Liz Robbins - NYT
Jim Wilson/The New York Times
Mosed Shaye Omar, 64, um cidadão americano naturalizado desde 1978 que vive em San Francisco, processou o Departamento de Estado e o secretário John Kerry, alegando que foi coagido a reconhecer que tinha um nome diferente daquele presente em seu passaporte
Por quase cinco horas em 21 de janeiro de 2013, em uma sala sem janelas na embaixada americana em Sanaa, Iêmen, um cidadão americano e dono de uma mercearia no Brooklyn segurava sua filha pequena no colo enquanto insistia ser quem dizia que era.
As autoridades da embaixada diziam o contrário e o ameaçavam de prisão, segundo os documentos legais. Desesperado para partir, ele assinou uma declaração reconhecendo que seu nome era o que as autoridades alegavam, sem entender as consequências, ele disse.
O passaporte do homem, que falou sob a
condição de que apenas seu segundo nome, Mohammed, fosse usado devido à
vergonha que sentiu ao ser visado pelo governo americano, foi
considerado fraudulento e confiscado. Ele ficou preso no Iêmen por 13
meses até obter um passaporte temporário, válido apenas para retornar
aos Estados Unidos. Mas sem seu passaporte oficial, ele não pode voltar
para onde deixou sua filha. E não é o único.
Pelo menos 20 outros iemenita-americanos de Nova York à Califórnia contam histórias semelhantes de terem seus passaportes revogados em Sanaa. No mês passado, Mosed Shaye Omar, 64, um cidadão americano naturalizado desde 1978 que vive em San Francisco, processou o Departamento de Estado e o secretário John Kerry, alegando que foi coagido a reconhecer que tinha um nome diferente daquele presente em seu passaporte.
Até mesmo para uma agência federal com reputação entre os críticos de ser excessivamente dura ao decidir quem pode ou não entrar nos Estados Unidos, dizem advogados, o que aconteceu em Sanaa parece particularmente chocante. Segundo eles, cidadãos americanos estão sendo desnacionalizados sem nenhum motivo aparente, fora sua origem iemenita.
"Nunca vi isso acontecer em nenhum outro país". disse Jan Brown, um advogado de imigração em Manhattan, que há décadas representa iemenita-americanos, incluindo cinco clientes cujos passaportes foram confiscados em Sanaa. "Ficou óbvio para mim que, desde anos atrás, a embaixada estava se tornando, se não paranoica, muito mais hostil e cheia de suspeita de pessoas que vinham pedir vistos como parentes de cidadãos."
Brown, copresidente do comitê de imigração e nacionalidade da Ordem dos Advogados do Estado de Nova York, disse acreditar que a postura se deve, em parte, à ascensão da Al Qaeda na Península Árabe. "Porque você não vê pessoas na Suécia tendo as mesmas dificuldades que as pessoas no Iêmen", ele disse.
A embaixada em Sanaa ficou fechada em fevereiro, depois que a Arábia Saudita lançou ataques contra os rebeldes houthis no Iêmen, aumentando a agitação civil e gerando ameaças de segurança aos cidadãos americanos. Agora, aqueles que tiveram seus passaportes apreendidos temem pelos parentes que ficaram para trás, no caminho da guerra.
"Eu não sei o que vai acontecer", disse Omar, em uma entrevista por telefone de San Francisco. Ele falou em árabe, traduzido por seus advogados da Asian Americans Advancing Justice-Asian Law Caucus.
"Sem um passaporte, sou apenas um animal", ele disse. "Não posso deixar o país."
Mohammed, que teve uma audiência administrativa em abril no Departamento de Estado, em Washington, disse ainda ter esperanças.
"Eu me sinto bem porque este é um país livre", ele disse em inglês, acrescentando em árabe. "Ainda acredito que há lei, que há liberdade, direitos humanos."
Mohammed, 44, pai de sete e cuja esposa também é cidadã americana, falou recentemente no escritório no Queens de seus advogados, em uma clínica legal gratuita conhecida como CLEAR, sigla em inglês para Criando Prestação de Contas e Responsabilidade entre as Autoridades. Ela é operada pela Escola de Direito da Universidade de Nova York.
"Há um grau de estigma resultante desse tipo de, não há outra forma de chamá-la, punição extrajudicial", disse Ramzi Kassem, um professor de Direito da Universidade de Nova York e diretor da CLEAR.
"Agora que ele voltou aos Estados Unidos sem um passaporte válido, ele está sendo privado da liberdade fundamental de viajar para o exterior", disse Kassem, acrescentando: "Na prática, ele agora é um prisioneiro em seu próprio país".
O governo federal pode revogar um passaporte se acreditar que foi obtido ilegalmente ou por meio de fraude. Ele deve fornecer uma explicação por escrito para a revogação e oferecer uma oportunidade para uma audiência administrativa. Nenhum dos dois aconteceu no caso de Omar ou de Mohammed, segundo seus advogados.
Múltiplas sondagens junto ao Departamento de Estado sobre o número de passaportes revogados em Sanaa e os motivos para isso foram respondidas com a mesma declaração: "Não podemos comentar sobre assuntos que possam estar envolvidos em litígio pendente. Em geral, o Departamento de Estado revoga os passaportes americanos por motivos estabelecidos na lei federal e nas regulações federais".
Os advogados envolvidos nesses casos estão tendo dificuldade para entender por que isso aconteceu naquela embaixada em particular e por que cidadãos naturalizados estão sendo visados.
"Nunca obtive resposta para essa pergunta", disse Yaman Salahi, um dos advogados de Omar que é membro do Asian Law Caucus. "Eu acho que alegariam uma postura 'antifraude'. Mas não ouvi isso de modo direto."
Em meados do ano passado, a CLEAR e o grupo legal de Salahi integraram uma coalizão de nove organizações de direitos civis que enviou um relatório à Organização das Nações Unidas, detalhando suas preocupações a respeito do que acreditam ser um padrão sistemático –-e injustificado-– de confisco de passaportes na embaixada em Sanaa.
Fraude de imigração é considerada disseminada no Iêmen, dizem as autoridades, por vários motivos: falta de registros centralizados, padrão de viagens frequentes entre os Estados Unidos e o Iêmen, e um processo relativamente não monitorado de obtenção de passaportes iemenitas –-que podem ser usados para obtenção de vistos americanos. Documentos mostram que a embaixada está particularmente focada em prevenir essas fraudes.
Em 2009, a embaixada americana enviou um cabograma diplomático, vazado pelo WikiLeaks, alertando outros consulados americanos na Europa e Oriente Médio sobre pedidos fraudulentos de visto. "Devido ao ambiente geral de fraude, todos os casos de visto de imigração devem ser considerados fraudulentos até que se prove o contrário", dizia o cabograma.
O clima de suspeita aumentou após uma tentativa de atentado a bomba no Natal de 2009 em um voo da Northwest Airlines, por um homem nigeriano ligado à Al Qaeda na Península Árabe.
"Apesar da seção consular em Sanaa estar atuando de modo admirável, falta de funcionários e acúmulo de trabalho aumentam o risco à segurança interna americana devido à fraude generalizada e à ameaça de terrorismo", disse um relatório do inspetor-geral do Departamento de Estado.
Os advogados de Omar e Mohammed disseram que os funcionários da embaixada nunca acusaram seus clientes de serem uma ameaça à segurança nacional. Em vez disso, eles os acusaram de terem dado um nome falso em seus certificados de naturalização, que repetiram em seus passaportes. Ambos os homens disseram não reconhecer os nomes alegados pela embaixada como sendo seus verdadeiros. Isso equivale a um "ataque colateral" à cidadania de seus clientes, disseram os advogados.
Omar imigrou para os Estados Unidos em 1972, trabalhando em uma fábrica da Chrysler nos arredores de Detroit antes de abrir pequenos negócios no Norte da Califórnia. Ele visitou a embaixada em Sanaa em 23 de janeiro de 2013, apenas dois dias depois de Mohammed, para tentar obter um passaporte para sua filha mais velha. Em vez disso, disse Omar, ele foi interrogado de modo agressivo por David W. Howell, um funcionário do Serviço de Segurança Diplomático do Departamento de Estado, juntamente com um intérprete. Dois outros advogados disseram que Howell também conduziu os interrogatórios de seus clientes naquele ano.
Quando contatado na embaixada americana em Paris neste mês, Howell, que trabalhou na embaixada no Iêmen por dois anos, se recusou a comentar e encaminhou as perguntas ao Departamento de Estado.
Omar disse: "Eu comecei a me perguntar, será que fiz algo errado? Eu senti que algo muito ruim ia acontecer comigo. Eu comecei a pensar nos problemas envolvendo a Al Qaeda e o Iêmen".
Durante o interrogatório, ele disse, ele começou a se sentir mal e assinou o documento apenas para que pudesse partir.
"Eu senti que toda minha vida tinha sido jogada fora, toda minha vida na América", ele disse. Um ano depois, Omar obteve um passaporte temporário para voltar aos Estados Unidos.
A filha dele, Naeema Omar, 29, disse que seu pai resolveu processar para que outras famílias não precisem passar pela mesma provação. "Não acho que exista algo que possam fazer ou dizer capaz de apagar tudo isso", ela disse.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Pelo menos 20 outros iemenita-americanos de Nova York à Califórnia contam histórias semelhantes de terem seus passaportes revogados em Sanaa. No mês passado, Mosed Shaye Omar, 64, um cidadão americano naturalizado desde 1978 que vive em San Francisco, processou o Departamento de Estado e o secretário John Kerry, alegando que foi coagido a reconhecer que tinha um nome diferente daquele presente em seu passaporte.
Até mesmo para uma agência federal com reputação entre os críticos de ser excessivamente dura ao decidir quem pode ou não entrar nos Estados Unidos, dizem advogados, o que aconteceu em Sanaa parece particularmente chocante. Segundo eles, cidadãos americanos estão sendo desnacionalizados sem nenhum motivo aparente, fora sua origem iemenita.
"Nunca vi isso acontecer em nenhum outro país". disse Jan Brown, um advogado de imigração em Manhattan, que há décadas representa iemenita-americanos, incluindo cinco clientes cujos passaportes foram confiscados em Sanaa. "Ficou óbvio para mim que, desde anos atrás, a embaixada estava se tornando, se não paranoica, muito mais hostil e cheia de suspeita de pessoas que vinham pedir vistos como parentes de cidadãos."
Brown, copresidente do comitê de imigração e nacionalidade da Ordem dos Advogados do Estado de Nova York, disse acreditar que a postura se deve, em parte, à ascensão da Al Qaeda na Península Árabe. "Porque você não vê pessoas na Suécia tendo as mesmas dificuldades que as pessoas no Iêmen", ele disse.
A embaixada em Sanaa ficou fechada em fevereiro, depois que a Arábia Saudita lançou ataques contra os rebeldes houthis no Iêmen, aumentando a agitação civil e gerando ameaças de segurança aos cidadãos americanos. Agora, aqueles que tiveram seus passaportes apreendidos temem pelos parentes que ficaram para trás, no caminho da guerra.
"Eu não sei o que vai acontecer", disse Omar, em uma entrevista por telefone de San Francisco. Ele falou em árabe, traduzido por seus advogados da Asian Americans Advancing Justice-Asian Law Caucus.
"Sem um passaporte, sou apenas um animal", ele disse. "Não posso deixar o país."
Mohammed, que teve uma audiência administrativa em abril no Departamento de Estado, em Washington, disse ainda ter esperanças.
"Eu me sinto bem porque este é um país livre", ele disse em inglês, acrescentando em árabe. "Ainda acredito que há lei, que há liberdade, direitos humanos."
Mohammed, 44, pai de sete e cuja esposa também é cidadã americana, falou recentemente no escritório no Queens de seus advogados, em uma clínica legal gratuita conhecida como CLEAR, sigla em inglês para Criando Prestação de Contas e Responsabilidade entre as Autoridades. Ela é operada pela Escola de Direito da Universidade de Nova York.
"Há um grau de estigma resultante desse tipo de, não há outra forma de chamá-la, punição extrajudicial", disse Ramzi Kassem, um professor de Direito da Universidade de Nova York e diretor da CLEAR.
"Agora que ele voltou aos Estados Unidos sem um passaporte válido, ele está sendo privado da liberdade fundamental de viajar para o exterior", disse Kassem, acrescentando: "Na prática, ele agora é um prisioneiro em seu próprio país".
O governo federal pode revogar um passaporte se acreditar que foi obtido ilegalmente ou por meio de fraude. Ele deve fornecer uma explicação por escrito para a revogação e oferecer uma oportunidade para uma audiência administrativa. Nenhum dos dois aconteceu no caso de Omar ou de Mohammed, segundo seus advogados.
Múltiplas sondagens junto ao Departamento de Estado sobre o número de passaportes revogados em Sanaa e os motivos para isso foram respondidas com a mesma declaração: "Não podemos comentar sobre assuntos que possam estar envolvidos em litígio pendente. Em geral, o Departamento de Estado revoga os passaportes americanos por motivos estabelecidos na lei federal e nas regulações federais".
Os advogados envolvidos nesses casos estão tendo dificuldade para entender por que isso aconteceu naquela embaixada em particular e por que cidadãos naturalizados estão sendo visados.
"Nunca obtive resposta para essa pergunta", disse Yaman Salahi, um dos advogados de Omar que é membro do Asian Law Caucus. "Eu acho que alegariam uma postura 'antifraude'. Mas não ouvi isso de modo direto."
Em meados do ano passado, a CLEAR e o grupo legal de Salahi integraram uma coalizão de nove organizações de direitos civis que enviou um relatório à Organização das Nações Unidas, detalhando suas preocupações a respeito do que acreditam ser um padrão sistemático –-e injustificado-– de confisco de passaportes na embaixada em Sanaa.
Fraude de imigração é considerada disseminada no Iêmen, dizem as autoridades, por vários motivos: falta de registros centralizados, padrão de viagens frequentes entre os Estados Unidos e o Iêmen, e um processo relativamente não monitorado de obtenção de passaportes iemenitas –-que podem ser usados para obtenção de vistos americanos. Documentos mostram que a embaixada está particularmente focada em prevenir essas fraudes.
Em 2009, a embaixada americana enviou um cabograma diplomático, vazado pelo WikiLeaks, alertando outros consulados americanos na Europa e Oriente Médio sobre pedidos fraudulentos de visto. "Devido ao ambiente geral de fraude, todos os casos de visto de imigração devem ser considerados fraudulentos até que se prove o contrário", dizia o cabograma.
O clima de suspeita aumentou após uma tentativa de atentado a bomba no Natal de 2009 em um voo da Northwest Airlines, por um homem nigeriano ligado à Al Qaeda na Península Árabe.
"Apesar da seção consular em Sanaa estar atuando de modo admirável, falta de funcionários e acúmulo de trabalho aumentam o risco à segurança interna americana devido à fraude generalizada e à ameaça de terrorismo", disse um relatório do inspetor-geral do Departamento de Estado.
Os advogados de Omar e Mohammed disseram que os funcionários da embaixada nunca acusaram seus clientes de serem uma ameaça à segurança nacional. Em vez disso, eles os acusaram de terem dado um nome falso em seus certificados de naturalização, que repetiram em seus passaportes. Ambos os homens disseram não reconhecer os nomes alegados pela embaixada como sendo seus verdadeiros. Isso equivale a um "ataque colateral" à cidadania de seus clientes, disseram os advogados.
Omar imigrou para os Estados Unidos em 1972, trabalhando em uma fábrica da Chrysler nos arredores de Detroit antes de abrir pequenos negócios no Norte da Califórnia. Ele visitou a embaixada em Sanaa em 23 de janeiro de 2013, apenas dois dias depois de Mohammed, para tentar obter um passaporte para sua filha mais velha. Em vez disso, disse Omar, ele foi interrogado de modo agressivo por David W. Howell, um funcionário do Serviço de Segurança Diplomático do Departamento de Estado, juntamente com um intérprete. Dois outros advogados disseram que Howell também conduziu os interrogatórios de seus clientes naquele ano.
Quando contatado na embaixada americana em Paris neste mês, Howell, que trabalhou na embaixada no Iêmen por dois anos, se recusou a comentar e encaminhou as perguntas ao Departamento de Estado.
Omar disse: "Eu comecei a me perguntar, será que fiz algo errado? Eu senti que algo muito ruim ia acontecer comigo. Eu comecei a pensar nos problemas envolvendo a Al Qaeda e o Iêmen".
Durante o interrogatório, ele disse, ele começou a se sentir mal e assinou o documento apenas para que pudesse partir.
"Eu senti que toda minha vida tinha sido jogada fora, toda minha vida na América", ele disse. Um ano depois, Omar obteve um passaporte temporário para voltar aos Estados Unidos.
A filha dele, Naeema Omar, 29, disse que seu pai resolveu processar para que outras famílias não precisem passar pela mesma provação. "Não acho que exista algo que possam fazer ou dizer capaz de apagar tudo isso", ela disse.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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