Egito aposta mais no carvão do que em energias renováveis
Marion Guénard - Le Monde Após meses de briga, o governo interino egípcio parece ter tomado uma decisão. Ao retirar totalmente, no final de março, as barreiras para a importação do carvão, ele respondeu favoravelmente ao pedido das empresas de cimento que estão vendo sua produção diminuir devido à falta de gás natural que atinge todo o país desde o final dos anos 2000. Para grande desgosto dos defensores do meio ambiente, que denunciam uma total ausência de visão energética a longo prazo, e de profissionais do turismo, preocupados com repercussões sobre sua atividade.
No último ano os cortes de eletricidade têm sido diários, e a crise deve continuar se agravando com a chegada do verão, quando se observam picos de consumo associados ao uso de ar condicionado nesse país desértico. "É o resultado de uma superestimativa de nossa reserva de gás e de um aumento mundial do preço da energia", explica Magdi Allam, diretor de pesquisas sobre mudança climática dentro do Ministério do Meio Ambiente egípcio.
Falta às usinas elétricas o gás natural, principal recurso energético do país. O cidadão comum não é o único a ser afetado: as indústrias agora são obrigadas a produzir de forma esporádica. Isso vale sobretudo para o setor do cimento: ele representa somente 2% do PIB egípcio, mas fornece a matéria-prima para as empresas da construção civil, que contratam mais de 40% da população ativa no Egito. No total, a produção é garantida por 21 empresas, entre elas o grupo francês Lafarge.
Até agora, a importação do carvão no Egito era das mais limitadas: ela era autorizada somente no setor siderúrgico, que o utiliza como matéria-prima necessária à produção.
"Carvão e turismo não combinam"
"A interrupção forçada dos fornos de altíssima temperatura tem um custo exorbitante. Em 2013, os produtores de cimento acusaram perdas de 15% em relação ao ano anterior", diz Medhat Stefanos, presidente da federação das indústrias de cimento. Então é com bons olhos que os profissionais do setor veem a decisão do governo, pois eles apostam no carvão para minimizar a escassez de gás natural. Segundo Medhat Stefanos, seu custo energético é equivalente ao do gás natural e ele apresenta muitas vantagens: "A combustão do carvão é total. As cinzas são reutilizadas e isso permite produzir cimento de melhor qualidade, sem poluição."
Em compensação, o fim da proibição da importação de carvão é considerado um absurdo pelo Ministério do Meio Ambiente, que há meses vem brigando para ser ouvido. "Segundo nossos cálculos, a indústria do cimento deverá importar 8 milhões de toneladas de carvão por ano. Será preciso adaptar os portos e as estradas para encaminhá-lo até as usinas. Essa nova infraestrutura não surgirá antes de três anos", acredita Magdi Allam. "A curto prazo, o carvão não resolverá a crise energética."
O Ministério do Turismo faz a mesma constatação, ao considerar que o governo está indo na contracorrente da tendência mundial. "Carvão e turismo não combinam", declarou em abril à imprensa egípcia Hisham Zaazou, ministro do Turismo. O setor, pilar da economia egípcia, anda muito mal desde o levante de 2011.
A longo prazo, muitos apontam para um grave impacto sobre o meio ambiente e a saúde. "Todos sabem que as partículas de carvão são responsáveis por problemas respiratórios, doenças cardiovasculares, vários tipos de câncer. Os moradores das cidades portuárias, como Porto Said, onde será armazenado o carvão, serão as principais vítimas", afirma Sarah Rifaat, membro da campanha "Os egípcios contra o carvão", que reúne uma dezena de ONGs. Segundo um estudo publicado pelo Ministério do Meio Ambiente egípcio, o tratamento das doenças causadas pela poluição do carvão oscilaria entre 300 milhões e 500 milhões de euros por ano. "Quem vai pagar a conta? Os cidadãos!", se revolta Sarah Rifaat.
Utilizar a biomassa
No entanto, o Egito, que é desértico em 90% de seu território, apresenta um potencial considerável em matéria de energias renováveis. "Com o preço dos terrenos em zonas isoladas, seria pouco custoso instalar parques eólicos", indica Ahmed Huzzayin, doutorando em engenharia elétrica, professor na Universidade do Cairo. "Poderíamos também utilizar a biomassa para a energia térmica necessária à indústria do cimento, como se faz na Europa ou em outras indústrias no Egito. Isso teria uma tripla vantagem: melhorar o tratamento de resíduos, criar empregos e evitar uma dependência energética em relação a outros países".
"Não existe visão a longo prazo no que diz respeito à gestão da energia", lamenta Sarah Rifaat. "As decisões são tomadas em um contexto de crise, por algumas poucas pessoas influentes que querem lucrar. Cabe aos egípcios decidirem sobre o futuro energético do país, e não temos nem mesmo um Parlamento eleito."
Por enquanto o anúncio do governo não tem valor de lei. As indústrias do setor de cimento estão esperando obter o mais rápido possível licenças para implantar os novos circuitos de alimentação das usinas. Algumas não esperaram a retirada da proibição de importação de carvão. Em novembro de 2013, com base em fotografias, ativistas revelaram a chegada de um carregamento de carvão importado pela companhia Lafarge, que desmentiu a informação ao "Le Monde". Já a ministra do Meio Ambiente, Laila Iskandar, entrou com uma ação na Justiça contra o grupo francês.
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