais “Meu plano de fuga na infância”, “Stalingrado, mano?” e “Não vi Beatles, mas vi Molejo”), Predolin chegou a ganhar um valor (ainda que simbólico) com os grupos que inventou: de 2010 a 2011, o canal HBO lhe pagava R$ 500 mensais para ter o link anunciado em suas comunidades. O publicitário — então apenas um estudante universitário — ficou surpreso com a oferta:
— Eu não tinha pretensão de ganhar dinheiro. Quando comecei a criar as comunidades estava na escola; só queria canalizar minhas ideias.
Predolin entra no Orkut uma vez ao mês:
— A chance do site dar a volta por cima é zero — crava.
Gerente de uma agência de turismo no Shopping Downtown, na Barra, João Mascarenhas (ou João Holden, como era conhecido no Orkut) foi dono da maior comunidade que existiu: “Eu odeio acordar cedo”, com 6,1 milhões de usuários — que o transformou numa figura “pública” na rede. Havia agremiações formadas por aqueles que o admiravam (“Fãs do João Holden”), detestavam (“Eu odeio o João Holden”) e que gostariam de estar em seu lugar (“Tenho inveja do João Holden”).
— No mundo do Orkut fiquei conhecido, mas fora dele ninguém sabia quem eu era — lembra hoje, aos 34 anos.
Vendeu sua comunidade em 2009, por cerca de R$ 4 mil. Nunca mais entrou no grupo.
Dono do blog de humor “NãoSalvo”, Maurício Cid, de 27 anos, foi autor de 1.024 comunidades. Vez por outra, relembra o Orkut em seu blog. Em fevereiro, listou uma série de perfis de usuários sob o título “24 motivos para ter saudades do Orkut”. Considera-se um nostálgico:
— Na internet, cinco anos atrás já é antigo. Não uso o Orkut, mas respeito: ele foi o RG virtual do brasileiro, o caminho para as pessoas entrarem na internet. Infelizmente perdeu a batalha para os spams e vírus.
No Facebook, “Sdds Orkut”
Existe atualmente, no Facebook, uma série de comunidades que veneram o Orkut. A maior delas, “Sdds Orkut” (Saudades Orkut), tem 67 mil usuários, que costumam postar páginas com erros de português famosos no site que marcou a inclusão digital das classes mais populares (um garoto exaltando seu “peito oral”, uma menina reclamando da “cituasão”). A segunda maior, “Unidos pelo Orkut”, é descrita como uma página “em prol da melhor rede social de todos os tempos”. A terceira, “Comunidades do Orkut”, é onde cerca de dez mil pessoas relembram os grupos mais inventivos (“Mussum Mano”, “Mao Tsé-Tang”, “Anão vestido de palhaço mata oito” e tantos outros que ilustram a abertura desta reportagem).
— A graça das comunidades estava na descrição delas — lembra a carioca Camila Harpias, de 27 anos. — Lembro de uma minha que se chamava “Fica com Deus”. Na descrição escrevi: “Até fico, mas ele é gatinho?”
Formada em Biomedicina, Camila trabalha, há dois anos, numa agência que coordena estratégias em redes socais. O convite veio em função de sua página no microblog Twitter (que tem 81 mil seguidores) — que, por sua vez, fez sucesso em função do que ela aprendera no período de Orkut.
— O Orkut foi um bom termômetro para eu saber o que dava certo ou não — diz.
É um roteiro que lembra o vivido por Danilo Miranda, de 26 anos. Por conta do Orkut, ele criou um blog, por conta do blog, trabalhou numa agência, por conta da agência, abriu a sua própria, no Rio Grande do Sul. Hoje, lamenta que o Orkut só seja lembrado por “nostálgicos e humoristas”:
— O Orkut era um parque de diversões, e cada comunidade era um brinquedo. Atualmente me dá a sensação de uma festa que acabou, e está sobrando um monte de bêbados.
Dinheiro queimado
Pressa leva governo a gastar 30% a mais que o necessário em fogão para o Palácio da Alvorada
FERNANDA ODILLA - FSP
As habilidades culinárias de Dilma Rousseff já foram motivo de debate quando ela tentou preparar omeletes em programas de TV, como pré-candidata a presidente e no começo de seu mandato.
Agora, elas estão aparentemente na origem de um pequeno conto simbólico sobre os gastos públicos no Brasil.
Em dezembro passado, o gabinete de Dilma apresentou um pedido urgente: a compra de um fogão de quatro bocas para o Palácio da Alvorada, residência onde Dilma mora com a mãe e a tia.
A Presidência não explica exatamente onde o fogão foi instalado, mas supõe-se que não tenha sido na cozinha do Alvorada -que fica no subsolo do palácio, tem características industriais e já foi ocupada pela famosa chef Roberta Sudbrack na era FHC.
O processo de aquisição do fogão ganhou o carimbo de "urgente" e pedido de "menor prazo possível" para "atender as necessidades do gabinete pessoal da presidente". Conscientes da fama da chefe na hora de não ver ordens expressas cumpridas, os servidores levaram quatro dias para fazer a compra.
O efeito colateral ficou na conta do governo: o fogão custou R$ 2.500 numa loja de um centro comercial decadente do Distrito Federal, em média 30% a mais do que é cobrado nas quatro principais empresas de varejo de Brasília via internet e com frete.
Acompanhado de foto, o fogão foi especificado pelo gabinete presidencial: Electrolux Celebrate, quatro bocas, com timer, grill e forno duplo. Um modelo "resistente e bonito", diz o memorial.
O pedido da compra foi formalizado em 11 de dezembro do ano passado e a nota fiscal emitida em 14 de dezembro -a data de aniversário de Dilma, que festejou seus 65 anos numa viagem a Moscou.
A pressa também justificou a modalidade da compra. "Considerando a urgência da aquisição, formalizamos a dispensa de licitação", registra o processo. Amparada pela lei que dispensa a licitação de compras até R$ 8.000, a Presidência optou por uma consulta simples de preços sem, contudo, especificar no processo o critério para selecionar as empresas.
A consulta não é obrigatória, mas decreto assinado pelo então presidente Lula em 2005 sugere que, em caso de dispensa de licitação, seja usado o sistema de cotação eletrônica. Isso não foi feito.
MESMO GRUPO
No processo de compra constam propostas de três empresas de Brasília, que funcionam em locais onde dificilmente um consumidor procuraria produtos da linha branca. Duas fazem parte do mesmo grupo e cometeram um erro grosseiro em documento enviado à Presidência.
A vencedora Eletro Leonel ofereceu o fogão por R$ 2.500, e a Planalto Comercial, por R$ 2.700. Contudo, no ofício do Planalto, a introdução anuncia que se trata da "proposta de preços que faz a empresa Leonel", indicando não apenas o nome como o CNPJ da outra empresa do grupo.
A Presidência diz que foi feita pesquisa de preços para "dar maior competitividade ao certame e alçar proposta mais vantajosa à administração". De fato, o desperdício de dinheiro público na cozinha de Dilma poderia ter sido maior. A compra já estava autorizada com dispensa de licitação mesmo com uma só cotação -de R$ 2.854,34.
Por meio da Lei de Acesso à Informação, a Folha consultou o processo. No meio dele, um papel avulso com anotações a lápis dizia que o valor do fogão foi "elevado".
Sem identificação de quem as fez, as anotações apontam pesquisa feita em duas outras lojas com preços mais baixos. A Presidência não autorizou cópia desse papel avulso.
Além de informar que todas as demandas das residências oficiais "são tratadas em regime de urgência", a Presidência explicou a falta de propostas de lojas tradicionais que oferecem o fogão a preço menor dizendo que "o levantamento abrangeu empresas que tinham disponibilidade para entrega imediata".
Questionada por aceitar proposta de duas empresas do mesmo grupo, a Presidência alegou que "a cotação é feita junto às empresas sem que seja necessário o levantamento desta informação".
Antes de se irritar e desligar o telefone, Marcos Leonel, um dos donos da firma que vendeu o fogão, disse que a Leonel e a Planalto são do mesmo grupo. Questionado sobre as propostas com detalhes iguais, afirmou que pode ter sido "erro de timbre".
Querem fritar o embaixador
Elio Gaspari - FSP
Exposta, a gestão da EBX para tungar o estaleiro capixaba virou um simples 'ruído de comunicação'
Deve-se ao repórter Leandro Loyola a demonstração de que a gestão para que a empresa Jurong transferisse seu estaleiro do Espírito Santo para o porto do Açu, no Estado do Rio, não partiu da cabeça do embaixador do Brasil em Cingapura, Luis Fernando Serra, um diplomata com 40 anos de serviço.
A ideia de que o embaixador tivesse tomado essa iniciativa era meio girafa. Felizmente, de acordo com as normas do Itamaraty, ele estava documentado. Um mês antes da denúncia da maracutaia pelo governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, e pelo senador Ricardo Ferraço, o diplomata recebeu um e-mail e um telefonema do doutor Amaury Pires, diretor de Relações Institucionais da EBX de Eike Batista, para intermediar um encontro da empresa cingapurense com "um ministro" brasileiro, em Brasília.
Não deu outra: dois dias depois o ministro de Desenvolvimento, Fernando Pimentel, telefonou-lhe e, de acordo com a praxe, mandou-lhe um ofício solicitando seus "bons ofícios" para marcar o encontro.
No dia 6 de fevereiro, Amaury Pires explicitou num telefonema o interesse pela transferência do estaleiro. Ela convém à sua empresa, pois transfere encomendas e absorve um concorrente. Ferra o Espírito Santo, que perde um investimento de até R$ 500 milhões, capaz de gerar 5.000 empregos, mas quem manda não ter padrinhos?
O doutor Pires é um novato na EBX. Em 2010 e 2011, graças ao notável deputado Valdemar Costa Neto, foi diretor do Fundo da Marinha Mercante, que emprestou às empresas do grupo X R$ 1,5 bilhão dos R$ 7 bilhões que tem em suas arcas. Já o ministro Pimentel encrencou-se ao receber uma Bolsa Consultoria de R$ 1 milhão da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais.
Pimentel nega que tenha tratado da transferência do estaleiro para incorporá-lo, total ou parcialmente, ao porto do Açu. Segundo ele, discutiu apenas investimentos da empresa de Cingapura. Fica combinado assim, até porque a operação parece ter ido a pique. Um diretor da EBX estava na comitiva da Jurong durante a audiência com ele.
O embaixador fez o que devia. Atendeu a uma solicitação de uma empresa, respaldada formalmente por um ministro. Quando deu bolo, viu-se jogado às feras, como se estivesse traficando interesses. Exposto, o episódio virou um "ruído de comunicação". O ruído estava acima dele, muito acima.
Quando ruídos de outras orquestras acabam em CPI, o comissariado diz que caixa dois é apenas crime eleitoral.
A Europa Oriental ainda existe?
Anne Applebaum - Prospect
Regiane Teixeira/UOL

Trecho do Muro de Berlim transformado em galeria a céu aberto, em Berlim
Trecho do Muro de Berlim transformado em galeria a céu aberto, em Berlim
Em fevereiro de 2009, The Economist publicou uma charge que mostrava caricaturas de Angela Merkel, Nicolas Sarkozy e Gordon Brown, na época líderes da Alemanha, da França e da Inglaterra, respectivamente. Os três estavam sentados a uma mesa de jantar, com os rostos congelados numa expressão exagerada de horror. Todos estavam contemplando um projeto de lei gigante, no topo do qual estava escrito "para o resgate do leste europeu". O artigo que acompanhava a charge era intitulado "O projeto de lei que pode acabar com a Europa".
O leste europeu, advertia o artigo, havia sido danificado financeiramente e enfraquecido politicamente pela crise econômica. Os europeus do leste haviam "esbanjado, alimentados pelo investimento estrangeiro (e) o desejo de ter os padrões de vida ocidentais", e tinham "desperdiçado seus bilhões emprestados em explosões de construção e consumo". A Europa Oriental deveria pagar o preço da sua prodigalidade, entoou The Economist, mas a Europa Ocidental poderia muito bem ter de intervir: se Europa Oriental estava prestes a arder em chamas, então países ocidentais como a Irlanda e a Grécia também poderiam ser afetados.
O resto, como se costuma dizer, é história. A Europa Oriental não entrou em colapso, ou pelo menos não toda ela, ou não de uma só vez. Mas a Irlanda e a Grécia ruíram nas chamas da crise financeira, e a Espanha e a Itália quase foram junto. Mesmo agora, Portugal vive a incerteza e a Inglaterra provavelmente entrará numa recessão com o PIB em queda em três trimestres. Para ser franco, The Economist errou. Quatro anos depois do artigo de 2009, os países ricos ocidentais não estão sentados em torno de uma mesa de jantar metafórica distribuindo recursos para os seus primos pobres do leste. Em vez disso, eles estão implorando por restos para salvar a si mesmos.
Há uma série de conclusões que eu poderia tirar do fracasso previsível dessa charge. Claramente, o primeiro é: cuidado com as charges da The Economist, uma vez que logo ficarão desatualizadas. A segunda conclusão, entretanto, é que agora é o momento de deixar de lado todos os nossos preconceitos sobre a Europa e começar a pensar no continente de uma forma um pouco diferente. Após os acontecimentos dos últimos quatro anos, deveríamos jogar fora todos os estereótipos e suposições que já foram feitas sobre a geografia política da Europa. Oriente versus Ocidente, Norte versus Sul... nada disso de fato faz sentido em relação ao que está acontecendo.
A primeira e mais aguda crise econômica na Europa depois de 2008 não começou no leste, mas na Islândia. A mais profunda recessão não aconteceu no Sul tradicionalmente lento, mas na Irlanda. As dívidas ruins acumuladas por instituições financeiras britânicas excederam, em dezenas de milhares de milhões, a dívida governamental da Polônia e da República Tcheca juntas, dois países que não tinham nenhuma falência bancária nacional para se citar. Quando faliu, o governo da Letônia realizou um programa de austeridade, passou pela crise e agora está de volta a um crescimento de 5%. Os gregos, por outro lado, confrontados com a mesma perspectiva, se revoltaram, protestaram, tiveram de instituir um governo de unidade nacional e acabaram tendo sua política econômica ditada pela UE.
A Polônia não sofreu nenhuma recessão, e teve um crescimento acumulado de 20% desde 2008. Na verdade, em vez de arrastar a Europa para baixo, a metade oriental do continente é agora um dos principais contribuintes para o crescimento de toda a Europa. De fato, as exportações dos 15 países da "velha" Europa para os 10 países da "nova" Europa dobraram na última década.
Isso não quer dizer que tudo na Europa Oriental está indo bem. Mas a Europa Oriental não pode mais ser realmente descrita com uma única palavra como "bem", porque a Europa Oriental já não é uma entidade única.
Era uma vez, é claro, esse tempo. Quando corretamente aplicado, o termo "Europa Oriental" não é um termo geográfico, mas um termo político. É também uma expressão que pertence a um determinado período histórico. Propriamente falando, refere-se às nações que estavam, entre 1945 e 1989, dominadas pelo comunismo ao estilo soviético. Muitas vezes, também inclui as nações que faziam parte da União Soviética depois de 1917 ou 1918, pelo menos aquelas consideradas "europeias" e não asiáticas. De qualquer forma, essa não é uma região que sempre foi culturalmente ou etnicamente homogênea.
Entre 1945 e 1989, esse grupo de outra forma disparatado de nações europeias tinha muito em comum. Algumas das semelhanças eram superficiais: cartazes com martelos e foices, por exemplo. Mas outras semelhanças eram sérias. Todos os países tiveram que lidar com um legado de más decisões econômicas. A nacionalização da indústria e o planejamento central eram universais.
Mas, desde a queda do Muro de Berlim, as nações que estamos acostumados a chamar de Europa Oriental tomaram direções muito diferentes. O economista Anders Aslund escreveu, com precisão, que, apesar de alguns dos debates teóricos que aconteceram na época, na prática só havia de fato três caminhos econômicos que cada país poderia seguir após a dissolução da União Soviética. Eles poderiam, como os poloneses e os tchecos, escolher o caminho da reforma radical, levando ao capitalismo democrático liberal. Eles poderiam, como a Rússia e a Armênia, se tornar sociedades amigas do capitalismo, cujos empresários ganham dinheiro através de uma relação simbiótica com burocratas estatais corruptos. Ou poderiam, como o Turcomenistão e Belarus, restabelecer o despotismo do Estado.
Estes não são divisões claras, obviamente. A Romênia e a Bulgária começaram pela simpatia ao capitalismo, fizeram reformas mais liberais ao longo do tempo, mas agora estão enfrentando uma oposição real contra as elites corruptas que permanecem.
Meu ponto é que não havia, e não há, outra coisa. Não há um Estado da região que escolheu um caminho feliz entre o comunismo e o capitalismo, porque não existia tal caminho. Os países que tentaram uma transição mais "gradualista" simplesmente ficaram presos em mais corrupção.
Alguns dos sucessos e das falhas eram previsíveis ou haviam sido previstos. Em 1990, ninguém imaginou que a Estônia se tornaria um mini-tigre, ou que a Rússia seria governada por uma quadrilha de bilionários. Como ficou evidente, a história de um determinado país imediatamente antes da guerra não era necessariamente um bom indicador para o seu sucesso pós-1989. Nem era a religião, a geografia ou o tamanho do país.
Então, qual foi a fonte de sucesso e fracasso?
O fator mais importante foi a existência, ou ausência, de uma elite alternativa. E por elite alternativa, quero dizer um grupo maior de pessoas que tinham trabalhado juntas no passado, que haviam adotado um conjunto alternativo de valores e que, por volta de 1989 ou 1990, estava no mínimo um pouco preparado para o governo.
Na Polônia, a elite alternativa existia porque as memórias de um passado pré-comunista eram recentes o bastante para serem reais; por causa de uma tradição nacional de resistência, porque a economia polonesa estava tão cheia de buracos que o mercado negro (ou seja, os pequenos capitalistas) podiam operar livremente, porque as fronteiras estavam relativamente abertas para que esses empresários pudessem fazer comércio, porque essas fronteiras relativamente abertas significavam que as pessoas sabiam como a vida era vivida na metade ocidental da Europa, e assim por diante. Listas semelhantes poderiam ser feitas para a Hungria, Alemanha Oriental e Estônia.
Se a existência de uma elite alternativa era importante, no entanto, ainda mais importante era que esta elite alternativa tivesse um sentido claro de direção. E, no caso dos países da Europa Central, nunca houve qualquer dúvida sobre esta direção. Quando eu trabalhava como jornalista na região em 1989 e 1990, as pessoas me diziam todo o tempo: "nós queremos ser normais". E "normal" significava a Europa Ocidental: a democracia e ao capitalismo da Europa Ocidental, e os meios de comunicação da Europa Ocidental.
Outro ingrediente importante do sucesso era a falta de recursos naturais. Não estou me referindo apenas ao impacto negativo que o petróleo e o gás têm nas taxas de câmbio e empreendedorismo. Estou falando sobre o enorme impacto negativo que os recursos naturais têm sobre a vida política em democracias novas. Se não existirem de poços de petróleo a roubar, ninguém tentará manipular o sistema político para roubar mais facilmente.
Também foi muito importante o fato de que os governantes das novas democracias tinham pensado sobre o que queriam fazer antes de chegarem. Ao longo dos anos 80, os economistas poloneses, tchecos e húngaros fizeram reuniões informais para discutir como poderia ser possível, um dia, privatizar e descentralizar suas economias. Na época, todas essas conversas eram puramente teóricas. Mas quando esses economistas de repente tiveram a oportunidade de realizar seus planos, eles estavam prontos.
Quem teria pensado, em 1989, que a metade oriental da Europa sobreviveria a uma tempestade financeira melhor do que a metade ocidental?
E quem poderia imaginar que eu seria capaz de dizer que agora há mais lições que o Ocidente pode aprender com o Oriente do que vice-versa? Há alguns meses atrás, eu levantei este ponto numa conferência em Viena, para uma multidão que escutava incrédula, e disparou perguntas zombando de mim depois.
E não é de admirar: na Áustria, a noção de "Europa Oriental" vive numa espécie de preconceito. Quando os jornais usam a expressão "Leste Europeu", é geralmente código para dizer atrasado e possivelmente criminoso.
Esse tipo de preconceito torna mais difícil para que a metade ocidental do continente tire lições do que costumávamos chamar "o Leste". Mas também é estupidamente míope: na Europa, há vários países que conseguiram recuperar economias desastrosas, fugir das tentações da extrema direita e da extrema esquerda e que levaram a cabo importantes reformas estruturais e políticas durante períodos de tumulto político. Melhor ainda, um ou dois deles recentemente repetiram esse feito pela segunda vez, durante uma das piores crises bancárias internacionais na memória recente.
O mundo muda de formas estranhas, e uma das mais estranhas é a maneira em que este exato termo --"Europa Oriental"-- agora parece ter uma conotação completamente diferente quando usado em lugares como Tunísia ou Líbia. Estive no norte da África várias vezes desde a Primavera Árabe, e cada vez que vou para lá eu acho que as pessoas estão extremamente interessadas em mim --mas não porque eu sou norte-americano, ou porque sou jornalista. Elas estão interessadas em mim porque eu tenho uma conexão de longa data com a Polônia, um país que elas consideram como um modelo.
Será que a Europa Oriental tem ideias não só para a Europa Ocidental, mas também para outras partes do mundo, como o norte da África? As culturas do leste europeu e do norte da África não são semelhantes. Não há uma elite alternativa no norte da África, do tipo que existia na Polônia, e a maioria da população não acredita que "normal" signifique "Europa Ocidental." Embora houvesse dissidentes de vários tipos no Egito pré-revolucionário, eles foram amplamente reprimioas, exceto por aqueles em torno da mesquita e do campo de futebol. O resultado: a Irmandade Muçulmana foi o único "partido" político com qualquer capacidade de organização depois de 2011.
No entanto, a Irmandade não chega ao poder com quaisquer ideias claras sobre a economia do Egito. Não havia um equivalente político ou econômico aos economistas poloneses que estavam tramando o futuro pós-comunista na década de 1980 lá ou na Líbia. Em muitos Estados árabes, a oportunidade de começar a fazer mudanças só chegou em 2011 e a elite alternativa só agora está começando a se formar.
E ainda assim há paralelos entre o norte de África e a Europa Oriental que vale a pena explorar. Através de conversas, descobri que os tunisianos, egípcios e líbios estão extremamente interessados na experiência polonesa, embora não porque a história da Polônia lembre a sua própria. Eles estão interessados porque os problemas que enfrentam são muito semelhantes. Eis um exemplo: em 1990, jornalistas poloneses, como os seus colegas do norte da África, tiveram que criar jornais a partir do zero, privatizar a mídia estatal e escrever novas leis que regem as transmissões. As soluções que encontraram foram provavelmente muito diferentes daqueles que os líbios eventualmente encontrarão, mas os contornos dos vários problemas são os mesmos.
A experiência polonesa também é importante em outro sentido. A Inglaterra, França, Itália e, acima de tudo, os Estados Unidos, não são necessariamente as nações mais populares no Egito e na Tunísia. Nem todo mundo quer ouvir o que fazer dos amigos de seu ex-ditador, ou de seus antigos colonizadores. É muito mais palatável, e de fato muito mais relevante, seguir o conselho de um tcheco que já viveu uma revolução e testemunhou suas consequências.
Contra intuitivamente, as lições que a ex-Europa Oriental podem trazer para o norte da África são específicas, em vez de gerais. Os poloneses e os eslovacos não podem dizer aos egípcios o que é relevante, digamos, sobre o lugar da religião na política contemporânea. Sua experiência é útil não como teoria, mas como prática --vejam como foi que escrevemos nosso novo código comercial; vejam como foi que reformamos nossa força policial.
Mas antes que você possa aprender qualquer coisa, precisa estar disposto a ouvir --e isso leva a um paradoxo. Na maior parte do mundo, a transformação de países como a Polônia, Hungria, Eslováquia e Romênia ainda são consideradas sucessos milagrosos. Estas são conquistas que devem ser colocados no centro da política externa europeia. Neste momento de incerteza financeira, há uma ponta de esperança que a Europa pode oferecer para o resto do mundo.
Se isso não acontecer, e temo que não aconteça, é porque, na Europa, o termo "Leste Europeu" ainda está em uso, com todos os velhos preconceitos ligados a ele. Então, vamos confinar o termo à história. A Europa Oriental, no velho sentido, não existe mais.
(Anne Applebaum é titular da Cadeira de História e Assuntos Internacionais Philippe Roman na London School of Economics. Este artigo é baseado numa palestra patrocinada pela LSE Ideas. Ela também dirige um programa sobre transições globais no Instituto Legatum)
Tradutor: Eloise De Vylder
Obra do metrô vai produzir montanha de entulho na região metropolitana de Paris
Gilles Van Kote - Le Monde
25.out.2012 - Charles Platiau/Reuters


O equivalente a 5.000 – 7.000 piscinas olímpicas: esse é o volume de terra e entulho que as máquinas da futura obra do Grand Paris Express, o supermetrô da ilha de Île-de-France, cuja construção foi confirmada pelo governo no dia 6 de março, deverá extrair das entranhas da região entre 2015 e 2030. Ou seja, entre 15 e 20 milhões de metros cúbicos de resíduos inertes (que não sofrem modificações químicas, físicas ou biológicas com o tempo) e de terras contaminadas que irão se somar àqueles já produzidos pelo setor da construção civil.
A Île-de-France corre o risco de ficar sem soluções para se desfazer desse tipo de resíduo, que pode ser reciclado, reaproveitado ou enterrado em instalações de armazenamento de resíduos inertes (ISDI, na sigla em francês) ou em pedreiras que possuam autorização para isso. "Se não abrirem novas ISDIs até lá, as que existem hoje estarão lotadas em 2020", diz Anne-Sophie de Kerangal, responsável pela gestão de resíduos no conselho regional da Île-de-France.

"Caminhos de evacuação"

Na região parisiense, o setor da construção civil produz 32 milhões de toneladas de resíduos por ano. Os volumes extraídos para construir os 200 km de vias --em sua maior parte subterrâneas-- e as 72 estações do Grand Paris Express até 2030 deverão pesar entre 30 e 40 milhões de toneladas, segundo a Société du Grand Paris (SGP). Um total subestimado, segundo a associação Île-de-France Environnement, que o situaria na verdade entre 50 e 60 milhões de toneladas.
Do ponto de vista regulamentar, a responsabilidade da gestão de entulho cabe às empresas terceirizadas da obra. Mas, diante da dimensão do projeto, o mestre de obras que é a SGP não pode ignorar o assunto. A obra do anel viário A86, no oeste da Île-de-France, foi um precedente infeliz: por falta de um planejamento satisfatório, seus entulhos acabaram na forma de merlões (barragens de terra e de cascalho) que hoje recobrem a planície de Versalhes.
"Eles são chamados de merlões recheados: porcarias por dentro e terra boa por cima", lamenta Michel Riottot, presidente do Île-de-France Environnement. "De acordo com nossos cálculos, o entulho do Grand Paris Express representaria o equivalente a 200 km de merlões".
Não foi a opção escolhida pela SGP. Seu plano diretor de evacuação dos entulhos, em processo de finalização, privilegia o tratamento de terras contaminadas no local, a reciclagem e o reaproveitamento dos entulhos em outros projetos, bem como o transporte por via fluvial dos resíduos inertes para ISDIs ou pedreiras que poderão se situar fora da Île-de-France.
"Nosso objetivo é antecipar ao máximo essa questão muitas vezes negligenciada a fim de minimizar os incômodos para os moradores e ter condições de trabalhar desde o início com os representantes nos caminhos de evacuação", afirma Florence Castel, diretora de engenharia ambiental na SGP. "Nós fizemos já em 2010 um inventário das instalações de tratamento e de armazenamento que possam receber nosso entulho na Île-de-France, mas também em suas fronteiras".
Os 5 a 6 milhões de metros cúbicos de entulho que deverão ser produzidos a partir de 2015 pela construção do trecho do Grand Paris Express que liga as estações de Pont-de-Sèvres (Hauts-de-Seine) e de Noisy-Champs (Seine-Saint-Denis) serão em parte evacuados por duas plataformas de transbordamento fluvial situadas no Sena, em Sèvres e em Vitry-sur-Seine (Val-de-Marne).
Esses entulhos poderiam ir para as pedreiras situadas em Yvelines e em Seine-Maritime, mas também servir de dique no caso de uma possível construção de um lago-reservatório destinado a proteger a região parisiense de cheias em La Bassée (Seine-et-Marne). De 700 mil a 800 mil metros cúbicos de entulho seriam necessários para esse projeto, que poderá ser realizado até o fim desta década.

Grande impacto

Segundo Florence Castel, a antecipação deverá permitir que sejam otimizados os custos de gestão dos entulhos, mas também que seja atendida a preocupação da região em assegurar um reequilíbrio territorial. Seine-et-Marne de fato absorve hoje 65% dos resíduos do setor de construção civil na Île-de-France e recebe metade das 20 ISDIs da região. Uma situação que levou uma dezena de representantes do departamento a denunciarem, no início de março, a falta de solidariedade das outras administrações.
"O Grand Paris Express deve ser uma alavanca desse reequilíbrio com um tratamento mais local possível, assim como ele deve permitir que seja desenvolvida a reciclagem dos resíduos de construção civil na região", afirma Geneviève Wortham, vereadora (Partido Socialista) do departamento de Seine-et-Marne.
A Autoridade Ambiental lembrava em outubro de 2012 que o tratamento dos entulhos seria "um dos grandes impactos" do Grand Paris Express.
Tradutor: Lana Lim
'Rubicão' da imprensa britânica
O Estado de S.Paulo
Um acordo entre os principais partidos da Grã-Bretanha abriu caminho para a instituição de um código de conduta que imporá pesadas sanções a jornais que cometerem abusos. As maiores associações de imprensa do país reagiram com preocupação. Elas concordam que o atual sistema de autorregulamentação requer melhorias e defendem que a irresponsabilidade jornalística deve ser castigada com rigor, mas não aceitam que essa punição seja imposta por uma entidade vinculada, ainda que apenas parcialmente, ao Estado. Para o jornal The Telegraph, "os parlamentares cruzaram o Rubicão da regulamentação da imprensa", isto é, avalizaram o restabelecimento da normatização estatal dos jornais após 318 anos de total autonomia.
Essa regulamentação é resultado do escândalo causado pelo jornal News of the World, do magnata Rupert Murdoch. Em julho de 2011, a publicação foi fechada, depois de 138 anos de existência, diante da revelação de que seus jornalistas e sua direção estavam envolvidos na violação do sigilo telefônico de artistas, políticos e integrantes da família real, entre outras pessoas. O número de vítimas da sanha desse jornalismo de esgoto chegou às centenas, inclusive uma menina de 13 anos, Milly Dowler, que havia sido sequestrada e assassinada. O jornal grampeou o celular de Milly e chegou a apagar mensagens do aparelho, dando a impressão, para a família e para a polícia, de que ela ainda estava viva, prolongando o drama para vender mais alguns milhões de exemplares do News of the World.
Fechado o jornal por decisão de Murdoch, foi instaurado um inquérito, a pedido do governo, cujas conclusões deveriam servir para encontrar mecanismos mais eficientes para conter o sensacionalismo dos tabloides. O relatório final recomendou o estabelecimento de um organismo independente dos jornais para fiscalizá-los, uma vez que, na opinião de representantes de vítimas da imprensa irresponsável, o atual sistema é totalmente falho.
Movidos pelo clamor popular, que não costuma ser bom conselheiro, os principais partidos acertaram então a criação de uma entidade que, uma vez oficializada, terá poder de aplicar multas de até 1 milhão de libras, cerca de R$ 3 milhões, e de mandar publicar retratações com destaque. Os jornais não serão obrigados a aderir ao sistema, mas os que ficarem de fora sofrerão penas ainda mais severas.
A regulamentação não se dará na forma de lei comum, mas de uma Carta Real, por meio da qual a rainha autoriza a abertura de novas instituições. Para alterar esse estatuto, é necessário o apoio de dois terços do Parlamento. Segundo os defensores do novo regime, tal cláusula dificultará a adoção de emendas que, no futuro, possam tornar ainda mais rígida a regulamentação da imprensa.
Essas garantias não bastaram para tranquilizar as empresas de comunicação, para as quais o novo código, se aprovado, dará às autoridades instrumentos para prejudicar jornais que julguem inconvenientes.
A Newspaper Society, que representa 1.100 jornais, disse que as multas milionárias serão um "fardo pesado demais" para muitos veículos e que "uma imprensa não pode ser livre se tiver de prestar contas a um órgão regulador reconhecido pelo Estado". A Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) seguiu a mesma linha: "Uma entidade reguladora estabelecida pelo governo, não importa quão independente seja, ameaça a liberdade de expressão". Para a OSCE, o caso do News of the World deveria ser tratado como uma questão criminal, e não como desculpa para constranger toda a imprensa.
No século 18, os libelistas que expuseram os podres da corte francesa às vésperas da revolução e que, por essa razão, foram perseguidos em seu país, encontraram total liberdade de atuação justamente na Inglaterra - onde, desde 1695, não havia nenhum empecilho ao trabalho da imprensa. Não fosse isso, talvez a realeza francesa tivesse preservado a cabeça. No resto do mundo, os políticos e as autoridades que têm algo a esconder nunca gostaram da imprensa livre e sempre procuram meios para combatê-la. Esse "costume", infelizmente, parece ter chegado à Grã-Bretanha.
Bolívia anuncia processo contra Chile em Haia para ter acesso ao mar
Evo Morales sublinhou que a falta de saída ao mar é uma condenação perpétua que "estrangula" a economia boliviana
Marina Terra - OM

O presidente da Bolívia, Evo Morales, anunciou neste sábado (23/03) que "nos próximos dias" o país irá apresentar na Corte Internacional de Haia um processo contra o Chile para buscar uma restituição da saída soberana ao mar, perdida em uma guerra há 134 anos. O presidente chileno, Sebastían Piñera, respondeu que o "Chile e seu povo defenderão com toda a força da união nacional, a história e a verdade seu território, seu mar, seu céu e também sua soberania".
Efe

Evo Morales discursa em La Paz: "unidos com trabalho e esforço, com segurança, em breve voltaremos a ter acesso ao mar"
"Decidi que nos próximos dias uma comissão viajará a Haia para apresentar um processo para retornar ao mar com soberania", disse Morales em seu discurso para lembrar a invasão do território litorâneo boliviano em 1879 e comemorar o Dia do Mar. "Com a força da razão e com o calor da união do povo boliviano, faremos valer perante o mundo nosso direito a ter um acesso soberano ao mar", acrescentou.
O presidente explicou que a Bolívia, após fazer uma consideração "vigorosa e prudente da situação", decidiu iniciar as ações legais no tribunal internacional para resolver a situação com o Chile de forma pacífica. Segundo Morales, a Assembleia Legislativa boliviana deve aprovar nesta semana uma lei para ratificar a integridade do Pacto de Bogotá de 1948, que reconhece a jurisdição da Corte de Haia, para definir o processo que será apresentado.
O presidente criticou, ainda, que o Chile tenha se negado a dialogar sobre o tema. "Ao ignorar a reivindicação do povo boliviano, o Chile lhe nega a paz, a solidariedade e a irmandade e nega a integração latino-americana e destrói o sonho dos povos de viver em paz e harmonia, compartilhando benefícios mútuos", disse Morales. "Povo boliviano, quero que me acompanhe. Unidos com trabalho e esforço, com segurança, em breve voltaremos a ter acesso ao mar", concluiu o presidente.
A Bolívia, aliada ao Peru, entrou em guerra contra o Chile no final do século XIX, depois que tropas chilenas ocuparam o território litorâneo boliviano em seu departamento Litoral. A guerra do Pacífico custou à Bolívia 400 quilômetros de costa e 120 mil quilômetros quadrados de superfície.
Reação
No Chile, o candidato de Piñera para a próxima eleição presidencial, Laurence Golborne, repudiou o anúncio feito pela Bolívia e disse que a integridade territorial do Chile "não se toca, deve ser respeitada e defendida", complementando que o tratado de 1904 "estabeleceu os limites com nosso país vizinho", além de "condições através das quais o Chile entrega uma série de benefícios para que eles possam ter acesso a seus produtos".
Efe (17/03/2013)

Morales acusou Piñera de "ignorar a reivindicação do povo boliviano" sobre tema da saída para o mar, perdida em guerra há 134 anos
Já o candidato da Renovação Nacional Andrés Allamand disse que o Chile "não deve efetuas concessões de território à Bolívia", e qualificou o discurso de Morales como "ofensivo e desqualificativo". A eleição chilena acontece em 17 de novembro desse ano.
Economia
Morales sublinhou que a falta de saída ao mar é uma condenação perpétua que "estrangula" a economia boliviana. O chefe de Estado afirmou que a "invasão" chilena representou uma perda territorial para a Bolívia de mais de 120 mil quilômetros quadrados e 400 quilômetros de costa, além dos recursos naturais nesses espaços.
"Após tomar nosso litoral, o Chile aproveitou as riquezas de adubo, salitre e enxofre. posteriormente, extraiu o cobre das jazidas de Chuquicamata, origem do desenvolvimento econômico chileno", completou. Morales lembrou que "um presidente chileno mencionava que o cobre é o salário do Chile", em referência aos recursos gerados pela CODELCO (Corporação Nacional do Cobre), de 7,3 bilhões de dólares em 2011, o que significa que "em um só ano, o cobre boliviano rende ao Chile sete bilhões", reclamou.
Em troca da apropriação dos recursos naturais, Morales afirmou que o Chile concedeu ao país um regime de livre trânsito "falso e descumprido". Segundo ele, entre 1996 e 2000, os custos de transporte da Bolivia foram cerca de 66% superiores em comparação com o dos países-membro do Mercosul com litoral marítimo e 140% superiores ao dos Estados Unidos, citando estudo da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) de 2003.
* Com informações da ABI (Agência Boliviana de Informação), La Tercera.cl e Agência Efe
Hollande precisa se concentrar no essencial: crescimento e emprego
Thomas Wieder - Le Monde
12.jan.2013 - Lionel Bonaventure/AFP

O presidente da França, François Hollande
O presidente da França, François Hollande
É comum ouvirmos, inclusive de certos ministros, que a crescente impopularidade de François Hollande se deve a seu excessivo silêncio. A explicação é, ao mesmo tempo, insuficiente e inexata. Insuficiente porque negligencia um ponto essencial: o fato de que uma parte crescente de seus eleitores desaprova uma política que considera afastada demais das promessas de campanha. Inexata, pois o chefe do Estado, na verdade, fala muito. O que não quer dizer --e provavelmente esse é seu verdadeiro problema-- que ele seja suficientemente ouvido.
Consideremos a semana que passou: no espaço de oito dias, Hollande falou oito vezes: três discursos em Dijon, na segunda e na terça-feira (11 e 12); duas coletivas de imprensa paralelamente ao conselho europeu de Bruxelas, na quinta-feira (14); um discurso em Bordeaux, no sábado (16), durante a inauguração da ponte Jacques-Chaban-Delmas; um outro no dia seguinte, em Toulouse, em homenagem às vítimas de Mohamed Merah; por fim, uma breve fala na segunda-feira (18), no palácio do Eliseu, para celebrar a venda de 234 Airbus à companhia indonésia Lion Air.
Esses discursos, somados aos comunicados assinados por François Hollande e enviados todos os dias por sua assessoria de imprensa, desmentem a ideia de que os pronunciamentos presidenciais sejam raros. Pelo contrário: são abundantes, correm em fluxo quase contínuo, abordam todos os assuntos e, às vezes, passam a impressão de dispersão. Na verdade, tudo acontece como se o chefe do Estado, ao querer falar sobre muitas coisas, corresse o risco de não ser ouvido em nada.
Em sua defesa, é preciso reconhecer que é uma questão difícil. As instituições da Quinta República, através do papel que conferem ao presidente, fazem com que suas falas sejam mais esperadas que as de qualquer outro membro do Executivo. Só que essa expectativa foi duplamente reforçada nesses dez últimos anos: primeiro pelo fato de que o mandato passou de 7 para 5 anos, o que deslocou do primeiro-ministro para o presidente o centro de gravidade da política do país; segundo, por causa da maneira como Nicolas Sarkozy exerceu o poder, falando de tudo o tempo todo.

Armadilha?

No início de seu mandato, Hollande pensou que podia escapar desse processo. Ele logo constatou que não conseguiria. Primeiro porque os franceses estão tão acostumados a ouvir seu presidente que, agora, consideram qualquer silêncio prolongado de sua parte como uma ausência. Segundo porque Jean-Marc Ayrault, que o chefe do Estado gostaria que falasse mais, praticamente não exerce nenhuma função oratória. Então o presidente decidiu ocupar o primeiro plano com mais frequência do que havia imaginado.
Mas, ao fazer isso, ele não teria caído em uma armadilha? Sua viagem recente a Dijon pode sugerir isso. Na tarde do primeiro dia, o discurso que ele fez no hall de uma empresa de biotecnologia foi breve demais e geral demais para reter as atenções. Por não ter havido nenhum anúncio da parte do presidente, logicamente foram os incidentes que marcaram sua visita a um bairro popular naquele dia que ocuparam as manchetes dos jornais.
No dia seguinte, seu discurso sobre os "bloqueios" da sociedade francesa, ainda que mais inovador, tampouco teve a repercussão que merecia. Dessa vez nada fora feito para destacá-lo, a bem dizer. Na noite da véspera, a comitiva do presidente havia minimizado a importância disso junto aos jornalistas. No mesmo dia, ao decidir pronunciar um segundo discurso, dessa vez sobre a descentralização, o presidente assumiu sozinho o risco de ver suas declarações da manhã sendo rapidamente esquecidas. Ainda mais em um universo midiático como o de hoje, dominado pelos canais e sites de notícias alimentados continuamente, onde qualquer nova informação expulsa quase que automaticamente a anterior.
Ainda que não o quisesse no início, François Hollande teve então de resolver ser mais falante que De Gaulle, Mitterrand ou Chirac. Mas nada o obriga, assim como seu antecessor, a falar tudo o tempo todo, o que para ele seria a melhor forma de tirar o valor de suas palavras.
Condenado a se manifestar, o chefe do Estado na verdade precisa tomar cuidado para não se dispersar e, pelo contrário, se concentrar no que é essencial hoje: sua estratégia para retomar o crescimento, diminuir o desemprego e reerguer o país. É somente insistindo nessa mensagem, inserindo-a num contexto que ele pode esperar refazer com os franceses o laço de confiança que se desintegrou ao longo dos meses.
Tradutor: Lana Lim

Burg Thurant, Germany (by destinatio)

sábado, 23 de março de 2013

KISS - HEAVEN'S ON FIRE



Via rht
Crise no porto afeta exportação de soja
Atraso de navios é motivo para cancelamento de contratos por compradores, que querem aproveitar queda de preço
Maior negociador chinês fala em desistir de compra de 2 milhões de toneladas, equivalente a 5% de todas as exportações desta safra
TATIANA FREITAS - FSP
O atraso nos embarques de soja, que provoca filas de caminhões nas rodovias de acesso aos principais portos do país, já afeta as exportações de um dos principais produtos da pauta brasileira.
Ontem, o grupo Sunrise, maior comercializador chinês de soja, informou que irá cancelar a compra de cerca de 2 milhões de toneladas da oleaginosa do Brasil devido a atrasos no recebimento, segundo a agência Reuters.
O volume é maior do que toda a soja exportada pelo Brasil em março -até a semana passada, foi embarcado 1,8 milhão de toneladas do grão- e equivale a 5% do total que o país deve exportar nesta safra, segundo estimativa da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).
O gerente responsável pela divisão de soja da Sunrise, Shao Guori, disse à Reuters que a empresa planeja cancelar de 10 a 12 navios panamax que deveriam ter sido enviados entre janeiro e fevereiro, pois apenas dois chegaram ao país até o momento.
"Nós não receberemos essas cargas. É um default [descumprimento de contrato] não embarcar no prazo."
A Sunrise, que é responsável por mais de 10% das importações de soja da China, planeja também cancelar outras 23 cargas com embarque previsto entre abril e junho.
A Anec (Associação Nacional de Exportadores de Cereais) não tem notícia de quebra de contratos. "Apenas de postergações", afirma o presidente Sérgio Mendes.
Apesar de também não ter informações sobre o cancelamento, Ricardo Tomczyk, vice-presidente da Aprosoja (Associação de Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso), diz que a situação é "muito preocupante". "Se o cancelamento de fato ocorreu, deve-se a um atraso muito grande nos embarques", afirma.
No porto de Paranaguá (PR), navios chegam a esperar 60 dias para receber a soja, segundo Liones Severo, consultor e negociador de soja voltado ao mercado chinês.
OPORTUNIDADE
Para especialistas, o grupo chinês aproveita os gargalos logísticos do Brasil para pagar menos pela soja.
Os preços internacionais estão em queda por causa do aumento da oferta, com o avanço da colheita da safra recorde na América do Sul.
Desde a semana passada, as cotações da soja na Bolsa de Chicago caíram 7%.
"É muito provável que o grupo chinês use o mecanismo de cancelamento de contrato para ganhar com a diferença nos preços", diz João Carlos Kopp, da JC.Kopp Consult, especializada em soja.
A estratégia já foi utilizada pelo maior importador de soja do mundo no passado, inclusive em outros mercados.
"Ao mudar o preço da soja US$ 15 para US$ 14 o bushel [27,2 quilos], os chineses economizam o equivalente a US$ 2,7 milhões em um navio com 60 mil toneladas", calcula.
Ontem, o bushel de soja valia US$ 14,07 em Chicago.
Os caminhões e o agronegócio
A nova lei de jornada dos caminhoneiros vai elevar os custos de transporte do agronegócio em até 40%
Kátia Abreu - FSP
Estamos em plena safra de grãos, colhendo nossa maior produção de todos os tempos. É um tempo de alegria, mas também de aflições.
Nossas estradas, ferrovias e portos não suportam a pressão da nossa grande agricultura, e o que se tornou notícia frequente na mídia não é o sucesso das fazendas, mas os congestionamentos em estradas, pátios e portos.
Tudo isso gera custos adicionais e absorve boa parte da renda que beneficiaria os produtores. Mas também causa transtornos à população e ainda aumenta os custos de outras atividades produtivas que competem pela mesma logística.
O que torna tudo mais difícil é que nossa produção agrícola é refém das rodovias e dos caminhões, pois as ferrovias transportam apenas um terço das cargas, e as hidrovias, não mais que 10%.
E é isso que assegura a maior competitividade dos Estados Unidos, nosso maior concorrente no mercado global. Lá predomina, amplamente, o transporte pela bacia do Mississippi e pela imensa malha ferroviária.
Falar de nossas estradas é repetir uma velha ladainha. As pessoas nem prestam mais atenção. Parece uma antiga maldição da qual não nos livraremos nunca. E a culpa é de todos os governos. Talvez fosse justo excluir tão somente o governo JK.
Hoje, o programa de concessões anunciado pelo governo nos renova a esperança e o otimismo. Mas ao velho problema das rodovias soma-se nova agravante. Foi sancionada em 30 de abril de 2012 uma lei que leva o nome de "Estatuto do Motorista Profissional" e que regulamenta as condições de trabalho dos motoristas de caminhão.
O estatuto estabelece limites para a jornada de trabalho, determina a obrigatoriedade de interrupção para descanso a cada quatro horas e um intervalo de 11 horas a cada 24 horas de trabalho, além de outras regras para assegurar um limite humano e civilizado à dura tarefa de transportar cargas por esse imenso e desigual país.
Ninguém em seu juízo perfeito poderia se opor a essas condições, muito menos contestar sua oportunidade.
A trágica crônica de nossas estradas está repleta de estatísticas sobre acidentes causados por caminhões e seus condutores, em decorrência de jornadas acima da capacidade física e mental dos motoristas, sem falar dos relatos de uso de medicamentos para iludir o sono e o cansaço diante das pressões para cumprir horários impossíveis. Isso precisa, claramente, mudar.
Nós temos uma velha crença de que as leis, uma vez escritas, são capazes de mudar o mundo e resolver problemas, preferindo esquecer que as realidades são mais complexas.
Por isso não foi surpresa que uma lei feita para beneficiar os trabalhadores tenha sido violentamente contestada por eles.
Motoristas se mobilizaram e fecharam as principais rodovias do país, pedindo o adiamento de sua implantação.
A implantação imediata da lei -que é justa e necessária- pegou de surpresa o agronegócio. Isso porque o custo do frete rodoviário é um item relevante da sua estrutura de custos.
Fizemos um levantamento do impacto dos custos adicionais acarretados pela lei em algumas das nossas cadeias mais sensíveis ao custo de transporte. No caso dos grãos, a estimativa é que os custos de transporte vão se elevar entre 30% e 40%.
Nas cadeias das diferentes carnes, prevê-se uma elevação entre 20% e 30%. Para as frutas, o impacto será de no mínimo 30%.
Para que a lei beneficie efetivamente os motoristas, e grande parte deles trabalha por conta própria, o prudente seria estabelecer um cronograma mais dilatado de implantação. Aí, sim, haveria tempo para que fossem construídos os postos de descanso nas rodovias e para que fossem formados muito mais condutores.
Com o novo regime, a mão de obra atual é, sem dúvida, insuficiente.
E serão necessários muito mais caminhões, posto que os tempos de percurso vão aumentar e o número de viagens por mês será reduzido. Da noite para o dia, tudo isso não se fará.
A paciência é uma grande virtude, principalmente para legisladores e reformistas. Afinal, as leis são feitas para vigorar na terra, e não no cenário perfeito do céu.
KÁTIA ABREU, 51, senadora (PSD/TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), escreve aos sábados nesta coluna.