Felipe Moura Brasil - VEJA
Eu falei no meu último texto - A culpa do estupro não é da mulher, mas a da confusão é da pesquisa do IPEA! Essa, sim, merece ser “atacada”! - da falsa impressão causada por duas afirmativas capciosas colocadas em sequência pelo instituto: uma terminava com “merecem ser atacadas” e outra com “haveria menos estupros”. Ninguém disse - e é sempre bom lembrar que 66,5% dos entrevistados eram… mulheres! - que as mulheres “merecem” ser estupradas, muito menos que deseja isso para elas, nem mesmo que elas são “culpadas” pelo estupro, e nem sequer que são “responsáveis” por ele, mas as ativistas já se aproveitaram da confusão para lançar na internet a campanha “Eu não mereço ser estuprada”, postando fotos nas quais seguram um cartaz com essa frase (e uma delas já até anunciou que foi ameaçada virtualmente de estupro depois disso).
A antropóloga Mirian Goldenberg declarou que “A mulher é culpada de ser mulher” e “Não somos nada Leila Diniz. Quem dera se fôssemos”; a ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres, Eleonora Menicucci, lamentou o resultado da pesquisa e disse que é preciso “fazer muito mais”; e [a equipe de] Dilma Rousseff, a “primeira presidente mulher” e obviamente a maior beneficiária em ano eleitoral de uma pesquisa que faz de tudo para vitimizá-las ainda mais, escreveu no Twitter “Tolerância zero à violência contra a mulher. #Respeito”. Tudo seguidinho, como manda o figurino. Toda a ordem artificial das coisas, como antecipei aqui. Junte o pacote completo na home dos portais de notícias e pronto: a propaganda está mais do que feita, antes mesmo de o Sakamoto entrar na jogada.
(E da novela “Em família“, de Manoel Carlos, também. Virgílio lê o jornal e fica chocado com o resultado: “Uma pesquisa diz que mais da metade dos brasileiros, atenção, mais da metade, acha que mulher dá motivo para ser estuprada”, o que é mais uma, “atenção”, mais uma distorção da pesquisa. Helena fica indignada: “Meu Deus, mas isso parece coisa dos primórdios da humanidade”. Se ninguém sabia ler nos primórdios, é verdade…)
O Instituto de Pesquisas Econômicas(!!!) Aplicadas, para quem não sabe, é aquele órgão governamental que “expurgou” em novembro de 2007 quatro pesquisadores independentes (Fabio Giambiagi, Otávio Tourinho, Gervásio Rezende e Régis Bonelli) considerados não alinhados ao pensamento econômico do governo. Eliminou toda a divergência quando Márcio Pochmann chegou ao comando. Ele é o mesmo senhor de golas chinesas que, mui alinhado à campanha petista pela regulação da mídia, defende a “democratização” do setor de comunicação no Brasil, flertando com a criação do Conselho Federal de Jornalismo. O próprio instituto que presidiu até 2012, quando se tornou – imagine – candidato do PT para a prefeitura de Campinas – dá uma ideia do seu conceito de “democracia”. Parece que ele quer transformar o que restou da mídia brasileira num grande IPEA (e não é preciso muito…). Reinaldo Azevedo já falava de sua “língua lassa, elástica, imprecisa, de complementos verbais incapturáveis”, bastante similar à da pesquisa “Tolerância social à violência contra as mulheres“.
Márcio Pochmann é também um dos autores daquele livro encalhado organizado por Emir Sader sobre a primeira década do PT no poder: “10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma”, que levou uma surra no mercado de “Década perdida”, de Marco Antonio Villa, sobre o mesmo tema. Escrevi a respeito no artigo “Sucesso e Sader-masoquismo“, no qual eu oferecia a Sader umas aulinhas de marketing e organização da obra alheia por um precinho camarada. (O livro que eu organizei e divulguei já passou dos 60 mil exemplares vendidos, sem anúncio do partido governante…) E quem estava no lançamento do livro-propaganda do petismo, que jamais chegou a lista alguma dos mais vendidos, dando discurso ao lado de outros ases do “pensamento” esquerdista como Marilena “Odeio-A-Classe-Média” Chauí e do ex-presidente Lula, enquanto ele fingia ler a coisa? O “companhêru” Pochmann, é claro.
Em seu lugar no IPEA, que nunca mais seria o mesmo, entrou o então preferido da presidente Dilma, Marcelo Neri, o economista responsável pela mágica de colocar milhões de pessoas na classe média em velocidade de foguete. “Está certo que é uma ‘classe média’ favelada, com renda média que mal dá para chegar ao fim do mês colocando comida direito em casa”, ironizou meu vizinho de blog Rodrigo Constantino, no dia em que Dilma tirou uma casquinha de outra pesquisa do IPEA (é um hábito, como se vê) sobre o suposto – sempre suposto! – sucesso do Bolsa Família para reduzir a miséria no Brasil. Ela escreveu que cada R$ 1 investido no programa geraria aumento de R$ 1,78 no PIB, como se tirar de um e dar para outro provocasse um efeito multiplicador na economia, e não uma “pura transferência de riqueza”, como comentou Rodrigo. Neri também escreve artigos, aliás. Se alguém quiser uma amostra, pode ler no site “Amigos do PT“.
Pois bem. Assim como a apresentadora Ellen Degeneres brincou no Oscar que, se “12 anos de escravidão” não ganhasse, “todos vocês são racistas”, eu vou logo avisando que, se Dilma não ganhar as eleições, todos vocês são intolerantes às mulheres, ok? A pesquisa do IPEA de Marcelo Neri não me deixa mentir… Em meio a tantos escândalos, como Petrobras, obras da Copa, Mais Médicos, Porto de Cuba etc., não me espantaria que a máquina petista estivesse empenhada em mudar o foco das atenções e preparar o terreno da propaganda para blindar a presidente contra todas as críticas, em função do seu “mérito” (será o único?) de ser mulher. A historinha da “cultura do estupro” do Brasil é um caminho interessante, sem dúvida: coloca mulheres contra homens (os que não estupram, inclusive), assim como o PT coloca negros contra brancos, filhos contra pais, sem-terra contra fazendeiros, aquela coisa toda já explicada aqui.
Mas o que a população brasileira realmente pensa a respeito de estupradores?
Eu conto: de acordo com uma pesquisa de 2010 do Núcleo de Estudos da Violência da USP, 39,5% dos entrevistados acham que estupradores merecem pena de morte, 34,3% defendem prisão perpétua e 11,1% apoiam prisão com trabalhos forçados. Ou seja: a imensa maioria da população defende penas tão duras aos estupradores que elas sequer estão previstas no nosso Código Penal. Ou ainda, traduzindo para o idioma do IPEA: nenhum outro criminoso “merece” tanto a pena de morte, para os brasileiros, quanto o estuprador.
Se os portais de notícias e os “especialistas” tivessem algum interesse em confrontar os resultados da pesquisa do IPEA com o da USP (que de reacionária não tem nem o cuspe), e quem sabe acrescentar episódios reais de estupradores linchados e até queimados vivos pela população, essa premissa feminista de que há uma “cultura do estupro” no Brasil teria ao menos um contrapeso. No ambiente cultural brasileiro, na verdade, o que existe há décadas é a legitimação moral que a esquerda faz da criminalidade em função da pobreza e das desigualdades sociais, sem falar na proteção legal que ela concede aos criminosos, inclusive aos estupradores! O resto é pura tentativa de transferir essa cumplicidade para a população de bem do país, induzindo e distorcendo suas opiniões sobre os culpados de estupro; e desviar a atenção da criminalidade que o PT sempre fomentou e da segurança que nunca ofereceu [veja os índices dos estados governados por petistas] para o suposto “machismo” onipresente, como se ele fosse a causa da existência de estupradores. É a velha tática esquerdista de culpar a “sociedade”, repetida por um bando de ativistas histéricos.
Isto sem falar na patetice das campanhas de desarmamento, “A guerra contínua da esquerda contra as mulheres“, como já escreveu a colunista americana Ann Coulter: “Uma arma na mão de uma mulher maltratada muda a dinâmica do poder (…). A grande maioria dos estupradores, por exemplo, não se dá ao trabalho de utilizar uma arma porque, conforme destacou o famoso criminalista Gary Kleck, eles costumam ter ‘uma grande vantagem de poder sobre a vítima’, tornando o uso da arma redundante.” Mulheres em geral são mais fracas fisicamente que os homens e, se lutassem pelo direito ao porte legal de arma, fariam muito mais em seu favor do que acusar os não estupradores de machismo. A taxa de estupros em Orlando, por exemplo, caiu 88% quando elas aprenderam a usar armas em cursos promovidos pela mídia, segundo o estudo de Kleck “Crime Control Through the Private Use of Armed Force” (February 1988, p. 13).
Veja a matéria “Por dentro da mente de um estuprador“, se quiser um resumo sobre os diversos perfis desses criminosos que sempre existiram e sempre existirão – “dominador”, “romântico”, “vingador”, “sádico” e “oportunista” – e os que eles podem ter em comum: “desprezam a condição humana das vítimas, são capazes de recorrer à violência extrema e sempre voltam a atacar – sem remorsos“. Destaque para o trecho: “(…) estupradores, depois de algum tempo presos, voltam para as ruas e cometem outros abusos. A saída não está, portanto, em práticas ou políticas de tratamento, mas na eficácia das investigações, nas estatísticas criminais e na segurança pública – todas deficientes na maior parte do país.”
Que exista quem pense que a mulher seminua é culpada pelo estupro que sofre, não há a menor dúvida, mas nenhuma pesquisa sequer mostrou de maneira clara que a maioria da população pensa tal coisa, ainda que as ativistas batam o pezinho e digam que isto é “senso comum”.
A discussão sobre se os estupros podem acontecer, também, em função da tentação que a maior exposição dos corpos das pessoas provoca é uma coisa (sobre a qual o cidadão comum só especula, sem dispor de dados a respeito); outra bem diversa é a discussão sobre se é justificável que a mulher seja punida ou não com estupro por andar seminua. Não creio que a maioria defendesse que o crime de estupro é justificável (ainda que esta seja outra palavra complicada) se as mulheres andassem até mesmo nuas; mas é óbvio que o IPEA não vai perguntar isto assim, muito menos se elas “devem ser punidas com estupro”, porque a clareza não renderia tantas manchetes, não é mesmo? De modo que é melhor usar o elástico verbo “merecer” (“ser digno de” e “fazer por”, mas também “atrair sobre si”, além de seus significados informais), uni-lo com algo impreciso como “ser atacadas” (ver meu artigo anterior) sem nem dizer se por homens ou por mulheres, ter a cara-de-pau de chamar isso no relatório de afirmação “nem um pouco sutil”, e depois deixar a militância fazer parecer que o estupro da questão seguinte era o que estava em jogo nesta.
O próprio relatório do IPEA reconhece na página 22: “Residentes no Sul/Sudeste, jovens e pessoas com educação média e superior, porém, apresentavam menores chances de concordar com isso.” Não diga! Que surpresa! Por que será que esta parte não aparece nos jornais? Por que não junto às porcentagens de 41,5%(!!!) de entrevistados com menos que o ensino fundamental e 22,3% somente com ele? Sem falar que 30,8% tinham apenas o ensino médio. Só as ativistas garantiriam que, neste país campeão dos últimos lugares em testes internacionais de leitura, os cidadãos de educação inferior (63,8%!!!) realmente entenderam e avaliaram o peso e as consequências possíveis de se dizer que as mulheres seminuas “merecem ser atacadas”. Elas querem porque querem que o brasileiro comum seja mau como pica-pau e julgam sua “machista” crueldade em função de sua pobre capacidade de compreensão de frases capciosas – que dirá de análise: a questão seguinte, repito, exigia de homens e mulheres uma opinião sobre a alteração do índice de estupro em função de um mau comportamento feminino genérico. Só mesmo ativistas podem acusar o cidadão comum de responder equivocada ou preconceituosamente a uma tal pergunta sobre um tema em que ele não é especialista. E só pesquisadores do IPEA podem concluir daí (na hipótese de que a conclusão tenha vindo depois da pesquisa) um ”sistema social que subordina o feminino ao masculino” e que “a violência parece exercer um papel fundamental”, como observou Bruna Luiza.
Os brasileiros têm horror de estupradores. Querem vê-los mortos ou presos para sempre. (Até os demais bandidos muitas vezes os condenam.) Não é porque a maioria da população masculina e feminina parece criticar mulheres que não sabem se comportar ou não se vestem adequadamente que concorda que elas DEVEM SER estupradas. Não é porque a maioria pode ter opiniões negativas sobre mulheres imaginadas a partir de determinadas frases alheias que essa maioria atenta contra a liberdade individual de cada mulher ser do jeito que bem entender. Não é porque a maioria pode achar que a discrição do traje resguarda a mulher contra a violência sexual que ela é cúmplice do crime. Nenhuma mulher “merece” ser estuprada, é claro, mas ninguém merece estupros mentais como uma pesquisa tão obscura quanto esta. Quem quiser realmente combater a “cultura do crime” tem é de desmascarar os “pensadores” esquerdistas que a alimentam, o governo que a fomenta e os órgãos governamentais que o encobrem.
Por ora (sem h), minha sugestão é levantar a plaquinha:
“Eu não mereço ser enganada pelo IPEA.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário