terça-feira, 29 de abril de 2014

Finlândia exporta modelo de combate ao 'bullying' nas escolas
Fernando Gualdoni -El País
Na cidade de Espoo, a cerca de 25 quilômetros a noroeste de Helsinque, a escola primária Karamzin foi pioneira na implantação do programa KiVa para prevenir e neutralizar o assédio escolar. Em uma aula, a professora projeta uma série de desenhos que mostram diferentes situações de conflito entre alunos. "Isto é assédio?", pergunta. "Sim", respondem em bloco as cerca de dez crianças de 7 anos. "E isto?" A resposta não é tão homogênea. "As imagens ensinam a diferenciar as situações, alguns são simples conflitos e outros são casos de assédio", diz a professora.
A palavra "kiva", em finlandês coloquial, é usada para descrever algo agradável e ao mesmo tempo é a sigla de Kiusaamista Vastaan (contra o assédio escolar). O programa, desenvolvido pela Universidade de Turku, começou em 2007 e já é aplicado em 90% das escolas finlandeses. Foi exportado para quase uma dezena de países, entre eles Holanda, Reino Unido, França, Bélgica, Itália, Estônia, Suécia e EUA. Os estudantes assistem em três etapas de sua vida escolar - aos 7, 10 e 13 anos de idade - a cerca de 20 aulas nas quais aprendem a reconhecer o assédio e em que realizam exercícios para melhorar a convivência.
"O KiVa foi implementado nesta escola em 2008", diz Jouni Horkko, diretor da Karamzin. "Na época, nossos casos de 'bullying' superavam a média das escolas finlandesas, mas depois do primeiro ano de implementação reduzimos o número em 60%. Hoje temos 500 alunos e em torno de 14 casos por ano", explica. Em cada escola que adota o KiVa há uma equipe de professores que atuam quando se denuncia um caso, mas todos os docentes estão atentos para possíveis conflitos e avisam a equipe do KiVa para que intervenham.
Os docentes do programa se entrevistam com os assediadores, com a vítima e quantos alunos considerem conveniente convocar; avaliam em que momento é melhor comunicar a situação aos pais e fazem um acompanhamento do caso. "Geralmente, depois da entrevista em que o assediador é percebido, ele deixa de fazê-lo. Há casos difíceis que podem nos levar a mudar a vítima de grupo, mas são francamente excepcionais", comenta uma das responsáveis pela equipe. O grupo contra o assédio (no caso do colégio Karamzin são quatro membros) é composto de professores que o próprio diretor costuma escolher levando em conta suas qualificações universitárias em temas relacionados à violência escolar ou estudos de comportamento de grupos, entre outras disciplinas.
Além de uma preparação especial, fazer parte da equipe exige uma grande dose de voluntarismo e entrega por parte do docente, que, depois de ser selecionado pelo diretor, aceita o cargo. O trabalho dos professores é por sua vez acompanhado pelos pesquisadores da Universidade de Turku, que, mediante pesquisas periódicas, observam a implementação e o resultado do programa.
"O programa contra o assédio foi promovido pelo governo finlandês depois de alguns episódios realmente tristes para a história da Finlândia", lembra Horkko, referindo-se aos tiroteios em duas escolas em 2007 e 2008. "A implantação do KiVa não está relacionada diretamente a esses episódios, mas pode-se dizer que dispararam os alarmes da sociedade e o governo dedicou mais esforços aos programas contra o assédio como o nosso", explica. Em novembro de 2007, um jovem de 18 anos irrompeu em sua escola na localidade de Jokela, em Tuusula, e matou oito pessoas antes de se suicidar. Quase um ano depois, no colégio Kauhajoki, no oeste do país, um rapaz de 22 anos matou a tiros cerca de dez pessoas antes de se dar um tiro na cabeça.
Ambos os casos foram os mais violentos em um país que já registrava no início dos anos 90 índices de suicídios de adolescentes mais altos do mundo. Então o governo finlandês começou a aumentar as verbas para estudar o problema do assédio escolar como uma das principais causas de suicídios e comportamento violentos. Depois dos casos dramáticos de 2007 e 2008 e da implementação de programas como o KiVa, os casos de assédio diminuíram drasticamente e massacres como os de Jokela ou Kauhajoki não voltaram a se registrar.
"A luta contra o assédio escolar foi chave para cimentar a excelência educacional na Finlândia", afirma Sanna Herkama, pesquisadora da Universidade de Turku. 
O país escandinavo sempre aparece nos primeiros lugares no relatório Pisa, que mede a qualidade educacional em mais de 60 países. Mais da metade desses são europeus, e a Finlândia está na cabeça da maioria dos exames. A educação na igualdade - meninos e meninas fazem tarefas de carpintaria, aprendem a cozinhar e ajudam a limpar a mesa depois do almoço escolar - e na meritocracia cala na maioria dos estudantes e em longo prazo contribui para que a Finlândia seja considerada uma das democracias mais sólidas e menos corruptas do planeta. E essa convicção de que se a pessoa fizer alguma coisa deve fazê-la bem se reflete nas expectativas de muitos jovens finlandeses sobre como deve funcionar a Comissão Europeia.
"O que esperamos da Europa? Que seja mais eficaz e que seja dirigida pelas pessoas mais capacitadas", afirma quase com unanimidade um grupo de universitários finlandeses sentados ao sol nas escadas laterais da imponente catedral luterana de Helsinque. O inverno que acaba de terminar foi indulgente com os finlandeses, e a cidade desfruta de dias ensolarados e cálidos para essas latitudes. Um desses jovens, chamado Paavali e sobrenome impronunciável, acredita que a maioria dos políticos que vão a Bruxelas são os menos capazes, os que "incomodam" em seus países de origem, ou aos que dão um destino na UE como recompensa por serviços prestados. "Enquanto for assim, nunca teremos uma Europa eficiente", declara.
O governo da Finlândia, de acordo com sua opinião pública, foi um dos mais contrários a participar do fundo de resgate europeu sem que os países do sul assumissem o compromisso de fazer sacrifícios e dar garantias no controle dos gastos públicos. Mas agora, a um mês das eleições europeias, não são as diferenças entre o norte e o sul que se destacam no discurso dos finlandeses, senão a ideia de uma Europa meritocrática e mais profissionalizada para ser capaz de enfrentar desafios como a crise da Ucrânia, conflito que para os finlandeses importa muito porque compartilham fronteira e uma história de guerras e tensão com a Rússia.
Do ponto de vista finlandês, a neutralidade que souberam manter é seu melhor trunfo para não piorar as relações com Moscou. "Se quisermos manter nossa estabilidade e segurança sem tensões em nossa fronteira, devemos permanecer fora da Otan", opinou recentemente na revista "Six Degrees" Markku Kangaspuro, vice-diretor do Instituto Aleksanteri, da Universidade de Helsinque. "A incorporação dos países bálticos à Otan gerou tensões com a Rússia. Nós não somos membros de nenhuma aliança militar que represente uma ameaça para a Rússia, e abandonar nossa neutralidade só pode ir contra nossos interesses", acrescenta.
Notícias sobre a Finlândia
- É o país com maiores níveis de democracia e o menos corrupto do mundo. Foi o primeiro a permitir que as mulheres fossem parlamentares e o segundo a permitir o voto feminino.
- Duas das profissões públicas mais bem pagas são a de policial e a de professor.
- Está na zona do euro desde 2002, mas é um dos seis membros da UE que não pertencem à Otan.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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