Dilma e Cristina: Labirintos e desinformação à Mercosul
As presidentes Dilma Rousseff e Cristina
Kirchner tentaram esta semana furar a teia e sair das encrencas em que
se meteram. Usaram a mesma estratégia: a desinformação
Vítor Hugo Soares - Blog do Noblat
Enredadas em seus respectivos labirintos nos dois mais importantes
territórios, de poder político e administrativo, da sempre tormentosa e
imprevisível América do Sul – para conferir basta relembrar letras de
tangos e sambas imortais tipo Cambalache e Vai Passar -, as presidentes
Dilma Rousseff, a petista do Brasil, e Cristina Kirchner, a
justicialista da Argentina, tentaram esta semana furar a teia e sair das
encrencas em que se meteram. Cada uma ao seu modo e risco, as duas
usaram a mesma estratégia: a desinformação. Ambas, com os mesmos pífios
resultados.
Em Buenos Aires, na Residência Presidencial de Olivos, arredores
bucólicos da capital federal, Cristina caprichou no cenário montado bem
ao estilo de antigas milongas portenhas: sentada em uma cadeira de rodas
(decorrente do tornozelo quebrado, no tombo em casa, durante o repouso
de fim de ano na província natal na Patagônia) vestida de branco em
lugar dos severos tons escuros de roupas que tanto gosta de usar, a
mandatária do Prata ocupou rede nacional de televisão e rádio para falar
sobre o intrincado caso Nisman e anunciar uma repentina reforma nos
serviços de inteligência da nação.
"Até aí morreu Neves”, imagino deve ter murmurado algum prosaico
mineiro ou baiano de passagem por Buenos Aires naquela tensa noite,
abrasada pelo verão e pela perigosa subida repentina da temperatura do
drama político e institucional mais recente nas margens do Prata. Com
todos os ingredientes mais propícios para virar tragédia. Incluindo,
evidentemente, o território minado e envenenado pelos primeiros lances
virulentos da campanha presidencial precocemente iniciada, que irá
desembocar nas eleições de outubro, para sucessão da atual ocupante da
Casa Rosada. Sim, Cristinajá está nos finalmente de seu complicado e
tortuoso segundo mandato.
Ela, no entanto, briga com o punhal nos dentes, para fazer seu herdeiro
no "trono" fundado por Juan Domingo Peron. É exatamente aí que mora o
perigo.
Em meio ao amontoado de contradições, ditos e desditos, trocas de
acusações pesadas, a presidente decidiu fazer o seu primeiro
pronunciamento depois da morte do promotor Alberto Nisman, responsável
geral, por indicação do falecido ex-presidente Néstor Kirchner, pela
condução do processo sobre um dos mais graves e trágicos crimes contra a
humanidade em geral, e a sociedade argentina em particular. Até aqui
impune e cercado de contradições e suspeitas cada vez maiores.
Refiro-me ao atentado contra a sociedade mutuária judaica AMIA, que em
1994 explodiu um quarteirão inteiro no famoso e popular bairro Once, um
dos pontos mais atraentes e movimentados na área comercial do centro da
capital portenha. 85 mortos de todas as idades, centenas de feridos
graves, chagas abertas da intolerância na carne e na alma do povo
argentino.
Ninguém me contou, eu vi. Então no Jornal do Brasil, sucursal de
Salvador, estive em Buenos Aires (cidade que amo e visito sempre que
posso) em seguida à grande tragédia. O quarteirão em escombros isolado.
Pequenos focos de fumaça do rescaldo do incêndio. O odor de carne humana
queimada ainda no ar. Os grupos de defesa civil e segurança à cata de
restos humanos, objetos ou algo de pista capaz de levar aos autores do
monstruoso atentado e seus mandantes. O promotor Nisman está sendo
considerado, em alguns setores indignados com a impunidade, a 86ª vitima
fatal do caso AMIA.
No primeiro discurso depois do promotor ter sido encontrado sem vida,
com uma bala de revolver alojada na cabeça, no interior de seu
apartamento no bairro de Puerto Madero, a presidente da Argentina (antes
ela só havia se pronunciado via twitter para dizer apressadamente que
Nisman se suicidara) falou 60 minutos em rede de TV. Uma eternidade.
Além de dissolver a SIDE e prometer a criação de nova agência nacional,
Cristina acusou setores descontentes da Inteligência de estarem por trás
da denúncia de Nisman, antes de ser encontrado morto à véspera de um
depoimento crucial, contra a presidente por suposto encobrimento da
participação do Irã no atentado à AMIA. A conferir.
"Não vou falar por uma hora, serei mais breve”, prometeu Dilma Rousseff
ao pilotar a reunião com seus 39 ministros de governo, mais o vice
Temer, em Brasília. Em seguida, leu durante 40 minutos, o agressivo
discurso da última terça, transmitido em rede nacional pelo canal
oficiar BR. Brigou até com o técnico que projetava o texto da "fala" no
telepronter. Copo cheio de mágoas, tensões e marketing político e
governamental. Desinformação à granel, mas páro por aqui para não
estourar o espaço.
Só um registro mais: No livro "Contra la Prensa”, preciosa coletânea de
textos compilados pelo argentino Esteban Rodriguez, anoto o assinado
por Guy Dubord, com o título "Desinformadores públicos”. Trata do
conceito de "desinformação" importado da Rússia. É muito utilizado por
um poder – ou pessoas que utilizam um fragmento de autoridade econômica
ou política - para manter o estabelecido, o status quo, diz o autor.
Leitura mais que oportuna depois dos pronunciamentos de Dilma Rousseff e
Cristina Kirchner esta semana. Recomendo.
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