Fátima Lacerda - OESP
O
partido de extrema-direita, NPD (Partido nacional-democrata alemão),
anunciou uma passeata em Berlim para esse sábado (26). Até ai, nada de
novo. O cenário é conhecido. Um batalhão de policiais que vem de outras
cidades para reforçar o contingente magro de Berlim e um planejamento
para estrategicamente apartar os realizadores da passeata e o grupo
contra a sua realização.
Na
realidade, o NPD está com a corda no pescoço: Em breve iniciará um
longo processo frente à principal corte jurídica do país (BverfG, na
sigla em alemão) para, depois de 10 anos da primeira tentativa
fracassada, alcançar a proibição do partido que por motivos históricos,
representa uma grande complexidade na Alemanha. Enquanto isso não
acontece, o NPD sai às ruas para disfarçar a sua agonia e fazer campanha
para eleições européias. Com a recente queda da barreira dos 5% para
candidatura de partidos ao parlamento de Strassburgo para 3%, o NPD
anseia uma chance nas eleições no final de maio. A diferença na passeata
desse sábado é a rota. Ao invés de espalhar a ideologia marrom por
bairros do leste da cidade, caracterizados por baixa renda e, segundo
analistas políticos, compostos por um eleitorado “decepcionado com os
partidos políticos no centro”, a rota de hoje incluia Kreuzberg, bairro
de tradição proletária e esquerdista, vermelha e anarquista, berço de
vários movimentos revolucionários. A presença do NPD em Kreuzberg é de
rota de colisão.
Para impedir o movimento do partido neonazista, a iniciativa “Berlin Nazifrei” (Berlim, isenta de nazistas) da qual fazem parte os Verdes, o partido esquerdista Die Linke
e vários grupos antifascistas, convocaram os berlinenses para fazerem
uma blocada para impedir que o NPD literalmente ganhasse terreno. Nesses
casos, frequentemente em Berlim como ponto político mór do país, a
polícia que tem a incumbência de descascar o abacaxi. É sempre o mesmo
ritual: A polícia é frequentemente criticada por segurar por tempo
demasiado a rota do partido X, dificultando assim, a formação
estratégica dos contra demonstrantes. Dessa vez, não foi diferente. No
final da tarde de quinta-feira (24/04) a rota foi divulgada para a
imprensa na nota oficial de conteúdo vazio: “Nós só podemos divulgar as
notas, depois que tudo foi concretizado”.
Presença
obrigatória nessas passeatas é o membro dos Verdes no parlamento
alemão, Hans-Christian Ströbele, sempre acompanhado de sua bicicleta.
Perguntado por mim sobre o que acha da crítica dos organizadores da
contra-passeata concernente ao momento de divulgação da nota pela
polícia ele respondeu: “Eu
enviei pessoalmente uma carta para o Senador de assuntos segurança
interna (Senado de Berlim), exigindo rápida divulgação da rota. O
movimento dos contra a passeata é legítimo, por isso é preciso dar a
eles a possibilidade de se organizarem.”
Nós somos muitos
Assim
diz o cartaz da iniciativa contra-passeata. Ao meio-dia (horário local)
estavam todos lá. Pais com filhos pequenos, os punks, o sindicato
Ver.di, grupos de percussionistas iniciantes, mas cheios de boa vontade e
fazendo muito barulho, jovens da geração novas mídias com camisas
contendo dizeres: “Ninguém é ilegal”, Bem-vindo a Kreuzberg”,
triciclos com salada verde e pão para quem quisesse no melhor estilo de
Cozinha Popular (Volksküche, em alemão), o grupo da terceira idade, Hufeisern,
que veio lá de Britz, bairro bem no sul da cidade. Jardins de
condomínios ao redor do início da passeata foram tomados pelos
berlinenses.
Enquanto isso, o carro-chefe dava as instruções
de onde e como se posicionar para que os neonazistas não tivessem
chance de encontrar passagem em ruas paralelas. Foram mais de 1000
contra 100 do NPD, que iniciou sua rota debaixo da ponte Jannowitzbrücke
(também estação do metro que vai por cima) e depois de alguns
insignificantes metros, teve que voltar ao ponto de início. Kreuzberg
estava tomado por uma massa colorida e barulhenta de berlinenses de
todos os tipos, idades e proveniências.
Acuados,
os dirigentes do NPD anunciaram de última hora uma passeata no bairro
com o nome sugestivo de Adlershof (O pátio da águia), segundo informação
da polícia, com 70 participantes. Neste sábado, o NPD e sua ideologia
marrom não ganhou terreno, mas sim choveu no molhado, bradando para sua
clientela de costume. A barricada humana tomou posse das ruas com a
naturalidade resultante da história, da postura e da mensagem que não há
lugar para neonazistas em Berlim e ainda muito menos em Kreuzberg.
Os berlinenses hoje fizeram um gol, mas a luta para dizimar esse partido do spectro político do país, continua e será longa.
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