Martin Fackler - NYT
Alaa Badarneh/EFE
20.jan.2015 - O primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe (à esquerda), concede entrevista aos jornalistas acompanhado pelo presidente palestino, Mahmoud Abbas, na cidade de Ramallah, na Cisjordânia, nesta terça-feira (20). Segundo fontes do governo japonês, Abe cancelou parte de sua viagem ao Oriente Médio por conta dos dois reféns japoneses que foram ameaçados de morte pelo Estado islâmico. O grupo terrorista pediu US$ 200 milhões para libertar os reféns
Foi um
ato inesperado de protesto que abalou o mundo cuidadosamente gerido da
mídia do Japão: Shigeaki Koga, um comentarista regular de televisão e um
forte crítico do establishment político, se desviou abruptamente da
conversa roteirizada durante um programa de notícias ao vivo na TV para
anunciar que aquele seria seu último dia no programa, porque, como ele
colocou, os executivos da emissora sucumbiram à pressão política para
sua remoção.
"Eu venho sofrendo ataques intensos pelo gabinete
do primeiro-ministro", disse Koga ao apresentador visivelmente
boquiaberto, dizendo que foi removido como comentarista devido às
críticas que vinha fazendo ao primeiro-ministro Shinzo Abe.
Posteriormente no programa, Koga exibiu um cartaz dizendo "Eu não sou
Abe", uma brincadeira com o slogan de solidariedade aos jornalistas
mortos em janeiro em um jornal satírico francês.O repente causou uma tempestade popular, e não apenas devido ao espetáculo de Koga, um ex-funcionário público de elite sisudo, jogando fora sua carreira como comentarista de televisão diante de milhões de espectadores. Sua demonstração irada de desafio também voltou a atenção nacional para a pressão cada vez mais forte do governo de direita contra a imprensa para redução das críticas.
Muitos jornalistas e especialistas em política dizem que o governo Abe está tentando promover uma mudança fundamental no equilíbrio de poder entre seu governo e a mídia, usando táticas para silenciar as críticas que vão muito além que qualquer coisa tentada por seus antecessores e que frustram muitos jornalistas. Isso inclui esforços mais agressivos de queixas junto aos chefes de jornalistas e comentaristas críticos como Koga, e retaliação mais ruidosa contra veículos que persistem em atacar o governo. Ao mesmo tempo, Abe vem tentando conquistar importantes executivos da mídia e importantes jornalistas com almoços privados de sushi.
"O governo Abe está demonstrando uma obsessão pela mídia que beira a paranoia", disse Keigo Takeda, um ex-editor-chefe da "Newsweek Japan" que agora é um respeitado jornalista free-lance. "Eu nunca vi esforços desse nível para microgerir jornais e programas de TV específicos."
Apesar das autoridades do governo negarem a tentativa de coibir a liberdade de expressão, muitos jornalistas, comentaristas e especialistas em mídia dizem que a campanha do governo abafou a cobertura do governo Abe. Eles dizem que veículos antes agressivos como o "Hodo Station", o programa de notícias no qual Koga atuava como comentarista, agora estão censurando sua própria cobertura, removendo vozes críticas para evitar provocar a ira oficial.
Algumas críticas também são feitas aos veículos de imprensa por se curvarem sem lutar, particularmente considerando que algumas dessas táticas são consideradas rotineiras em outras democracias, como os Estados Unidos. Muitos importantes órgãos de imprensa são acusados de autocensura, renovando a atenção ao que especialistas daqui dizem ser uma fraca tradição entre a imprensa japonesa de vigiar o poder. Acadêmicos descrevem um sentimento de medo se espalhando além da mídia para a sociedade em geral, inclusive na educação, onde o governo Abe está pressionando os editores de livros didáticos a aderirem mais estreitamente à posição oficial em assuntos como o massacre de Nanquim de 1937 e a exploração de mulheres em bordéis militares no tempo da guerra.
"Esses ataques sem precedentes ao 'The Asahi' e outros veículos de mídia estão criando uma conformidade na qual toda a sociedade se torna temerosa de dizer algo diferente", disse Tatsuro Hanada, um professor de estudos de mídia da Universidade Waseda, em Tóquio. "Abe está usando isso habilmente para seus próprios fins políticos."
As acusações de Koga oferecem um raro vislumbre de como programas de notícias altamente críticos parecem ter baixado o tom de sua cobertura.
Apesar de nunca ter sido um favorito do Partido Democrático Liberal do governo, o "Hodo Station" sentiu a pressão crescer após um programa no final de janeiro, no qual Koga criticou a forma como Abe lidou com a crise dos reféns na Síria, que resultou na morte dos dois reféns japoneses. Funcionários da emissora que exibe o "Hodo Station", a "TV Asahi", que pediram para não serem identificados porque ainda trabalham lá, e Koga disseram que antes mesmo do fim do programa, os repórteres políticos da rede já recebiam telefonemas e e-mails dos secretários do gabinete do primeiro-ministro.
Eles disseram que a tática pareceu ser bem-sucedida em voltar os repórteres da rede contra o "Hodo Station", que conta com uma equipe de produção separada. Os repórteres e seus editores passaram a exigir que o programa lhes mostrasse seus roteiros antecipadamente para assegurar uma cobertura "equilibrada", algo que o produtor do "Hodo Station" resistiu. O governo aumentou a pressão contra o programa em fevereiro, quando um alto funcionário do governo Abe, o chefe de gabinete Yoshihide Suga, fez uso de um briefing em off com os jornalistas para criticar os comentários "completamente equivocados" sobre o incidente dos reféns por um "comentarista de televisão".
Segundo uma transcrição do briefing em 24 de fevereiro, Suga alertou que a emissora pode ter infringido a lei ao transmitir os comentários. "Se fosse eu, eu diria a eles que violaram a lei de radiodifusão", disse Suga, rindo, segundo a transcrição.
Koga e outros disseram que a transcrição chegou ao presidente da "TV Asahi", Hiroshi Hayakawa. "Isso foi um alerta para a 'TV Asahi' se livrar de mim", disse Koga. "Suga sabia que esse memorando seria visto por todos os importantes órgãos de notícias, e seria mostrado ao presidente Hayakawa."
Segundo Koga, foi exatamente isso o que aconteceu. Em fevereiro, após 3 anos e meio aparecendo pelo menos uma vez por mês como comentarista no "Hodo Station", ele descobriu que não mais voltaria ao programa. Aproximadamente ao mesmo tempo, outro comentarista crítico e um produtor que se recusava a ceder à pressão política também foram removidos do programa.
Koga disse que isso levou à sua reação em 27 de março, sua última aparição como comentarista.
A emissora rejeitou os pedidos de entrevista. Seu presidente, Hayakawa, negou em uma coletiva de imprensa que pressão política exerceu um papel no que chamou de decisão rotineira de mudança no quadro de comentaristas. Suga disse aos repórteres que as acusações de Koga de pressão política são "infundadas".
Mesmo assim, o partido do governo manteve a pressão, convocando executivos da "TV Asahi" duas semanas atrás para explicarem como foi permitido que Koga fizesse suas acusação ao vivo pela televisão.
O partido explicou a convocação dos executivos dizendo que as próprias acusações podem ter violado a lei de radiodifusão.
"Alguns não gostam do método dele, mas o sr. Koga chamou a atenção de todos à pressão do governo Abe sobre a mídia", disse Takashi Uesugi, um crítico de mídia e ex-pesquisador do "The New York Times", que comanda um programa de notícias independente online. "Isso foi uma verdade inconveniente tanto para o governo quanto para os jornalistas que se autocensuraram."
George El Khouri Andolfato
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