segunda-feira, 28 de abril de 2014

Ativistas da Ucrânia não estão se arriscando
Sylvie Kauffmann - NYT
Kirill Kudryavtsev/ AFPManifestante armado pró-Rússia usando uniforme militar fica de guarda ao lado de fora do edifício do serviço de segurança ucraniano, que foi tomado por separatistas pró-Rússia na cidade ucraniana de SlavyanskManifestante armado pró-Rússia usando uniforme militar fica de guarda ao lado de fora do edifício do serviço de segurança ucraniano, que foi tomado por separatistas pró-Rússia na cidade ucraniana de Slavyansk
Dadas as circunstâncias, Hanna Hopko, uma especialista em saúde pública que virou ativista democrática, tem muitos motivos para se sentir desanimada. O primeiro-ministro da Rússia, Dmitri A. Medvedev, tinha acabado de alertar que sua querida Ucrânia estava "à beira da guerra civil" –um exagero, mas um que ressaltava a perigosa disputa de poder ocorrendo no leste do país. Lá, comandos pró-Rússia tomaram os prédios públicos e delegacias de policias de várias cidades, enquanto Moscou, após anexar a Crimeia, estava enervando ainda mais o governo em Kiev ao concentrar 40 mil soldados russos perto da fronteira.
Mas, ao ser contatada por telefone em Lviv, no oeste da Ucrânia, onde passava a Páscoa com sua família e vendo sua filha de três anos pela primeira vez em meses, Hopko, 32 anos, soava tudo, menos desencorajada. Para ela, o copo está agora cheio pela metade porque, apesar da crescente desestabilização no leste, a chamada Revolução Maidan que derrubou o presidente Viktor F. Yanukovych, em fevereiro, está dando frutos.O crédito por isso é de um grupo determinado de ativistas, que Hopko ajudou a organizar, que está pressionando a aprovação de reformas pelo Parlamento, que até dois meses atrás estava muito mais interessado em lucrar com o sistema do que em mudá-lo.
No início deste mês, o grupo conseguiu a aprovação da independência da radiodifusão pública. Para Nataliya Gumenyuk, 30 anos, uma ex-jornalista da televisão pública que cofundou a independente "Hromadske-TV", baseada na Internet, esse é um evento divisor de águas. "Nós aguardamos anos por isso", ela me disse. "Eu nem sonhava que isso se tornaria realidade. Graças à pressão da sociedade civil, o governo está de fato abrindo mão do controle da mídia estatal."
Também adotado pelo Parlamento: um projeto de lei para aquisições públicas e outro sobre a nomeação de juízes, ambos parte da luta contra a corrupção entrincheirada na vida pública da Ucrânia. Além disso, o Legislativo concluiu a leitura de um projeto de lei para o ensino superior, que daria mais autonomia às universidades. Do outro lado da rua do Parlamento, o Gabinete interino dá andamento a um projeto de lei crucial de descentralização, que daria mais poder às regiões.
Hanna Hopko e seus amigos, que foram fundamentais na redação, preparo e promoção dessas peças legislativas, as consideram o próximo passo da revolução que começou na Praça da Independência em 21 de novembro, quando o presidente Yanukovych rejeitou um Acordo de Associação com a União Europeia. Ativistas da sociedade civil envolvidos nas ONGs locais, eles estiveram na Maidan desde o primeiro dia.
Mas após a fuga do presidente e o colapso de sua base de poder, eles sentiram o perigo: o establishment político, incluindo os partidos de oposição, que não lideraram o levante popular, mas tentaram explorá-lo, poderiam muito bem recolher os pedaços e começar tudo de novo, preservando o mesmo sistema político podre. Os ativistas tinham bom motivo para se preocupar: aquilo já tinha acontecido antes, na Revolução Laranja, em 2004. Desta vez, eles decidiram, as coisas seriam diferentes, mas apenas se a energia liberada pelo movimento fosse traduzida rapidamente em uma mudança institucional real.
Então eles montaram um "grupo de especialistas", envolvendo pessoas altamente qualificadas da sociedade civil, de organizações de estudo, ONGs, da mídia e universidades, que não estavam envolvidas nos partidos políticos, mas comprometidas com o estado de direito e com o futuro democrático de seu país. Algumas delas estudaram no exterior. Gumenyuk obteve seu mestrado em jornalismo pela Universidade de Orebro, na Suécia. Daria Kaleniuk, 26 anos, de Kharkiv, foi uma bolsista Fulbright da Faculdade de Direito de Chicago-Kent; ela chefia o grupo que trabalha em corrupção nos serviços financeiros. A maioria das pessoas está na faixa dos 30 anos e as mulheres estão em primeiro plano.
Essa é a geração Maidan: jovens demais para sofrerem com o fardo da experiência da União Soviética, mas com idade suficiente para lembrar do fracasso da Revolução Laranja, eles não querem que seus filhos tenham que se manifestar na Maidan daqui 15 anos. Eles começaram reunindo algumas poucas dezenas de especialistas. Há um mês, eles chegavam a mais de 80; hoje, são pelo menos 150. Testemunhando sua nova força, eles formaram um "comitê em apoio às reformas" que realizará reuniões quinzenais com o Gabinete interino de ministros e com os grupos parlamentares.
Para eles, é uma corrida contra o tempo. Apesar dos eventos no leste, eles acreditam que devem construir as fundações da mudança estrutural antes da eleição presidencial de 25 de maio. Assim, eles trabalham ininterruptamente, organizando reuniões públicas e mantendo a pressão sobre o governo e o Parlamento. Para a aprovação de legislação proposta estagnada há anos, os ativistas propuseram um "pacote de reanimação" das reformas, juntamente com um cronograma detalhado para sua adoção. Nesta semana, alguns deles foram a Odessa e Dnipropetrovsk para apresentar suas iniciativas às pessoas no leste que, segundo elas, estão tão preocupadas com a corrupção e o abuso de poder quanto as pessoas no oeste.
Os políticos ucranianos notaram. Uma que foi rápida em entender a mensagem foi a ex-primeira-ministra Yulia V. Tymoshenko, que está concorrendo à presidência e lutando para restaurar sua credibilidade. Aparecendo recentemente em um popular programa de TV, "Shuster Live", ela disse a Hopko que se comprometeria a trabalhar com o grupo dela e implantar as reformas que ele defende. Hopko explicou a estratégia: "Nós estamos pedindo a todos os principais candidatos que assumam o compromisso público de apoiar nossas reformas. Nós temos que usá-los antes que seja tarde demais. O sistema está nos atacando, de forma que temos que contra-atacar".
Esta geração de ativistas é o antídoto para o sistema de Putin. "O Kremlin quer criar a sensação de que a Ucrânia é um Estado fracassado", disse Gumenyuk, e eles querem provar que ele está errado. Eles são o futuro da Ucrânia –e as pessoas que deveríamos ajudar. 
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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