domingo, 8 de julho de 2012

TORRANDO O DINHEIRO PÚBLICO COM "CURTURA": PEÇAS DE TEATRO HORROROSAS, LIVROS ILEGÍVEIS, FILMES CHAPA BRANCA, MÚSICA SERTANEJA (SERTANOJO?), PAGODE, FUNK, RAP E OUTRAS DESGRACEIRAS DA VIDA. MAS, PARA UM PAÍS QUE TEVE DURANTE OITO ANOS UM PRESIDENTE QUE FALAVA "MENAS" E TEM AGORA UMA QUE NEM SABE FALAR, NÃO PODERIA SER DIFERENTE

O show do incentivo
FSP - Editorial
Reforma da Lei Rouanet pode se revelar pífia e incoerente; cai na Câmara a exigência de contrapartida financeira dos investidores em cultura
Enviado à Câmara dos Deputados em 2010, na gestão de Juca Ferreira no Ministério da Cultura (MinC), o projeto de reforma da Lei Rouanet, que ordena incentivos tributários a projetos culturais, se transforma em mais uma novela legislativa.
O texto, que sofre acréscimos e mudanças em comissões do Legislativo, já é comparado a uma espécie de "Código Florestal da cultura". As desavenças no território do fomento artístico parecem, contudo, mais próximas da pacificação do que as do campo ambiental.
O problema é que o caminho da conciliação, no caso do investimento em cultura, não é necessariamente o melhor. Isso fica atestado no retrocesso cometido pela Câmara em relação a um dos principais aspectos do projeto original, a exigência de contrapartidas financeiras por parte do investidor.
A atual legislação assegura a possibilidade de isenção no Imposto de Renda (IR) de até 100% do montante destinado a um projeto cultural. Além do mais, autorizar que o valor seja lançado na declaração como despesa operacional, o que amplia o benefício fiscal.
No texto encaminhado pelo MinC, o interessado em investir passaria a participar obrigatoriamente com ao menos 20% do total. A intenção era corrigir ou minimizar uma faceta das mais criticáveis da Lei Rouanet, que é permitir investimentos com dinheiro integralmente deduzido do Imposto de Renda -portanto, público.
O viés ideológico que marcou os debates à época da formulação da proposta -em parte por inabilidade do MinC- transformou esse tópico em alvo de fortes reações de produtores culturais, que temiam perder recursos. Não espanta, portanto, que a Câmara o tenha suprimido.
Pela versão presente, continua em vigor a possibilidade de uma empresa financiar iniciativa cultural com 100% de recursos oriundos de renúncia fiscal (dinheiro de impostos). Preserva-se, assim, um grave empecilho à formação de um sistema que induza ao genuíno investimento capitalista na área.
Para os que se opunham à contrapartida de 20%, obrigar empresas a desembolsar dinheiro próprio as levaria a buscar opções como a lei de incentivos fiscais ao esporte. O correto, no entanto, seria abolir a dedução de 100% também nas demais legislações de fomento.
A suposta compensação para o recuo da Câmara seria um sistema pelo qual cada projeto ganha pontos de acordo com seu interesse e contrapartidas sociais. Quanto mais exigências fossem cumpridas (como gratuidade, ações educativas etc.), mais o candidato a receber recursos se aproximaria do patamar de dedução integral. Especialistas, entretanto, afirmam que, na prática, não seria difícil para a maioria cumprir os requisitos.
Em mais uma suposta tentativa de dificultar o acesso ao abatimento integral por parte de produções com chances de obter retorno no mercado, a Câmara concedeu papel deliberativo à Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic).
Caberá a este colegiado composto por governo e sociedade civil determinar quais iniciativas teriam, ou não, "viabilidade comercial".
As que forem consideradas comercialmente viáveis serão obrigadas a buscar recursos em fundos de investimento -chamados
Ficart (Fundos de Investimento Cultural e Artístico). Tais fundos foram instituídos pela Lei Rouanet, mas não funcionam por falta de atrativo tributário. Pelo projeto, os interessados seriam contemplados com abatimento no IR de 50% do valor investido.
É correto o princípio, mas fica a dúvida sobre a efetiva composição da Cnic e os critérios que serão usados para determinar a "viabilidade comercial" -e se haverá interessados em correr risco nos fundos, uma vez que poderiam optar por iniciativas com 100% de isenção.
Além de reforçar o Ficart, a proposta em exame na Câmara também aumenta os valores do Fundo Nacional de Cultura. O FNC tem funcionado como uma espécie de complementação orçamentária para o MinC, cujos recursos -R$ 1,6 bilhão, em 2011- praticamente se esgotam em despesas de custeio.
Fortalecido, o FNC daria ao ministério mais dinheiro e capacidade de investir -e, por decorrência, mais poder político. Resta, entretanto, saber se a equipe econômica permitirá o aumento de renúncia previsto para turbinar o fundo.
Por fim, entre tantas sugestões duvidosas, é elogiável a ideia de conceder incentivos fiscais para doações a fundos de manutenção de fundações como a Bienal de São Paulo -"endowments" (dotações).
O projeto ainda vai a plenário e passará pelo Senado. Não faltará oportunidade para corrigir rumos.
É preciso reconsiderar a questão das contrapartidas do investidor e privilegiar o incentivo às atividades de formação e àquelas com menos capacidade comercial. Caso contrário, corre-se o risco de chegar a um resultado pífio e incoerente -que poderia levar à conclusão de que teria sido melhor manter a lei como está.

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