sábado, 1 de agosto de 2015

Cidade mais azulejada do mundo, Lisboa briga com os 'furtos de paredes'
Lisboa tenta pôr fim ao furto dos azulejos de suas fachadas. Todo ano desaparecem mais de 10 mil unidades
Javier Martín - El País
Há amores que matam, e o de Lisboa é um deles. O turista quer levar a cidade no coração e de passagem, se puder, também na mala. Algumas vezes é uma simples pedra de uma de suas ladeiras íngremes, mas outras vão além e levam um azulejo da casa que roubou sua alma.
Há dois anos, duplicaram-se as denúncias de furtos de azulejos em Lisboa, coincidindo com um aumento espetacular da chegada de visitantes à capital portuguesa. Leonor Sá, diretora da SOS Azulejo, nega-se a atribuir este problema ao turismo. "Creio que se começa a valorizar o que temos, e portanto se denuncia mais. Se não apreciamos a fachada de nossa casa, tampouco vamos consertá-la, e a deterioração fomenta o vandalismo."
A cada ano são roubados em Lisboa cerca de 10 mil azulejos, seja por indivíduos que depois os vendem em mercados paralelos ou por obra de bandos organizados que buscam painéis completos em igrejas ou palácios abandonados. Foi o caso recente da capela da Quinta da Flamenga, que perdeu todo o seu precioso revestimento formado por milhares de peças. Embora o preço dependa do tamanho e da antiguidade, um bom painel vale dezenas de milhares de euros.
A SOS Azulejo nasceu há oito anos para frear o espólio da cidade azulejo a azulejo. Assim que entrou em ação, as denúncias diminuíram 80%. "Bastou publicar na web as imagens dos painéis roubados para que começassem a ser recuperados. Apareceram até em museus nacionais", lembra Sá. Mas esse é o caso de representações figurativas; as geométricas são mais fáceis de comercializar.
Lisboa é a cidade mais azulejada do mundo. Os cartazes ou anúncios luminosos de outros lugares aqui eram painéis de azulejos que representavam a leiteria Camponeza, os banhos públicos ou uma humilde parada de trem. A beleza está à vista de todos em qualquer parte, e por isso ainda é mais difícil sua preservação. "O governo pretende que essas fachadas de Lisboa sejam patrimônio da humanidade, mas para isso é preciso ditar leis protetoras", reclama Leonor Sá.
Entre 1980 e 2000, Lisboa perdeu 25% dos azulejos artísticos, mas nem sempre por furtos. A picareta era a maior ameaça "a este patrimônio coletivo único". Por isso, a prefeitura proibiu a demolição de fachadas com azulejos e também a retirada das cerâmicas. "A mudança é de 180 graus", explica Sá. "Passamos de uma situação em que os conservacionistas tínhamos de provar o valor da fachada a que sejam as construtoras quem prove sua falta de valor."
Mas a pequena destruição de paredes continua. Onde desaparece um azulejo, logo cai o segundo e o terceiro... "O grande perigo é a falta de conservação de uma propriedade que é privada, embora esteja em público. Algumas prefeituras, como as de Aveiro e Porto, advertem o dono sobre a deterioração de sua propriedade, inclusive lhe oferecem seu armazém de azulejos, caso hajam iguais."
A luta contra o espólio depende da sensibilidade dos municípios. "Nós pretendemos uma legislação nacional que proíba a retirada de azulejos, à margem de qualquer declaração de patrimônio, sempre muito complicada", diz Sá, que tem muito trabalho pela frente.
Basta visitar a típica Feira da Ladra, junto ao Panteão Nacional, para se comprar uma cerâmica com séculos de história por 10 euros; se não, é entrar no eBay, onde se encontram às centenas, ou, se quiserem garantias, ir à loja de Manuel Leitão e escolher entre suas mais de 500 mil unidades.
"Alguns propõem que, como no caso do marfim, se proíba o comércio de azulejos", diz Sá. "Não queremos ser tão radicais, preferimos ir pouco a pouco removendo consciências."
A única arma de Leonor Sá é a palavra. Não tem orçamento para salvar sua cidade, enquanto assiste à moda dos tuk-tuk e das guias alternativas, que percorrem a cidade em busca de paredes com os últimos grafites e se esquecem do azulejo, a street art que faz de Lisboa uma cidade inimitável.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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