O ajuste cíclico engasga
Com ou sem o impedimento da presidente, o problema fiscal terá que ser resolvido ou não sairemos da crise
Samuel Pessôa - FSP
O ajuste do ministro Levy apresentava duas pernas. A primeira, promover o
ajuste cíclico da economia e retomar o crescimento. A segunda, a
construção, em dois ou três anos, de superavit fiscal estrutural que
estabilizasse a dívida pública como proporção do PIB.
Até algumas semanas atrás, o ajuste cíclico dava sinais de sucesso. A
desaceleração da economia e a desvalorização do câmbio já promovem forte
ajuste externo. O deficit externo, que foi de US$ 105 bilhões em 2014,
caminha para US$ 50 bilhões em 2016.
A expectativa de inflação caminhava para 5,5% em 2016 e 4,5%, na meta, em 2017. No entanto, a desinflação engasgou.
A incapacidade do governo e do Congresso em delinear plano consistente e
politicamente factível de construção de uma política fiscal sustentável
– a segunda perna do ajuste– contaminou o ajustamento cíclico.
A contínua piora fiscal e a incapacidade do Executivo e do Legislativo
em lidar com o problema tem aumentado o risco-país, fato agravado com a
perda do grau de investimento pela S&P há duas semanas.
A piora da percepção de risco induz desvalorização do câmbio, além do
que seria necessário pelos fundamentos do comércio internacional de bens
e serviços, e consequente piora da inflação.
As projeções do Ibre para a inflação em 2016 voltaram a descolar. Em vez
dos 5,0%, nossa projeção anterior, caminhamos para inflação em 2016 de
6,5%.
Além do repasse da desvalorização cambial, a piora do cenário
inflacionário resulta de maior inércia inflacionária do que
imaginávamos. A inflação de serviços, excluindo as voláteis passagens
aéreas, roda em 2015 num nível 0,2 ponto percentual acima do observado
em 2014. Tudo sugere que a inflação de serviços feche o ano em 8,4%!
Para piorar o quadro, a desaceleração tem sido bem maior do que a
esperada. O Ibre estima que a economia recuará 3,0% em 2015 e 2,1% em
2016. No triênio 2014-16, o PIB per capita cairá 7,5%, resultado próximo
do recuo de 7,8% no triênio do governo Collor, de 1990 até 1992.
A situação é dramática e piorará muito antes de melhorar. É importante
frisar que a desaceleração não está associada ao ajuste fiscal de Levy.
Nossos cálculos sugerem que a política fiscal somente entrará em terreno
contracionista no fim do ano. Até junho, ainda situava-se em terreno
levemente expansionista.
A parada na economia é consequência da enorme incerteza que um desajuste
fiscal não solucionado promove entre os agentes econômicos: a dívida
cresce em bola de neve e ninguém sabe como a questão será enfrentada.
Com ou sem o impedimento da presidente, o problema fiscal terá que ser
resolvido ou não sairemos da crise. Um programa mínimo que permita a
presidente levar seu governo ao término deveria contemplar os seguintes
itens:
1. Alteração para os próximos anos da regra de reajuste do mínimo, usando-se a meta inflacionária;
2. Introdução de idade mínima para a Previdência de 65 anos para homens e mulheres, com regra de transição em dez anos;
3. Aprovação da reforma do ICMS;
4. Aumento emergencial de carga tributária que pode ser a CPMF.
Este conjunto de medidas visa: quebrar a inércia inflacionária;
restaurar a solvência do Tesouro no longo prazo; sinalizar a retomada do
crescimento em razão de forte redução do custo de transação; e criar
fonte transitória de receita que, apesar dos custos sobre o crescimento,
ao aliviar a restrição fiscal nos próximos anos, ajuda a enfrentar a
ciclo vicioso em que nos metemos e que engasgou o ajuste cíclico.
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