quinta-feira, 21 de julho de 2016

Israelenses contam aos franceses sobre como é possível conviver com o terrorismo
Isabel Kershner e James Glanz  - NYT
Uriel Sinai/The New York Times
Soldado israelense observa bairro palestino em Jerusalém OrientalSoldado israelense observa bairro palestino em Jerusalém Oriental
Para muitos israelenses, as horríveis imagens de um caminhão atropelando uma multidão por mais de um quilômetro e meio na cidade litorânea francesa de Nice trouxeram lembranças macabramente familiares. 
"Nós tínhamos tratores", disse Ami Zini, que dirige uma butique na rua de comércio do bairro arborizado de Colônia Alemã, em Jerusalém. "Um deles virou um ônibus." 
Ele se referia a um ataque em 2014, por um morador palestino da cidade, que matou um pedestre israelense. Nice foi um eco ainda mais direto e bem mais mortífero de um ataque em 2011, no qual o caminhão de um homem árabe-israelense invadiu uma rua de Tel Aviv por cerca de um quilômetro e meio, matando uma pessoa e ferindo 17. 
Esses ataques ocorreram após uma série envolvendo o uso de veículos pesados de construção e carros como armas em 2008. E desde outubro, segundo o Shin Bet, a agência de segurança doméstica de Israel, pelo menos 32 palestinos jogaram  veículos contra pessoas em pontos de ônibus, cruzamentos e postos de controle militares. 
O primeiro-ministro francês disse após o ataque em Nice, o terceiro atentado em massa em 18 meses no país, que a França "terá que conviver com o terrorismo". É isso o que os israelenses fazem há décadas, passando pelos sequestros de aviões nos anos 70, homens-bomba palestinos na segunda intifada, ou levante palestino, que teve início em 2000; e os esfaqueamentos e tiroteios por lobos solitários nos últimos 10 meses.
Em Israel, cidadãos comuns, autoridades de segurança e especialistas sentem que já viram de tudo e dizem que precisam se adaptar à ameaça perene que muda constantemente. Eles falam em permanecer constantemente alertas, exercer cautela e se acostumar ao que alguns considerariam níveis intrusivos de segurança, mas em basicamente seguir em frente com suas vidas. 
"Às vezes ficávamos com medo de parar nossos carros ao lado de um ônibus no sinal vermelho", lembrou Zini, cuja loja de roupas se chama Randezvous, para lhe dar um ar francês chique, dos anos em que ônibus eram alvos frequentes de bombas. "Nós convivemos com o terrorismo. Mas não temos medo. Faz parte de nossa rotina diária." 
Essa rotina inclui a abertura de bolsas para checagem e passagem por detetores de metal em estações de trem e pontos de ônibus, shopping centers e salas de cinema. No auge dos atentados suicidas, os clientes pagavam uma pequena sobretaxa em cafés e restaurantes para pagar a custo do guarda à porta. 
Centenas de guardas civis armados foram posicionados para proteção de transportes públicos em Jerusalém nos últimos meses, em meio à onda de ataques, que são glorificados por alguns palestinos nas redes sociais. Os guardas ficam nas paradas de ônibus e do veículo leve sobre trilhos, e sobem e descem dos ônibus ao longo das rotas principais, com os mesmos poderes de revista e prisão que os da polícia. 
Israel também investiu enormemente em inteligência, com suas táticas evoluindo à medida que seus inimigos mudam as deles. 
Vários estudos psicológicos em Israel apontaram que as pessoas se habituam rapidamente às ameaças, fazendo ajustes na vida cotidiana, como manter as crianças em casa, por exemplo, em vez de enviá-las para acampamentos de verão, e adotando o humor negro a respeito da aleatoriedade da ameaça. 
"Se ninguém me explodir, encontro você no Centro Dizengoff em cerca de 45 minutos", um passageiro de ônibus em Tel Aviv disse a um amigo pelo celular, em uma conversa ouvida por psicólogos israelenses que pesquisavam as consequências pós-segunda intifada. 
Alguns políticos israelenses têm criticado o que consideram como negligência europeia em assuntos de segurança. Após os ataques em março em Bruxelas, por exemplo, um importante ministro, Israel Katz, disse que a Bélgica não seria capaz de combater o terrorismo islâmico "se os belgas continuarem comendo chocolate e desfrutando a vida, parecendo grandes democratas e liberais". 
Em uma entrevista por rádio no domingo, Yaakov Perry, um ex-chefe do Shin Bet agora no Parlamento, recomendou supervisão mais profunda de inteligência nos bairros "onde vivem muçulmanos, refugiados e simpatizantes do Daesh de vários tipos", usando a sigla pejorativa em árabe do Estado Islâmico.
Ele também sugeriu que a polícia francesa foi complacente, referindo-se às notícias de que o motorista em Nice disse às autoridades que estava entregando sorvete. "Se o motorista diz que está transportando sorvete, abra o caminhão e cheque se ele tem sorvete", disse Perry. 
O fato de o ataque ter ocorrido em uma aglomeração para celebração do Dia da Bastilha, um feriado nacional francês, fez os israelenses balançarem suas cabeças. Micky Rosenfeld, um porta-voz da polícia israelense, disse que para proteger um grande evento como as celebrações do Dia da Independência, quando dezenas de milhares de pessoas se reúnem ao longo da orla marítima de Tel Aviv para assistir as exibições aéreas e navais, as autoridades coletam inteligência por semanas de antecedência, e erguem uma barreira de 360 graus em torno da área, com camadas de segurança ao redor do perímetro. 
Muitas ruas são fechadas com fileiras de ônibus e as ruas menores com viaturas policiais. Além do posicionamento de um grande contingente de políciais à paisana e disfarçados, equipes de contraterrorismo são dispostas estrategicamente para fornecer uma resposta rápida se necessário. 
Para coleta de inteligência, o Shin Bet usa um método de "cobertura básica", que envolve focar em um bairro ou população em particular que é considerado um risco potencial de segurança. A agência então monta um sistema de vigilância e uma rede de informantes locais que podem apontar qualquer sinal de atividade suspeita ou incomum. 
Lior Akerman, um ex-chefe de divisão do Shin Bet, disse que apesar de um ataque como o ocorrido em Nice poder com certeza ocorrer em Israel, "deve ser enfatizado que os franceses, como os demais países europeus, não agem de uma forma baseada em inteligência". 
Shaul Shay, um ex-vice-chefe do Conselho de Segurança Nacional de Israel, disse que os israelenses em casa e no exterior geralmente estão mais bem preparados para o terrorismo do que cidadãos de outras sociedades ocidentais. "Aqui, convivemos com isso desde a infância", ele disse. 
Muitos aqui disseram que mesmo se o aparato de segurança de Israel não puder prevenir um ataque como o ocorrido em Nice, eles imaginam que ele teria terminado mais cedo, com muito menos vítimas. 
"Seria impossível aqui porque há uma boa segurança", disse Muhammad Anati, 18 anos, um morador palestino do campo de refugiados de Shuafat, em Jerusalèm Oriental. 
Inbal Berner, 37 anos, uma bibliotecária escolar israelense que bebia um café gelado em um ponto de ônibus próximo, deu voz ao novo normal que os franceses poderão enfrentar agora. 
"Eu olho ao redor; não vou a locais lotados de pessoas se não for preciso", ela disse. Sempre foi assim, Berner acrescentou, ou pelo menos desde os atentados contra ônibus há mais de uma década. Porque apesar de as pessoas se acostumarem ao terrorismo até certo ponto, ela disse, "algo sempre permanece".
Tradutor: George El Khouri Andolfato 

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