Futuro ao bem pertence
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Sobre os 50 anos da quartelada que, com apoio civil,
instituiu o regime militar e jogou o Brasil num retrocesso institucional
ainda não recuperado, impossível oferecer ao leitor abordagem original
que não tenha sido feita nos últimos meses sobre data tão mexida e
remexida.
Vamos em frente, portanto. Sem, contudo, desviar a atenção do
retrovisor - que é para a memória servir de obstáculo a que a História
um dia volte a fazer uma falseta.
Hoje estamos razoavelmente imunes a riscos desse tipo. O tranco foi
forte demais. O recurso a golpes caiu em desuso. Se ainda frequentam
alguns discursos para intimidar adversários políticos, é justamente
porque a democracia brasileira ainda está cheia de defeitos praticamente
às vésperas de completar 30 anos do início de sua reconstrução.
Paralelamente às análises sobre os acontecimentos que levaram à
derrubada do governo de João Goulart e posteriormente a um regime de
opressão e perseguição, daqui em diante teremos de nos dedicar ao exame
da trajetória do Brasil de 1985 para cá.
O mais longo período ininterrupto de democracia durante o qual o País
avançou. Não tanto quanto poderia ou deveria, mas avançou em diversos
aspectos, isso levando em conta governo e sociedade. Na política, porém,
ficou parado no tempo do onça.
O Brasil é politicamente "démodé". Não inova, recorre aos mesmos
métodos há décadas e deles não desgruda por mais que o esgotamento seja
uma evidência. É quase como se o País tivesse reconquistado a democracia
mas não soubesse direito o que fazer com ela.
Há o comportamento errático dos políticos. Mas, eles não seriam um
reflexo do comportamento da sociedade? Os eleitores mais informados
gostam de se mostrar indiferentes, acima dos políticos, a quem se
referem como "essa gente de Brasília". Gente esta que, quanto mais
deixada de lado for, mais livre fica para agir como bem entender.
Os menos assistidos ainda olham aos políticos como fontes de
benefícios e com eles estabelecem uma relação de compra e venda
semelhante à que o Legislativo mantém com o Executivo e à qual se dá o
nome de governo de coalizão.
Guardadas as proporções, na essência governos continuam cometendo os
mesmos erros. Os militares não reconhecem o mal que fizeram ao Brasil,
mas os governos civis, de Fernando Collor a Dilma Rousseff, tampouco
reconhecem os respectivos danos causados ao País. Onde carece a
autocrítica, viceja a repetição, quando não o esquecimento.
Os militares interditaram o direito ao voto. Os civis liberaram, mas o
mantêm obrigatório sob o argumento de que o eleitorado não está
"preparado" para escolher se vai ou não às urnas. Semelhança tutelar que
não se coaduna com a plenitude democrática.
Conviria, para o bem do aperfeiçoamento do sistema, que os políticos e
partidos da atualidade se distanciassem das velhas práticas.
Indispensável, porém, que a sociedade reveja seu olhar sobre a política.
Se continuar achando que é com as mãos sujas que se faz, assim será.
Se não, o jeito é ir à luta para mudar. Se no passado deu certo para o
mal, o futuro ao bem pertence.
Careca de saber. Chega a ser inacreditável que a
Câmara dos Deputados considere necessário fazer uma campanha
publicitária para melhorar a imagem da instituição e mais: precedida de
uma pesquisa para detectar qual a avaliação do público sobre a atuação
do Parlamento, suas qualidades e defeitos.
A brincadeira vai custar R$ 10 milhões, mas poderia custar um tostão.
Todo mundo, suas excelências inclusive, sabe qual é o problema e onde
está a solução. Basta o Poder Legislativo cumprir sua função de
instância representativa dos interesses da população, andar na linha,
não cometer abusos, não se valer de privilégios e cumprir à risca a
Constituição.
Nesse caso o exercício do mandato pode não ser atividade tão
atrativa, mas no que tange à preocupação com a imagem estaria tudo
resolvido.
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