Lula: mensaleiros não eram de sua confiança, já Roberto Jefferson…
João Bosco Rabello - OESP
O que surpreende na entrevista do ex-presidente Lula a uma emissora de TV portuguesa não é a avaliação de que o julgamento do mensalão foi político. Mas a de que os políticos condenados e presos não eram de sua confiança.
Como não fez distinção
entre os presos do PT e os demais, a declaração abrange o seu
ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, o ex-presidente da Câmara, João
Paulo Cunha e o ex-presidente do partido, José Genoíno.
Para quem chegou a afirmar que daria um cheque em branco ao delator do mensalão, o ex-deputado Roberto Jefferson, soa fora de contexto a revelação, que expõe mais ainda os ex-dirigentes do PT.
Foi só o que Lula acrescentou ao que já tinha dito sobre o episódio que poderia ter gerado um processo de impeachment em
seu governo. Que não aconteceu porque não só negou conhecer o esquema,
como o condenou diversas vezes, dizendo-se traído pelos companheiros.
Nesse ponto, há
coerência entre a fala de hoje e a de ontem: não eram de confiança, diz
ele, hoje, sobre aqueles que o traíram no governo, como afirmou à época
do mensalão. Juntando os dois tempos, Lula foi traído por gente
que não tinha a sua confiança e que hoje está presa. Não obstante,
traição se traduzir por deslealdade daquele em quem se confiava.
Mas, segundo o
ex-presidente, essa gente que não tinha a sua confiança, está presa por
condenação de um julgamento 80% político. É curiosa a conta que concede
20% de acerto ao Supremo Tribunal Federal. Seria interessante se o
ex-presidente dividisse com o distinto público o cálculo que o levou a
tal divisão porcentual.
O cálculo rouba consistência à tese do julgamento injusto, pois que
concede alguma razão ao STF, ainda que proporcionalmente muito abaixo da
realidade. Onde acertou e onde errou o STF ? Qualquer que seja a
resposta de Lula, é explícito o reconhecimento de crime.
São algumas as hipóteses para a tese do ex-presidente. O STF acertou
ao reconhecer o crime e errou na dosagem das penas. Mas o próprio STF já
reviu essa parte, ao revogar a pena por formação de quadrilha, o que
não revogou as prisões.
Segunda hipótese: o STF teria dado tratamento isonômico a réus com
participações distintas no esquema de desvio de recursos. Por esse
raciocínio, culpados são todos aqueles que não pertenciam ao PT, pois
segundo o partido, José Dirceu de nada sabia, como Lula; José Genoíno
assinou passivamente o empréstimo fraudulento, por uma credulidade
romântica; João Paulo Cunha apenas mandou sacar um dinheiro conforme
orientação partidária.
Como os demais réus não foram defendidos em nenhuma das teorias
conspiratórias do PT, resta a conclusão de que só os do partido foram
injustiçados. E tem-se aqui o inusitado: não houve o crime do qual o PT
foi acusado, mas a prisão é justa para aqueles condenados solidariamente
e que não pertencem ao partido.
A outra hipótese que pode passar pelo cálculo de Lula: não houve
compra de votos de parlamentares, mas caixa-dois de campanha, a segunda
versão que deu ao caso, depois de abominá-lo como mensalão e dizer-se traído.
Aí residiria o cálculo de 80% e 20%. Crime, sim, mas de caixa-dois,
não de assalto ao erário. O problema é que houve desvio de recursos
públicos em dimensão jamais vista, dinheiro que financiou parlamentares
integrantes de uma base de sustentação igualmente inédita e de
fidelidade canina.
Lula jogou, mais uma vez, para as calendas a sua versão do mensalão, ou
a verdadeira, como afirma. Ele será esclarecido um dia, será recontado
com a finalidade de mostrar que foi “um massacre para destruir o PT”.
A rigor, já foi recontada pelo PT algumas vezes, em versões tão
diferentes quanto irreais. Mas o ex-presidente cumpre o papel de
alimentar a estratégia de mostrar o julgamento como político ao sugerir
um mistério ainda a ser desvendado.
Tudo sempre no futuro, que a Deus pertence, já dizia o ex-ministro da Justiça do regime militar, Armando Falcão.
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