Evento Netmundial desaponta os defensores da neutralidade da rede
Nicolas Bourcier - Le Monde O evento NET Mundial, que aconteceu entre os dias 23 e 25 de abril, em São Paulo, terminou com um discurso da presidente Dilma Rousseff, amplamente saudada pelos representantes de quase 90 países e um pequeno número de ativistas usando máscaras do ex-técnico da Agência Nacional de Segurança dos EUA Edward Snowden. Mas o encerramento trouxe um tom muito mais ambivalente e um saldo decepcionante.
É verdade que na resolução final os participantes dessa cúpula internacional sobre a governança da internet condenaram a espionagem e exigiram que o monitoramento de dados pessoais seja punido por lei. "A coleta e a utilização de dados pessoais por atores estatais e não estatais deve se sujeitar às leis internacionais dos direitos humanos", determina o texto, publicado na quinta-feira (24).
No entanto, o documento deixa de integrar em seus princípios a neutralidade da internet, apesar da insistência de representantes brasileiros. A ideia, defendida por Dilma no púlpito da ONU em setembro de 2013 e aprovada no Marco Civil, uma espécie de Constituição da Internet que foi ratificada recentemente pelo Legislativo brasileiro, consiste em que todos os provedores de conteúdo sejam tratados de forma igual na internet.
Essa regra impede que os provedores de acesso à rede tornem mais lento ou favoreçam o acesso a determinados sites. Ela consagra uma conexão sem discriminações a uma rede "aberta e completa", como ressalta Neelie Kroes, a vice-presidente da Comissão Europeia. No dia 3 de abril, o Parlamento de Estrasburgo reconheceu a necessidade de se garantir essa neutralidade da rede.
Em compensação, a abordagem foi muito criticada pelos grandes provedores norte-americanos de acesso à internet e seus intermediários em Washington. A agência reguladora das comunicações americana (FCC) tem até mesmo um projeto de regulação que ataca o princípio de tratamento igualitário dos provedores de conteúdo. Segundo uma fonte próxima das negociações em São Paulo, a parte brasileira teria estado muito próxima de interromper as negociações diante da inflexibilidade dos diferentes representantes dos Estados Unidos.
No final, a resolução indica em sua última página que "a neutralidade da rede" foi adiada para uma discussão posterior, supostamente no próximo Fórum Mundial sobre a Governança da Internet (IFG), que acontece em Istambul, Turquia, em setembro.
Preparo do caminho
Foram necessários dois dias de "intensas" negociações, segundo Virgílio Fernandes Almeida, presidente da cúpula, para chegar até esse documento de onze páginas que supostamente preparará o caminho de uma governança mundial da internet, mas também um plano de ação para o futuro desenvolvimento da Web. A governança da internet deve ter como objetivo "uma rede única, inter-operável, flexível, estável, descentralizada, segura, interconectada e acessível a todos", afirmam os participantes da cúpula.
Na véspera, dia de abertura do NET Mundial, a nigeriana Nnenna Nwakanma do instituto Web Foundation afirmou que as revelações de Edward Snowden "prejudicaram a confiança na internet". Essa mesma ideia foi retomada pouco depois por Axelle Lemaire, secretária de Estado francesa encarregada do setor Digital: "Nosso grande desafio é inventar um modelo inclusivo, que rejeite as oligarquias e a concentração de poderes".
É uma maneira de lembrar que a transição para um novo estatuto da Icann (o órgão que concede os nomes de domínios) foi iniciada desde que Washington anunciou em março que iria abandonar seu controle até o final de 2015.
"Essa cúpula, que recebeu inúmeras adesões, foi um primeiro passo, já é alguma coisa", salientou o polonês Michat Andrzej Wozniak da Free and Open Source Foundation. "O texto é um retrocesso em relação aos documentos de trabalho e até mesmo decepcionante", comenta Markus Beckedahl, ativista e fundador do site Re: publica.de, "mas ele tem o mérito de existir ".
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