Por que uma criança de 8 anos foi interrogada por apologia do terrorismo?
Matthieu Suc e Eric Nunès - Le Monde
Lionel Cironneau/AP
Entrada da escola Nice Flore, onde criança foi interrogada por "apologia ao terrorismo", em Nice, no sul da França
A polícia de Nice convocou, na quarta-feira (28), um menino de 8 anos na companhia de seu pai após uma denúncia feita pela escola onde ele estuda. Ele teria sido acusado de dar declarações que caracterizam apologia do terrorismo.
1. O que aconteceu?A polícia de Nice convocou, na quarta-feira (28), um menino de 8 anos na companhia de seu pai após uma denúncia feita pela escola onde ele estuda. Ele teria sido acusado de dar declarações que caracterizam apologia do terrorismo.
Foi através do tuíte de um advogado, Sefen Guez Guez, que o caso ficou conhecido: uma criança de 8 anos, Ahmed, teria sido intimado pela polícia por ter dito dentro de sua escola em Nice estar "do lado dos terroristas" após os atentados contra o "Charlie Hebdo", e por ter se recusado a observar um minuto de silêncio.
Segundo o jornal "Nice Matin", que cita a frase sem informar a fonte, a criança teria dito na sala de aula: "Os franceses têm que morrer. Estou do lado dos terroristas. Os muçulmanos fizeram bem, os jornalistas tiveram o que mereceram." Essa versão foi desmentida pela família e pelo advogado da criança.
O diretor da escola teria sido ouvido na delegacia, e o pai da criança teria sido convocado na terça-feira, junto com um advogado, para um interrogatório.
2. A versão do advogado
Segundo o advogado, a criança estaria sendo "processada por apologia de ato de terrorismo". No entanto, ela teria sido ouvida em liberdade. Ele afirma que foi o professor que fez a denúncia. O advogado também afirma que a criança teria negado a maior parte das declarações atribuídas a ela, e só teria reconhecido ter dito que estava "do lado dos terroristas".
O pai da criança também estaria sendo processado por "intrusão na escola". Ainda segundo o advogado, ele teria incentivado seu filho a não se isolar e a ir brincar com as outras crianças.
3. A versão do Comitê Contra a Islamofobia na França
O Comitê Contra a Islamofobia na França (CCIF), associação que luta contra os atos e as declarações antimuçulmanas, deu maiores detalhes sem fornecer a fonte. Segundo a associação, a criança teria mencionado o fato de que lhe privaram de insulina após esse incidente, sendo que ela é diabética. Em um tuíte, Guez Guez afirma que essas declarações da criança foram incluídas na ata do depoimento.
Além disso, o diretor da escola teria interpelado a criança, que brincava no tanque de areia, dizendo: "Pare de mexer na areia, você não vai achar aí nenhuma metralhadora para matar todo mundo." Também nesse caso o CCIF não especifica de onde vem essa informação, ainda que o advogado confirme que essas declarações tenham sido feitas. Por fim, o CCIF afirma que o pai e a criança passaram por um "interrogatório de duas horas"; já a polícia fala que foram 20 minutos.
4. A versão da polícia
Segundo o diretor do departamento de segurança pública, Marcel Authier, a criança já havia se recusado a participar do minuto de silêncio e de uma roda de solidariedade na escola um dia após o ataque ao "Charlie Hebdo".
Segundo a vice-diretora de segurança pública, Fabienne Lewandowski, entrevistada pela "France Info", o pai e a criança foram ouvidos para "entender o que aconteceu, ver o que levou essa criança a fazer esse tipo de declaração". "Pode-se lamentar que isso tenha assumido a forma de um interrogatório formal, mas levando em conta a importância de sua declaração e o contexto, a nós nos pareceu que era possível ir além. O pai foi ouvido na condição de responsável civil, e ele lamentou as declarações de seu filho e manifestou mais pesar do que encorajamento."
5. O perfil da família
Segundo uma fonte próxima da investigação, aparentemente o diretor da escola teria começado a conversar com o pai da criança após suas declarações. Este teria se mostrado hostil e ameaçador. O diretor, em seguida, teria tentado conversar com a mãe, sem resultados. Como a escola fez uma denúncia, a polícia quis convocar a criança e seus pais. A direção da escola ainda teria se queixado da repetida intrusão do pai, que teria vindo se explicar com os colegas de classe de seu filho sobre suas declarações.
Paralelamente, dois meninos de 3 e 5 anos da família deverão ser ouvidos por suspeita de maus tratos por parte dos pais.
6. Quem é o advogado?
Sefen Guez Guez, advogado inscrito na ordem dos advogados de Nice, é veterano em embates jurídicos com a prefeitura de Nice e seus departamentos. Guez Guez, que faz constante oposição à política do prefeito Christian Estrosi (UMP), declarou que o interrogatório do menino e de seu pai pela polícia ilustra um "clima de histeria coletiva" na França. Em resposta, Christian Estrosi deu seu total apoio ao diretor da escola e denunciou "uma tentativa de apelo emocional junto aos pais de alguns alunos".
A escaramuça anterior entre o advogado e o político começou em junho de 2014, quando Guez Guez entrou com uma ação contra um decreto municipal "que proíbe o uso ostentatório de todas as bandeiras estrangeiras no centro da cidade". "É uma medida realmente simbólica e xenófoba", denunciou então o advogado. Por fim, ele obteve ganho de causa e o tribunal administrativo suspendeu a execução do decreto.
Ele também defendeu a mãe de um aluno de Nice que usava véu e foi proibida de acompanhar uma excursão escolar por uma decisão do tribunal administrativo de Nice. De fato, a circular Chatel de 2012 previa a proibição do uso do véu islâmico por mães de alunos que acompanhassem seus filhos em excursões escolares. Guez Guez afinal conseguiu do Conselho de Estado, em dezembro de 2013, que as mães de véus que estivessem acompanhando excursões escolares não se sujeitassem, por princípio, à neutralidade religiosa.
Em janeiro de 2014, foi contra o departamento de Alpes-Maritimes que o advogado obteve, junto ao tribunal administrativo de Nice, a suspensão da decisão do governador de Alpes-Maritimes que retirava de um muçulmano suspeito de radicalização a autorização para trabalhar na "zona reservada" do aeroporto de Nice.
7. É possível intimar uma criança de 8 anos?
Em caso de queixa, denúncia ou aviso de infração, um inquérito preliminar pode ser aberto por iniciativa da polícia ou por instrução da procuradoria.
Uma criança de 8 anos, assim como todo menor com menos de 10 anos, não pode sofrer uma pena nem ser colocada sob custódia. Em compensação, ela pode ser ouvida pela polícia junto com seus pais e também pode ser processada e julgada perante um tribunal adequado, bem como seus pais, contanto que ela seja considerada "capaz de discernimento", ou seja, que ela saiba o que faz e diz.
Além disso, a ministra da Educação elogiou a equipe da escola onde a criança estudava por acreditar que "é natural que a equipe pedagógica tenha reagido dessa forma".
"Eu afirmo que não só essa equipe agiu certo ao se comportar assim, como seu trabalho de acompanhamento, pedagógico e social, é uma contribuição útil, e eu lhe agradeço por isso. Como manda a regra nesses casos, a equipe da escola cuidou para que fosse dado um apoio psicológico a essa criança, com quem ela conversou. Ela fez muito bem de agir assim, e fez muito bem de convocar seu pai também."
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