domingo, 29 de julho de 2012

NA AMÉRICA DO SUL A DEMOCRACIA PERDE LUGAR PARA O AVANÇO DO SOCIALISMO BOLIVARIANO


Na América Latina, Chávez, Correa e Kirchner obrigam TVs privadas a transmitir seus discursos

Francisco Peregil - El Pais
Em Buenos Aires (Argentina)

  • 1.dez.2011 - AP
    Hugo Chávez, presidente da Venezuela, entrega retrato de Nestor Kirchner a Cristina Kirchner, no final de 2011
    Hugo Chávez, presidente da Venezuela, entrega retrato de Nestor Kirchner a Cristina Kirchner, no final de 2011
A presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, se transformou na semana passada em um dos chefes de Estado da América Latina que mais mensagens transmite por ano em rede nacional, isto é, com a interrupção obrigatória de toda a programação pública e privada para transmitir suas palavras.
Kirchner pronunciou, em cinco dias, quatro discursos televisivos, três dos quais foram transmitidos por todas as emissoras do país. Somou assim 11 redes nacionais desde que assumiu seu mandato há oito meses. A presidente só é superada nesse campo pelo venezuelano Hugo Chávez e pelo equatoriano Rafael Correa.
Apesar de Kirchner ter recebido críticas pelo abuso da rede depois da segunda mensagem transmitida em uma semana --aquela em que se referiu ao ministro da Economia espanhol, Luis de Guindos, como "aquele careca"--, no dia seguinte voltou utilizar essa prerrogativa para inaugurar uma feira de tecnologia. E voltou a receber críticas.
Com suas 11 redes em oito meses, Kirchner supera as 11 mensagens pronunciadas no Chile por Sebastián Piñera desde março de 2010, as cerca de 20 redes que emitiu o presidente mexicano Felipe Calderón em seis anos, as sete da brasileira Dilma Rousseff desde janeiro de 2011 e as três do uruguaio José Mujica desde março de 2010.
Cristina Kirchner também supera as 16 alocuções pronunciadas pelo colombiano Juan Manuel Santos em 24 meses, desde agosto de 2010. Santos costuma iniciar seus discursos pedindo "desculpas pela interrupção", já que costumam ser transmitidas no horário de audiência máxima, quando milhões de colombianos desfrutam de suas telenovelas preferidas.
E supera igualmente o boliviano Evo Morales, que só recorreu a esse instrumento uma vez em 2012, para celebrar o aniversário de seu governo. Embora a lei na Bolívia obrigue todos os canais a sintonizar a mensagem do presidente, muitas emissoras privadas não o fizeram. Nem sequer se conectaram à mensagem que ele pronunciou nas emissoras estatais em março devido a um motim da polícia.
As sete ocasiões em que Dilma Rousseff utilizou a rede nacional foram por ocasião da abertura do ano escolar, do Dia do Trabalho, das Mães, das Mulheres, do Ano Novo ou da independência nacional. Piñera, no Chile, costuma usá-la para anunciar as contas públicas e também, em três ocasiões, para divulgar acordos em matéria de educação, setor em que seu governo sofreu mais críticas.
No Peru não existem normas que obriguem os canais a sintonizar em rede. De fato, a expressão rede nacional só é familiar para os que já passaram muito dos 30 anos. Apesar disso, o presidente Ollanta Humala divulga seus discursos durante os dias de festa nacional pelos canais do Estado. E as emissoras privadas procuram sintonizá-lo, mas não têm a obrigação de usar o mesmo sinal.
Na Argentina, algumas vezes o motivo das mensagens é conhecido com antecedência, como no aniversário da independência. Mas, em outras ocasiões, se desconhece completamente o tema sobre o qual versará o discurso. O governo anuncia que em algumas horas a presidente se dirigirá à nação em rede nacional, e todos os jornalistas aguardam o momento com expectativa. Algumas vezes suas mensagens podem ser de uma relevância inquestionável, como o anúncio da desapropriação de 51% das ações da Repsol-YPF em 16 de abril passado; outras vezes Kirchner se limita a inaugurar alguma feira e aproveita para se estender sobre as diversas conquistas de seu governo.
Durante décadas, em alguns países da América Latina se abusou das redes nacionais. No Paraguai, por exemplo, essa figura foi abolida depois da ditadura de Alfredo Stroessner exatamente devido ao uso constante que os militares fizeram dela. Agora os canais privados não têm obrigação de sintonizar as mensagens presidenciais. Quando o presidente quer dar maior difusão a sua mensagem de Natal, contrata espaços nos canais em que pretende divulgá-la.
No México, seu uso também se tornou muito moderado. "Aqui há um gasto enorme das instituições em meios de comunicação privados", explica Raúl Trejo, membro do Instituto de Pesquisas Sociais da Universidade Nacional Autônoma do México. "A presença mais importante do governo na mídia se produz através da publicidade paga. Mas o emprego da rede só é feito em casos excepcionais. Os últimos presidentes a utilizaram só para divulgar saudações de Ano-Novo ou para falar sobre alguma decisão relevante. Por exemplo, Felipe Calderón o fez em 1º de julho para reconhecer a vitória de Enrique Peña Nieto."
Na Venezuela, entretanto, o presidente Hugo Chávez soma neste ano 75 horas e 20 minutos em rede nacional. O número se deduz da contagem realizada pela ONG Monitoreo Ciudadano em sua página, mais a soma de 9 horas e 49 minutos que Chávez empregou em 13 de janeiro para apresentar as contas de seu mandato diante do Parlamento e que bateu seu próprio recorde.
Essas 75 horas foram registradas apesar do câncer que o presidente sofre há mais de um ano. Em outras épocas de melhor saúde, chegou a recorrer à rede nacional uma hora por dia. Com os governos anteriores essa prerrogativa só era usada quando havia anúncios muito importantes a fazer ou no dia de Ano-Novo. E em nenhum caso superavam meia hora de transmissão.
A Venezuela só se aproxima do Equador, onde, segundo a Fundação Ethos, com sede na Cidade do México, desde que o presidente Rafael Correa ascendeu ao poder, em 2007, até maio de 2011 foram contadas 1.025 redes nacionais. Essa cifra não inclui os comunicados cidadãos que todos os sábados Correa emite pelo espaço de três horas e que são veiculados por meios estatais e alguns canais privados. Só esses programas somam 280 emissões até hoje. Vários críticos rejeitaram a constante utilização que Correa faz das redes para combater a oposição e a mídia privada. O governo, por sua vez, indica que com seu uso só pretende "desvirtuar as mentiras repetidas e orquestradas por certos meios de comunicação".
Cristina Kirchner se encontra muito distante dos números apresentados por Chávez e Correa. Mas o terceiro lugar é indiscutivelmente dela.
Colaboraram Rocío Montes (Santiago), Francho Barón (Rio de Janeiro), Andrea Peña (Bogotá), Mabel Azcui (Cochabamba), Jacqueline Fowks (Lima), Maye Primera (Caracas), Pablo de Llano (México) e Paúl Mena (Quito)
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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