Christophe Ayad - Le Monde
Os dois homens, sentados lado a lado, se falam mas não dialogam de fato. O primeiro é um egípcio da Irmandade Muçulmana, ex-deputado que vive em exílio nos Estados Unidos. O segundo é um egípcio blogueiro, ativista de direitos humanos e que trabalha no Cairo. Abdel Mawgoud al-Dardiri e Amr Ezzat são ambos vítimas do regime militar instaurado no Egito desde o verão de 2013 pelo marechal Abdel Fattah al-Sissi, eleito presidente desde então. Eles se falam, sem olhar um para o outro, cada um despejando seus rancores e suas críticas diante de uma plateia restrita e atenta.
Esse improvável encontro aconteceu no dia 6 de maio, em Aix-en-Provence
(França), na ocasião de um colóquio de três dias organizado pelo
analista político François Burgat, diretor de pesquisas no Instituto de
Pesquisas e Estudos sobre o Mundo Árabe e Muçulmano (Iremam), e pelo
jornalista marroquino Aboubakr Jamai, diretor da escola de Relações
Internacionais no Instituto Americano de Universidades (IAU). A
manifestação, intitulada "Esquerdas e islamitas: por que tanto ódio?",
visava estabelecer um diálogo e fazer pontes entre duas forças políticas
que as revoluções árabes uniram brevemente, por tempo suficiente para
derrubar os ditadores, antes de serem esmagadas pela volta do
autoritarismo e/ou pelo desencadeamento da violência jihadista.
O Egito é um caso típico. A Irmandade Muçulmana entrou com atraso no movimento lançado contra o regime de Mubarak pelos jovens revolucionários, no dia 25 de janeiro de 2011, mas a contribuição dela foi decisiva. Depois, uma vez derrubado o autocrata, a confraria fez um acordo com o Exército para encaminhar rapidamente as eleições, que os islamitas sabiam já estar ganhas. Em junho de 2012, os militares deram seu apoio à eleição à presidência egípcia do membro da Irmandade Muçulmana Mohamed Mursi, com quem eles contavam para romper o impulso revolucionário.
Os islamitas ganharam a aposta e impuseram uma nova Constituição a partir do outono. Mas após um ano de governo autoritário e desorganizado, os islamitas acabaram despertando amplo descontentamento. Houve então uma nova inversão de alianças: o Exército, dessa vez apoiado pela esquerda revolucionária e pelos liberais, derrubou o presidente islamita eleito em julho de 2013, antes de reprimir violentamente a Irmandade Muçulmana....e depois o movimento revolucionário. Fechou-se o círculo e hoje só resta amargor.
Até agora, é grande o ressentimento de ambos os lados. Abdel Mawgoud al-Dardari acusa a esquerda e os liberais egípcios de sempre terem apoiado os regimes militares nas épocas de Nasser, Sadat e hoje Sissi, por medo de perderem as eleições. Ele também critica os jovens revolucionários por terem apoiado a destituição de Mohamed Mursi, que segundo ele é o único detentor da legitimidade popular, e por não terem condenado depois o massacre de Rabia al-Adawiya, que causou cerca de 800 mortes, no dia 13 de agosto de 2013, e a repressão conduzida pelo regime de Sissi.
Mas quando se trata de reconhecer erros, o ex-deputado se faz menos eloquente: "Nós fomos ingênuos demais, bonzinhos demais", ele explica. Ele só reconhece que houve uma falta de diálogo com os opositores liberais e de esquerda, bem como uma ausência de separação entre a confraria e o partido da Irmandade Muçulmana.
Apesar dessas grandes divergências e da litania das críticas do passado, o diálogo iniciado em Aix-en-Provence é algo inédito. Primeiro porque ele não é possível hoje no Egito, uma vez que a confraria foi classificada como "organização terrorista", e também porque permitiu confrontar quatro situações diferentes: além do Egito, também se falou do Marrocos, da Argélia e da Tunísia.
Na Argélia, a guerra e as manipulações do regime criaram confusão, a ponto de se verem islamitas e militantes de esquerda tanto do lado da situação quanto da oposição. No Marrocos, é a questão do status do rei que divide tanto a esquerda quanto os islamitas. O caso tunisiano é o contrário do drama egípcio. Islamitas e progressistas souberam travar um diálogo bem antes da revolução de 2011, chegando em 2005 a um acordo quanto a princípios comuns, como respeito à democracia, ao pluralismo e aos direitos humanos.
Essa "relação de trabalho" entre opositores de esquerda e islamitas rendeu seus frutos após a queda do regime de Ben Ali, seguindo as eleições de outubro de 2011, quando o cenário político local se cindiu segundo linhas de ruptura que iam além da tradicional oposição entre laicos e islamitas. Os islamitas tunisianos do Ennahdha, grandes vencedores da eleição, puderam assim encontrar parceiros não-islamitas no governo, entre eles o presidente Moncef Marzouki e o partido Ettakatol de Mustapha Ben Jaafar, evitando assim a armadilha hegemônica. Essa cultura do acordo continuou com a entrada do Ennahdha em um governo dominado pelos anti-islamitas do Nida Tunis ("Chamado da Tunísia"), após as eleições do fim de 2014. Foi graças a esse diálogo constante entre islamitas e liberais --graças também à ausência de um exército golpista-- que a revolução tunisiana evitou o mesmo destino de seus vizinhos árabes, de caos ou de retorno à repressão.
O Egito é um caso típico. A Irmandade Muçulmana entrou com atraso no movimento lançado contra o regime de Mubarak pelos jovens revolucionários, no dia 25 de janeiro de 2011, mas a contribuição dela foi decisiva. Depois, uma vez derrubado o autocrata, a confraria fez um acordo com o Exército para encaminhar rapidamente as eleições, que os islamitas sabiam já estar ganhas. Em junho de 2012, os militares deram seu apoio à eleição à presidência egípcia do membro da Irmandade Muçulmana Mohamed Mursi, com quem eles contavam para romper o impulso revolucionário.
Os islamitas ganharam a aposta e impuseram uma nova Constituição a partir do outono. Mas após um ano de governo autoritário e desorganizado, os islamitas acabaram despertando amplo descontentamento. Houve então uma nova inversão de alianças: o Exército, dessa vez apoiado pela esquerda revolucionária e pelos liberais, derrubou o presidente islamita eleito em julho de 2013, antes de reprimir violentamente a Irmandade Muçulmana....e depois o movimento revolucionário. Fechou-se o círculo e hoje só resta amargor.
Até agora, é grande o ressentimento de ambos os lados. Abdel Mawgoud al-Dardari acusa a esquerda e os liberais egípcios de sempre terem apoiado os regimes militares nas épocas de Nasser, Sadat e hoje Sissi, por medo de perderem as eleições. Ele também critica os jovens revolucionários por terem apoiado a destituição de Mohamed Mursi, que segundo ele é o único detentor da legitimidade popular, e por não terem condenado depois o massacre de Rabia al-Adawiya, que causou cerca de 800 mortes, no dia 13 de agosto de 2013, e a repressão conduzida pelo regime de Sissi.
Mas quando se trata de reconhecer erros, o ex-deputado se faz menos eloquente: "Nós fomos ingênuos demais, bonzinhos demais", ele explica. Ele só reconhece que houve uma falta de diálogo com os opositores liberais e de esquerda, bem como uma ausência de separação entre a confraria e o partido da Irmandade Muçulmana.
Divergência sobre a legitimidade
Amr Ezzat resume as queixas da esquerda árabe em relação aos islamitas, colocando no mesmo saco o Exército e a Irmandade Muçulmana, ambos detentores de um "projeto hegemônico". O jovem sabe do que está falando, uma vez que foi membro da confraria antes de deixá-la, criticando sua falta de abertura e de tolerância em relação ao restante da sociedade, uma atitude que ele pôde verificar durante a breve passagem da Irmandade Muçulmana pelo poder. Mas o ponto no qual Amr Ezzat e Abdel Mawgoud al-Dardari diferem profundamente é o da legitimidade: para o islamita, ela se resume às eleições; para o jovem esquerdista, ela ainda pertence à revolução e, portanto, às ruas.Apesar dessas grandes divergências e da litania das críticas do passado, o diálogo iniciado em Aix-en-Provence é algo inédito. Primeiro porque ele não é possível hoje no Egito, uma vez que a confraria foi classificada como "organização terrorista", e também porque permitiu confrontar quatro situações diferentes: além do Egito, também se falou do Marrocos, da Argélia e da Tunísia.
Na Argélia, a guerra e as manipulações do regime criaram confusão, a ponto de se verem islamitas e militantes de esquerda tanto do lado da situação quanto da oposição. No Marrocos, é a questão do status do rei que divide tanto a esquerda quanto os islamitas. O caso tunisiano é o contrário do drama egípcio. Islamitas e progressistas souberam travar um diálogo bem antes da revolução de 2011, chegando em 2005 a um acordo quanto a princípios comuns, como respeito à democracia, ao pluralismo e aos direitos humanos.
Essa "relação de trabalho" entre opositores de esquerda e islamitas rendeu seus frutos após a queda do regime de Ben Ali, seguindo as eleições de outubro de 2011, quando o cenário político local se cindiu segundo linhas de ruptura que iam além da tradicional oposição entre laicos e islamitas. Os islamitas tunisianos do Ennahdha, grandes vencedores da eleição, puderam assim encontrar parceiros não-islamitas no governo, entre eles o presidente Moncef Marzouki e o partido Ettakatol de Mustapha Ben Jaafar, evitando assim a armadilha hegemônica. Essa cultura do acordo continuou com a entrada do Ennahdha em um governo dominado pelos anti-islamitas do Nida Tunis ("Chamado da Tunísia"), após as eleições do fim de 2014. Foi graças a esse diálogo constante entre islamitas e liberais --graças também à ausência de um exército golpista-- que a revolução tunisiana evitou o mesmo destino de seus vizinhos árabes, de caos ou de retorno à repressão.
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