Manifestantes na Venezuela relatam abusos e violência policial
William Neuman - NYT
Carlos Garcia Rawlins/ Reuters
Polícia
nacional transporta uma manifestante detida durante protesto contra o
governo de Nicolás Maduro em Caracas em 13 de março
Clipso Martínez foi baleado à queima-roupa por um soldado em um
protesto, a ponto de seu cirurgião ter dito que teve que remover pedaços
da munição de plástico de sua perna, além de pedaços das chaves que
Martínez carregava no bolso, despedaçadas pelo disparo.
Jorchual
Gregory foi detido juntamente com 10 outras pessoas que disseram que,
por três dias, foram chutadas, receberam coronhadas, foram atacadas com
spray de pimenta e agredidas com capacetes."Eles queriam que as pessoas tivessem medo, para não permanecerem nas ruas", disse Gregory, 19 anos. "Mas o que aconteceu foi mais protestos e mais mortes."
A Venezuela é abalada por mais de dois meses de protestos frequentemente violentos, que o presidente Nicolás Maduro disse que visam derrubá-lo. Ele alega que a oposição é responsável pela violência que o governo disse ter tirado mais de 40 vidas, incluindo as de manifestantes, transeuntes e seis soldados da Guarda Nacional.
Até recentemente, a maioria dos países na região ou apoiava Maduro, pouco se manifestavam sobre os protestos ou gentilmente pediam para que ele demonstrasse moderação. Mas há crescentes sinais de que o apoio a Maduro na região está enfraquecendo, à medida que alguns vizinhos da Venezuela mostram desconforto com a resposta do governo à crise, incluindo o tratamento agressivo dado aos manifestantes.
Neste mês, os ministros das Relações Exteriores da União das Nações Sul-Americanas, um grupo que a Venezuela foi fundamental na criação, pressionaram Maduro a realizar negociações face a face com os partidos de oposição. Com a presença de diplomatas do Brasil, Colômbia e Equador, o governo e a oposição concordaram com a criação de uma comissão da verdade para analisar as alegações de violações de direitos humanos durante os protestos, que foram alimentados pela frustração com a criminalidade desenfreada, com a crescente inflação, escassez de itens básicos e uma repressão do governo à dissensão.
Para aumentar a pressão, o ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, fez críticas públicas incomuns a Maduro neste mês, dizendo que ele deveria "estabelecer uma política de coalizão" e "reduzir a tensão".
Os comentários foram particularmente dignos de nota, porque Lula – um apoiador ferrenho do mentor e antecessor de Maduro, Hugo Chávez, que morreu no ano passado – fez um endosso a Maduro gravado em vídeo, quando este concorreu à presidência em abril do ano passado. Maduro venceu a eleição por margem estreita.
Michael Shifter, presidente da Diálogo Interamericano, um grupo de políticas em Washington, disse que a intervenção por outros países sul-americanos foi provocada pela escalada da violência.
"A principal preocupação é que sem qualquer moderação, sem qualquer espaço para o diálogo, há uma probabilidade de continuidade da repressão, que geraria mais violência", disse Shifter.
As crescentes preocupações na região coincidem com evidência cada vez maior de um padrão de comportamento violento pelas forças de segurança daqui. Maduro disse que "um número muito pequeno de pessoas das forças de segurança" é "acusado de praticar violência", e que o governo as prendeu.
Mas as alegações de abuso continuam aumentando, particularmente contra a Guarda Nacional, um braço das forças armadas que está à frente da resposta do governo aos protestos.
Soldados foram acusados de disparar à queima-roupa com espingardas carregadas com munição de plástico duro para caça, ferindo numerosos manifestantes e matando uma mulher de 23 anos. Soldados e policiais também são amplamente acusados de espancar detidos, muitos vezes severamente, com muitas pessoas dizendo que as forças de segurança as roubaram, levando celulares, dinheiro e joias.
O governo – que tem enfrentado táticas violentas dos manifestantes, incluindo coquetéis Molotov – disse estar comprometido com a proteção dos direitos humanos ao mesmo tempo em que mantém a ordem.
No mês passado, Maduro criou um Conselho de Estado para Direitos Humanos para investigar de crimes. Os críticos se queixaram de que o conselho inclui as mesmas autoridades do governo responsáveis pelas forças de segurança implicadas nos abusos: os ministros da Defesa e do Interior.
"Ocorreram excessos pela polícia, mas estamos investigando", disse a procuradora-geral, Luisa Ortega, em uma entrevista para a televisão no mês passado. Ela defendeu a Guarda Nacional, dizendo que as alegações contra ela representam um "ataque desproporcionado".
"Se é verdade que ocorreram excessos por alguns policiais, não significa que o comandante da Guarda Nacional reuniu seu pessoal e ordenou, 'Vão até lá e violem direitos humanos'", ela disse.
O escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos expressou preocupação com os relatos de abusos pelas forças de segurança na Venezuela, e neste mês a conferência venezuelana dos bispos católicos romanos fez objeção à "repressão brutal à dissensão política".
"O governo está errado em querer resolver esta crise por meio da força", disseram os bispos.
Aqui em Valencia, a terceira maior cidade da Venezuela, Geraldín Moreno, uma estudante, estava do lado de seu condomínio de prédios de apartamentos em 19 de fevereiro, batendo em uma panela em protesto, quando soldados chegaram montados em motocicletas, segundo o pai dela, Saúl Moreno. Ela caiu ao tentar correr para dentro do condomínio.
Testemunhas disseram que um soldado desceu de sua motocicleta, apontou sua espingarda para a cabeça dela e disparou. A munição de plástico duro atravessou a cavidade ocular e atingiu o cérebro dela, disse seu pai. Ela morreu após uma longa cirurgia em 22 de fevereiro, oito dias antes de seu aniversário de 24 anos.
"A dor nunca passará", disse Moreno. "A cada dia sua ausência é maior."
Gregory, que disse ter sido detido com 10 outras pessoas, foi a um protesto aqui em 13 de fevereiro com os amigos Juan Carrasco, 21 anos, e Jorge León, 25, mas quando viram os soldados disparando gás lacrimogêneo e espingardas, eles correram de volta ao carro de León. Segundo os homens, soldados cercaram o carro, quebraram as janelas e jogaram uma bomba de gás lacrimogêneo em seu interior. Gregory disse que um soldado disparou uma espingarda contra ele à queima-roupa, enquanto ele estava sentado no assento do passageiro, o atingindo nos braços e nas costas da mão.
Os homens disseram que foram retirados do carro e espancados brutalmente. A certa altura, um soldado esmagou as mãos deles com a coronha de sua espingarda, dizendo que se tratava de uma punição pelos manifestantes estarem atirando pedras. Os homens disseram que os soldados atearam fogo no carro de León.
Eles foram colocados em um caminhão com outros detidos e levados para um posto da Guarda Nacional. Um dos detidos, Oswaldo Torres, 25 anos, um vendedor de uma loja de freios, disse que os soldados fingiram que ele era uma bola de futebol e o chutaram repetidas vezes, Os homens disseram que foram algemados juntos, ameaçados com um cão de ataque, obrigados a ficarem agachados por longos períodos, atacados com spray de pimenta e espancados.
Torres disse ter sido atingido tão duramente pelo capacete de um soldado que ele o ouviu quebrar. "Tudo ficou escuro", ele disse.
O Fórum Penal, um grupo legal, disse já ter documentado 70 casos de abuso. "É contínuo e sistemático", disse Gonzalo Himiob, um diretor do grupo. "Os tipos de maus-tratos são muito semelhantes em todas as partes do país."
Entrevistas com mais de duas dúzias de pessoas que disseram ter sofrido maus-tratos pelas forças de segurança revelam padrões semelhantes de abuso. Em San Antonio de los Altos, cidade vizinha de Caracas, Luis Gutiérrez, 26 anos, disseram que ele e outros foram encurralados em um estacionamento em 19 de fevereiro por soldados, que ordenaram que eles se deitassem e começaram a chutá-los.
Gutiérrez disse que um deles o chutou no rosto. Cirurgiões posteriormente usaram pinos e placas de metal para reparar sua testa fraturada e nariz quebrado.
"Eles tinham o direito de nos deter porque estávamos bloqueando a rua", disse Gutiérrez. "Mas não há justificativa para fazerem isso conosco, nos causarem esses ferimentos."
A procuradoria-geral disse estar investigando 145 alegações de abuso e que 17 agentes de segurança estão na cadeia.
Os críticos questionaram a agressividade das investigações. O número de agentes de segurança presos não mudou em mais de um mês. Segundo a contagem da procuradora-geral, apenas um membro da Guarda Nacional, a força mais amplamente acusada de abusos, está na cadeia.
O soldado que matou Moreno com um tiro no rosto não foi preso, disse Rafael Ramírez, um advogado do pai dela. "Apesar de ser verdade que os promotores estão receptivos conosco, nós não estamos vendo" progresso na investigação, disse Ramírez.
Como muitos dos manifestantes, Martínez, cujos pedaços das chaves despedaçadas perfuraram sua perna quando ele recebeu um tiro aqui em 20 de março, enfrenta acusações de perturbação da ordem.
"Foi fácil para eles me sentenciarem a prisão domiciliar e dizer que enfrento muitas acusações", ele disse. "Mas eles nunca disseram: 'Nós vamos encontrar o soldado que atirou em você'."
Keyla Brito, 41 anos, uma dona de casa em Barquisimetro, disse que estava a caminho do açougue com sua filha de 17 anos, em 12 de março, quando foram pegas por soldados da Guarda Nacional e levadas com seis outras mulheres para um posto militar e entregue para soldados do sexo feminino.
As soldadas as agrediram, as chutaram e ameaçaram matá-las, segundo Brito, sua filha e duas das outras mulheres. Os soldados do sexo masculino ameaçaram estuprá-las, elas disseram.
Brito disse que uma soldada cortou o cabelo dela que ia até a cintura, o deixando repicado. A folha dela e as outras mulheres passaram por cortes de cabelo semelhantes, elas disseram.
As mulheres disseram que só foram soltas após serem obrigadas a assinar um papel declarando que não tinham sofrido maus-tratos.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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