São óbvias as razões políticas por trás da estranheza técnica produzida pela peça de ficção contábil que a Petrobras ofereceu ao público
José Paulo Kupfer - O Globo
O “balanço" da companhia, referente ao terceiro trimestre de 2014, divulgado, com dois meses de atraso, no começo da madrugada de terça-feira para quarta, é a última e mais cabal prova dessa teimosia. Tem faltado transparência sobre o passado e sobrado incertezas quanto ao futuro.
Claro que as contas publicadas, sem aval de auditor independente e sem considerar as perdas sofridas com os escândalos de corrupção, têm apenas uma função pró-forma. Servem para cumprir calendários e evitar mais lenha na fogueira das ações judiciais contra a empresa. Mas todos sabem que não espelham nem de longe a situação patrimonial da Petrobras.
Se não refletem a real posição dos negócios da Petrobras, os números apresentados são igualmente inservíveis para uma avaliação minimamente criteriosa de seus planos de investimento e de seus programas de ajustes.
Não se poderia mesmo esperar outra reação do mercado que não a disparada de ordens de venda de ações da empresa. Só entre terça-feira e quarta, os papéis recuaram mais de 10%, fechando pouco acima de R$ 8, e o valor de mercado caiu R$ 15 bilhões, para R$ 115 bilhões. De 2010 para cá, a perda já chegou a 70%!
São óbvias as razões políticas por trás da estranheza técnica produzida pela peça de ficção contábil que a Petrobras ofereceu ao público. É mais do que provável que a decisão de não reconhecer as perdas completas, sobretudo as causadas pelo botim das empreiteiras e de seus agentes instalados na diretoria da estatal, tenha passado pelo Palácio do Planalto.
A escolha por adiar a contabilidade das perdas por corrupção parece se prender ao incômodo de reconhecer, antecipadamente, alguma coisa cujo tamanho e amplitude a Justiça ainda não determinou. OK, se for isso, explica, mas não justifica.
Ao se declarar incapaz de separar a água e o esgoto nos prejuízos acumulados, a Petrobras, por meio da presidente Graça Foster, reforçou a percepção de que atual diretoria perdeu o controle da administração do negócio, empurrando a credibilidade da companhia ainda mais para o fundo do poço.
O cenário de dívidas em alta, investimentos não só incertos, mas também em queda, e lucros em baixa só contribui para tornar a estatal cada vez mais vulnerável aos ataques de seus antigos e novos detratores.
Estes, contudo, parecem preferir aproveitar a fragilidade da Petrobras para insistir na tecla ideológica. Quase impossível encontrar um crítico dos desarranjos e desequilíbrios da empresa que não relacione as atuais dificuldades enfrentadas pela Petrobras com a troca do regime de concessão pelo de partilha, na exploração de seus poços, e com a exigência de conteúdo nacional nos equipamentos de fornecedores. Observados sem paixão, porém, esses não são nexos causais tão evidentes.
Envolta num pré-sal de falta de transparência, a Petrobras deveria tomar o desastroso exemplo da divulgação incompleta do balanço do terceiro trimestre do ano passado para definir uma estratégia prioritária, centrada no esforço de colocar suas contas em pratos limpos.
Poderia começar respondendo a uma dúvida generalizada: por que não se recorreu aos órgãos de fiscalização de mercado para definir critérios de apropriação dos prejuízos e das variações patrimoniais impactadas pela roubalheira?
A escolha das sombras, em lugar da oferta de informações esclarecedoras sobre a situação real, só produzirá mais perdas — de recursos e de credibilidade.
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