Recém libertada do EI, cidade síria de Kobane revela destruição
Louis Imbert - Le Monde
Bulent Kilic/AFP
23.out.2014
- Ataque aéreo atinge região síria próximo à fronteira com a Turquia.
Os EUA bombardeiam alvos do Estado Islâmico, que cercaram e tomaram a
cidade de Kobane, provocando a fuga da população curda que vivia no
local
Para entrar em Kobane a partir da fronteira turca, é preciso transpor os trilhos da linha Berlim-Bagdá, passar dos militares turcos para os milicianos curdos, ao lado de uma estação otomana, que por muito tempo foi a principal curiosidade da cidade. Atrás de uma porta de metal se vê a avenida das Aduanas, ou o que resta dela, além do céu entre duas fileiras de edifícios destruídos, pilastras nuas e telhados caídos no chão. Duzentos metros ao sul, na rotatória da Praça da Paz, dois grandes pássaros de concreto pintados de cal se mantêm quase intactos, tendo milagrosamente escapado do desastre.
Os jihadistas do Estado Islâmico (EI) lutaram desde o
fim de setembro de 2014 até novembro para cortar essa via de
abastecimento vital para a cidade, que antes da guerra possuía 70 mil
habitantes. Depois eles foram expulsos para o leste, rua por rua,
durante mais de dois meses. As Unidades de Proteção do Povo (YPG),
afiliadas ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão, o PKK - separatista
e proibido na Turquia), ajudadas por peshmergas vindos do Curdistão
iraquiano e por rebeldes árabes do Exército Sírio Livre (ESL), os
obrigaram a isso. Eles receberam o apoio de mais de 700 ataques aéreos
da coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos, ou seja, três
quartos dos bombardeios contra o EI na Síria.Para entrar em Kobane a partir da fronteira turca, é preciso transpor os trilhos da linha Berlim-Bagdá, passar dos militares turcos para os milicianos curdos, ao lado de uma estação otomana, que por muito tempo foi a principal curiosidade da cidade. Atrás de uma porta de metal se vê a avenida das Aduanas, ou o que resta dela, além do céu entre duas fileiras de edifícios destruídos, pilastras nuas e telhados caídos no chão. Duzentos metros ao sul, na rotatória da Praça da Paz, dois grandes pássaros de concreto pintados de cal se mantêm quase intactos, tendo milagrosamente escapado do desastre.
"Somos felizes e orgulhosos"
As YPG afirmam ter expulsado, na terça-feira (27), os últimos jihadistas do bairro de Mektele, no extremo sudeste da cidade. Elas reivindicam "uma vitória para a humanidade, uma vitória contra a barbárie e a brutalidade do Daech [acrônimo em árabe de Estado Islâmico]".A partir da praça da Paz, o que resta de Kobane se situa do lado direito, em um bolsão que representa pouco mais de um décimo da cidade, os bairros do oeste, onde vivem todos os civis. Combatentes passam ali de carro, com o rosto exausto, levantando nuvens de poeira. Entre eles, é possível ver um adolescente que não deve ter nem 15 anos, de uniforme e uma AK-47 na mão. O resto da cidade está em ruínas.
Na avenida que leva a Jarablus, a oeste, Faradoun, de 13 anos, passa o tempo dentro da loja de um parente que é mecânico. As oficinas da avenida viraram fábricas de armas. Faradoun ficou na cidade durante todo o conflito, trabalhando na oficina. Ele se prepara para ajudar a limpar a carcaça de um canhão antiaéreo soviético, parcialmente queimado.
Outros moradores voltaram do exílio na Turquia (200 mil refugiados desde meados de setembro) há pouco mais de um mês, família por família. As autoridades turcas e curdas ainda limitam essas passagens. As YPG proíbem que eles se instalem no centro e no leste da cidade.
"Estamos muito felizes e orgulhosos de termos vencido o Daech. Mas foram tantos mortos…", conta Adla Kassou, 41, que perdeu um irmão nos combates. Ela voltou à cidade dez dias atrás. Sua família extendida, com uma dezena de membros, encontra água em um poço vizinho. As YPG fornecem gasolina para um gerador, cujo ruído pode ser ouvido de qualquer lugar.
O interior permanece nas mãos do EI
"Nós limpamos as ruas, vamos construir um acampamento de tendas sob as árvores atrás dos bairros do oeste", explica Mohammed Saidi, chefe da administração municipal, embaixo do único minarete que permanece de pé. "No leste, vamos primeiro precisar de escavadeiras para tirar os corpos dos escombros", que estão apodrecendo e empesteando a cidade. "Mas nunca conseguiremos reconstruí-la sozinhos, precisaremos de ajuda", ele diz. O administrador, que não ficou desencorajado pelo tamanho da tarefa, começou a fazer o balanço das destruições. Ele queria avaliar o montante das obras rua por rua.Uma coisa simplificará o trabalho dessa administração: a cidade está nas mãos de uma única organização, o Partido da União Democrática (PYD), emanação do PKK na Sìria. Desde que o regime de Bashar al-Assad abandonou a região para os curdos em 2012, o PKK de inspiração marxista, assumiu o controle de Kobane e de duas outras regiões curdas da Sìria. Após o ataque do EI, os outros partidos curdos deixaram a cidade.
Para a reconstrução, as autoridades do Curdistão sírio deverão se entender com a Turquia vizinha, onde o PKK conduziu durante trinta anos uma insurreição que resultou em 40 mil mortos. A Turquia deixou passarem civis, combatentes e provisões durante a batalha, de forma discreta, aumentando o número de emboscadas. Ela também deixou passar ruidosamente, no final de outubro, os 150 peshmergas vindos do Iraque. Na terça-feira, o presidente da região autônoma do Iraque, Massoud Barzani, rival do PKK, agradeceu a Erdogan por seu papel no "salvamento" de Kobane.
No final, ainda que os curdos da Síria tenham reconquistado a cidade, o interior de Kobane permanece nas mãos dos jihadistas. Os curdos afirmam ter "libertado" meia dúzia de vilarejos, situados entre 4 e 8 quilômetros ao redor da cidade. Para avançar mais sem esperar um recuo do EI, eles deveriam avançar em terreno descoberto. Eles precisariam de armas pesadas, blindados e tanques, que eles não têm, ao contrário do Estado Islâmico.
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