Um balanço para colecionador
O Estado de S.Paulo
Não é para acreditar. Esta advertência, em letras grandes,
ficaria muito bem no alto do balanço divulgado na madrugada de ontem
pela Petrobrás. Depois de 12 horas de reunião, o Conselho de
Administração decidiu publicar as demonstrações do terceiro trimestre,
já muito atrasadas, para evitar a antecipação de vencimento de US$ 17,6
bilhões de dívidas. O relatório saiu sem a baixa das perdas causadas
pela pilhagem da empresa - objeto de investigação da Operação Lava Jato -
e, naturalmente, sem a garantia dos auditores. Quase inimaginável, é
obra para colecionador. É uma dupla raridade - pela falta do aval de um
escritório de auditoria e por ser desacreditado pela direção da empresa.
A presidente da companhia, Graça Foster, gastou a maior parte de uma
entrevista para explicar por que os números apresentados ao público
destoam da realidade.
Mesmo sem registrar o saque
denunciado pelos delatores e ainda sob investigação, as contas mostram
resultados medíocres. O lucro líquido para os acionistas, de R$ 3,09
bilhões no terceiro trimestre de 2014, foi 38% inferior ao de um ano
antes. O ganho antes do pagamento de juros, impostos e dividendos, de R$
11,73 bilhões, ficou 28% abaixo do contabilizado entre julho e agosto
de 2013. Mesmo esses valores, apesar de indicarem mau desempenho,
provavelmente ocultam uma realidade bem mais feia. Não há como acreditar
em um relatório publicado apenas para cumprir tabela, e com muito
atraso, e como tentativa formal de atender a uma exigência de credores.
O
balanço saiu sem a baixa das perdas simplesmente porque ninguém soube
como registrá-las. As investigações indicaram desvios muito grandes e os
valores são estimados, mas faltam informações para uma apresentação
contábil satisfatória. Com base no trabalho de firmas internacionais
contratadas para cuidar do problema, foi possível calcular alguns
desvios. Tentou-se confrontar o "valor justo" de uma parte importante
dos ativos com os valores contabilizados. Para uma parte dos ativos, o
valor registrado foi R$ 88,6 bilhões maior que o "justo". Do lado
oposto, com registro abaixo do adequado, foi encontrada uma diferença de
R$ 27,2 bilhões.
Os ativos selecionados para exame
corresponderam a um total de R$ 188,4 bilhões, pouco menos de um terço
do imobilizado total, de R$ 600,1 bilhões. Feitas as contas, faltaram,
no entanto, informações para individualizar as causas das diferenças -
os pagamentos indevidos e as fraudes cometidas nos vários contratos com
fornecedores de bens e de serviços. Os contratos ocorreram entre 2004 e
abril de 2012.
A análise contábil conduzida até agora
serviu essencialmente para confirmar - talvez de forma incompleta - a
enorme extensão dos prejuízos causados à companhia. Parte dos danos foi
causada em operações muito citadas, como a compra da refinaria americana
de Pasadena e a construção da Refinaria Abreu e Lima em Pernambuco. Mas
os contratos envolveram muitas outras operações.
O número e
a importância das empresas investigadas na Lava Jato dão ideia da
amplitude dos acordos de propina e de desvios. Parte relevante da
história só será conhecida quando houver mais informações sobre o
envolvimento de políticos e de partidos. Por todos os dados conhecidos, o
escândalo da Petrobrás é muito diferente dos casos clássicos de
corrupção nas empresas. Mais que um problema empresarial, é um fato
político e assim os historiadores deverão registrá-lo.
Falta
saber se a publicação de um balanço reconhecidamente inexato bastará
para satisfazer aos credores e evitar a antecipação de vencimentos. Mas
até esse problema, apesar de sua relevância, parece pequeno diante do
estrago causado à maior empresa nacional pelo estilo de política
implantado no Brasil em 2003. Não há como explicar essa história sem
levar em conta a apropriação partidária da máquina do Estado, o seu
loteamento e a sua utilização para fins estritamente privados,
incluídos, naturalmente, os objetivos eleitorais. O mais preciso dos
balanços jamais será suficiente para contar essa história.
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