Hasnain Kazim - Der Spiegel
Reuters
O turco Selahattin Demirtas, dirigente do partido pró-curdo (Partido Democrático do Povo)
Em uma entrevista para a "Spiegel", o principal político de oposição curdo, Selahattin Demirtas, pede por um cessar-fogo entre o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e o Partido dos Trabalhadores do Curdistão.
Demirtas, 42, copresidente do Partido Democrático Popular (HDP), é amplamente considerado como vencedor na eleição no início de junho. Seu carisma se deve principalmente ao fato de seu partido ter recebido 13% do voto popular, tornando-se o primeiro partido curdo a conquistar um mandato no Parlamento turco e impedindo que o Partido Justiça de Desenvolvimento (AKP) obtivesse maioria absoluta. Para a entrevista, Demirtas recebeu a "Spiegel" na nova sede parlamentar de seu partido em Ancara. A sala é grande e clara e sua mesa é flanqueada tanto pela bandeira turca quanto pela de seu partido.
Spiegel: Sr.
Demirtas, seu sucesso há dois meses deu esperança a muitas pessoas
dentro e fora da Turquia, que o saudaram como um marco para a
democracia. Mas hoje, o país ameaça retornar a uma condição de guerra
civil. Como chegou a isto?Em uma entrevista para a "Spiegel", o principal político de oposição curdo, Selahattin Demirtas, pede por um cessar-fogo entre o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e o Partido dos Trabalhadores do Curdistão.
Demirtas, 42, copresidente do Partido Democrático Popular (HDP), é amplamente considerado como vencedor na eleição no início de junho. Seu carisma se deve principalmente ao fato de seu partido ter recebido 13% do voto popular, tornando-se o primeiro partido curdo a conquistar um mandato no Parlamento turco e impedindo que o Partido Justiça de Desenvolvimento (AKP) obtivesse maioria absoluta. Para a entrevista, Demirtas recebeu a "Spiegel" na nova sede parlamentar de seu partido em Ancara. A sala é grande e clara e sua mesa é flanqueada tanto pela bandeira turca quanto pela de seu partido.
Demirtas: O AKP, o partido do presidente Recep Tayyip Erdogan, causou esta situação deliberadamente. Até as eleições de junho, eles governaram a Turquia unilateralmente por mais de uma década. Mas não conseguiram bloquear nossa ascensão ao poder, de modo que optaram por fomentar o caos no país. Essa é a única explicação possível para a guerra deles contra o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK).
Spiegel: O senhor chegou a alegar que o ataque pela milícia terrorista Estado Islâmico em Suruc, no qual 32 pessoas foram mortas, foi instigado pelo governo como pretexto para o conflito armado. O senhor tem alguma prova?
Demirtas: Se você fala em documentos que provem que o Estado esteve envolvido, não, não temos. Mas há indicações claras. Nossa pesquisa sugere que esse ataque pelo EI só foi possível por causa do governo do AKP, que por anos tolerou as atividades dos extremistas na Turquia.
Spiegel: E quanto aos ataques mortais contra as forças de segurança turcas pelo Partido dos Trabalhadores do Curdistão? Esses ataques não confirmam ainda mais que o PKK é uma organização terrorista?
Demirtas: Eu não sei por que o PKK fez aquilo, mas não deveria. Essa não é a forma apropriada de agir. Nós pedimos urgentemente ao PKK e ao governo turco que baixem suas armas. É preciso que haja um cessar-fogo mútuo.
Spiegel: O PKK executou dois policiais –-e isso foi antes do início do bombardeio turco.
Demirtas: Esse ato foi de fato um capítulo sombrio e sujo. Foi uma vingança pelo ataque em Suruc, cometido por uma unidade local do PKK. A organização maior não reivindicou a responsabilidade. Parece-me que elementos individuais buscavam provocar o Estado turco.
Spiegel: Seus detratores alegam que o HDP e o PKK são afiliados um do outro. Vocês estão estreitamente conectados de alguma forma?
Demirtas: É claro que ocorreram reuniões. Nós nos sentamos à mesma mesa durante as negociações de paz nos últimos anos. Nós também falamos com o líder do PKK, Abdullah Öcalan, em sua cela na prisão na ilha de Imrali, no Mar de Mármara. As palavras dele têm grande peso em seu movimento. Para nós, trata-se de uma mediação dentro da estrutura da lei. Fora isso, não há conexão estrutural entre nós. Não somos o braço político do PKK, como nossos detratores nos acusam.
Spiegel: O senhor teme que seu partido seja proibido, como alguns linhas-duras do AKP estão exigindo?
Demirtas: Apesar de não haver um Judiciário independente na Turquia, eu não acredito que o Tribunal Constitucional permitiria que nosso partido fosse banido. Erdogan sabe muito bem que não pode simplesmente proibir o HDP. Mas ele deseja suspender a imunidade de membros individuais do Parlamento que considera como terroristas. Ele deseja criminalizar nosso partido para que nosso apoio público diminua.
Spiegel: Na quinta-feira, o gabinete do procurador-geral anunciou que estava abrindo uma investigação contra o senhor por incitamento de protestos armados.
Demirtas: Erdogan não pode aceitar nenhuma perda adicional de poder por causa da ameaça de investigações de corrupção contra ele. Desde que ele perdeu a maioria no Parlamento, ele se sente acuado. Esse é o motivo para ele inventar essas conspirações, visando gerar conflito. Isso inclui as acusações contra mim.
Spiegel: Desde junho, nenhuma coalizão de governo foi formada. Haverá novas eleições após esta mais recente escalada?
Demirtas: Sim, há a possibilidade. Eu diria que há 50% de chances. Nas circunstâncias atuais, uma coalizão entre o HDP e o AKP é impensável. Caso chegue a uma campanha eleitoral, eles tentarão nos difamar nos vinculando a violência e terror. Mas estou convencido de que as pessoas nos verão, como fizeram durante as eleições de junho, como uma chance de paz. O AKP perderia ainda mais votos em uma nova eleição, enquanto nós certamente nos sairíamos ainda melhor do que os 13% que obtivemos da última vez.
Spiegel: O que Öcalan, o líder do PKK, tem a dizer sobre a situação atual?
Demirtas: Não sei. Ele enfrenta atualmente um isolamento rígido em sua cela. Ninguém fala com ele há quatro meses. Nem seu advogado, nem sua família, nem nenhum político.
Spiegel: O governo turco diz que está combatendo todos os "terroristas" igualmente. Por que o senhor vê a abordagem dele como sendo principalmente uma campanha contra os curdos?
Demirtas: Veja, por exemplo, o número de pessoas presas em batidas por toda a Turquia recentemente. Quantos membros do EI estão entre elas? Poucas dezenas? Por outro lado, mais de mil curdos foram presos, particularmente os jovens, com base de serem simpatizantes do PKK. Esses números dizem tudo.
Spiegel: O senhor esperava que isso acontecesse após a eleição?
Demirtas: Eu não duvidaria de nada envolvendo Erdogan antes da eleição, independente de quão louco. Ele é perfeitamente capaz de incendiar o país para se manter no poder. Temos testemunhado uma mudança preocupante já há algum tempo. A democracia que conseguimos arduamente na Turquia está ruindo. Está piorando a cada dia.
Spiegel: O senhor espera que o país volte à guerra civil, como nos anos 80 e 90, quando o PKK e as forças armadas se enfrentavam e cerca de 40 mil pessoas morreram?
Demirtas: Não, a sociedade turca não permitiria isso. Ela não deseja mais derramamento de sangue. O AKP, entretanto, adoraria esse caos para que se beneficiasse. Mas acho que um retorno à guerra civil pode ser descartado.
Spiegel: Talvez o senhor devesse dizer isso ao PKK, que é em parte responsável pelo caos, após assassinar policiais e soldados.
Demirtas: Estou certo que o PKK aceitaria um cessar-fogo que também fosse respeitado pelo lado turco. Se a Turquia parasse seus bombardeios e batidas contra o PKK nas cidades turcas e voltasse às negociações de paz, nós poderíamos ter um cessar-fogo no mesmo dia.
Spiegel: O homem-bomba de Suruc era supostamente um curdo. Quantos curdos são membros do Estado Islâmico e por quê?
Demirtas: Pelo que ouvimos, há mais de 1.000 curdos no EI. Afiliação a um certo grupo étnico não tem nada a ver com os pontos de vista políticos da pessoa. Isso não protege ninguém de erros crassos. Nós aprendemos que temos que desenvolver novos programas para impedir que nossos jovens se juntem aos extremistas.
Spiegel: Por um lado, os Estados Unidos apoiam os curdos em sua luta contra o EI. Por outro, os americanos se calam quando bombas turcas atingem posições curdas no norte do Iraque e no norte da Síria. O senhor se sente traído por Washington?
Demirtas: Os curdos se responsabilizam pela paz e estabilidade na região. Trabalhar com os curdos facilita a segurança em todos os países envolvidos. Eu critico os Estados Unidos por permitirem os ataques aéreos turcos contra o PKK nos Montes Qandil, no norte do Iraque, apenas para que Ancara permita que utilizem a base aérea de Incirlik em sua luta contra o EI. Isso não faz sentido.
Spiegel: O senhor prefere a posição alemã?
Demirtas: A Alemanha parabeniza a Turquia por sua ação contra o EI, mas a critica pelos bombardeios desproporcionais contra posições curdas. Acho que os políticos alemães têm um melhor entendimento da situação.
Spiegel: A OTAN deveria exercer pressão sobre sua aliada, a Turquia?
Demirtas: A Turquia foi bem-sucedida em convencer os Estados Unidos a concordarem com uma zona de proteção no norte da Síria. A OTAN provavelmente também apoia isso, mas é desvantajosa para os curdos ali. O governo em Ancara deseja usar essa zona como palco de manobra para uma ação contra eles. Se essa zona for criada, então deveria ser feito juntamente com as forças curdas.
Spiegel: O senhor entende a preocupação da Turquia de que os curdos na Síria poderiam buscar o estabelecimento de seu próprio Estado?
Demirtas: Os curdos sírios não desejam a desintegração do Estado sírio. Mas desejam mais autonomia, para que possam ter mais livre arbítrio. A Turquia não tem motivos para temer isso. Por que uma entidade dessas na fronteira representa uma ameaça à Turquia? Ancara deveria estar bem mais preocupada em melhorar suas relações com os curdos. Ter o EI na fronteira com a Turquia é um risco muito maior.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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