O capim e os burros
Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Velha ilustração usada para ensinar as excelências da
cooperação (veja ao lado) mostra o que tem ocorrido entre governo
federal e Banco Central (BC). Dois burros atados por uma corda puxam em
direções opostas, cada um para a sua touceira de capim.
Ou seja, a política fiscal, que cuida das receitas e despesas do
governo federal, e a política monetária, que cuida do volume de dinheiro
na economia e, em consequência, dos juros básicos, quase nunca se
entendem. Ao deixar que as despesas cresçam bem mais do que as receitas,
a política fiscal cria renda demais e demanda demais e, portanto,
produz inflação. Enquanto isso, a política monetária, que restringe o
volume de moeda, tenta conter a inflação. O resultado, por enquanto, é
inflação alta, perda de confiança e tudo o mais que vem a reboque.
Quinta-feira, o ministro Guido Mantega admitiu que mais austeridade
ajuda o BC a derrubar a inflação.
Depois que Antonio Palocci foi substituído por Mantega na
administração Lula, governo federal e BC viviam em conflito. Mantega
pisava no acelerador das despesas e o então presidente do BC, Henrique
Meirelles, tratava de pisar nos freios. Às vezes, o presidente Lula
chamava ambos às falas, mas Mantega exigia que o BC se enquadrasse às
suas orientações, como prevê o organograma, e Meirelles operava como se
fosse autônomo. Na prática, tomava a política fiscal expansionista do
governo federal como dado de realidade para definir a política de juros.
O governo Dilma iniciou novo período de convergência para puxar o
consumo: Alexandre Tombini encarregou-se de derrubar os juros e Mantega
se atirou à gastança. A partir de abril de 2013, embora mais disfarçado
ou mesmo negado, o conflito ressurgiu. O governo federal foi perdulário
na administração das despesas públicas porque entendia que precisava
definir políticas contracíclicas, ou seja, precisava compensar com mais
gastos os efeitos recessivos da crise externa. Em seus documentos, o BC
deixou de reclamar da política expansionista do governo federal como
repetia até julho de 2013, e passou a afirmar que "a política fiscal
tende a convergir para a neutralidade", o que significa que, lá pelas
tantas, a política fiscal deixará de produzir inflação. A atitude básica
do BC é a mesma: toma os resultados da política fiscal como dado de
realidade e trata de empurrar os juros para onde acha que têm de ir.
E assim ficou: a inflação não cedeu porque a política monetária não
conta com a colaboração da política fiscal. Agora o governo promete mais
austeridade, não porque entende que precise ajudar a derrubar a
demanda, mas porque teme o rebaixamento da qualidade dos títulos do
Tesouro pela agência de classificação de risco Standard & Poor's,
como esta Coluna apontou quarta-feira.
O resultado desse desencontro não foi só inflação alta, distorções da
política econômica e avanço raquítico do PIB, mas, também, a retração
dos investimentos. Quem ganhou foram as touceiras de capim, não
alcançadas pelos burros.
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