Protesto de agricultores mexe com eleitorado e acirra disputa na Índia
Sonora Jha - NYT
Courtesy of Lou Dematteis/AP Agricultores,
pecuaristas e índios nativos de Nebraska, no oeste dos Estados Unidos,
protestam contra a construção de um oleoduto da empresa Keystone XL. A
imagem gigante traz as figuras de um cowboy e de um indígena e a
mensagem de que os habitantes do interior estão unidos contra a
petroleira
Enquanto os políticos disputam os
815 milhões de votos da Índia, na mais cara e acirrada eleição geral da
história do país, um protesto inesperado está fazendo barulho entre uma
parcela da população que já constituiu um dos blocos de eleitores mais
tranquilos: o dos agricultores.
O protesto está sendo estimulado pela crescente atenção dada à chocante taxa de suicídios registrada nas fazendas indianas menos lucrativas. Desde 1995, mais de 290 mil agricultores já se mataram. Apesar de esse número, que foi compilado pelo National Crime Records Bureau (Departamento Nacional de Registros Criminais), não ser muito preciso na melhor das hipóteses, a percepção é o que conta em termos políticos.
E essa percepção, ao lado da realidade, segundo a qual a maior parte desses suicídios foi provocada pelo desespero forjado durante décadas de corrupção governamental e por dívidas escorchantes e uma negligência cruel, está sendo associada a uma mudança revolucionária na lei eleitoral da Índia. Pela primeira vez, os agricultores irritados poderão rejeitar todos os políticos que têm pedido seus votos e marcar nas cédulas "Nenhum dos anteriores" ("None of the Above", em inglês, opção que gerou o acrônimo NOTA).
Kishor Tiwari, neto de um segurança de fazenda da região de Vidarbha, no estado de Maharashtra, é um dos muitos defensores da nova lei, para quem a opção NOTA dará às pessoas uma nova força política. A organização de Tiwari, o Fórum de Protestos do Povo de Vidarbha, monitora os suicídios e as reivindicações por apoio financeiro das famílias dos mortos.
Ele diz que o governo sempre promete fornecer auxílio aos agricultores
em dificuldades, mas que essa ajuda é geralmente é roubada ou
simplesmente não é entregue aos destinatários. Mas agora os eleitores
não terão mais que escolher o candidato menos pior nem abrir mão de seu
direito de se manifestar deixando de votar no dia da eleição. Segundo
ele, os políticos "acreditam que nós reagimos à campanha deles. Não. Nós
reagimos às ações deles".
Ele diz que a alta taxa de suicídios é produto direto da profunda pobreza agravada pela apatia burocrática e por políticas econômicas temerárias adotadas pelo governo indiano. Além disso, ele acredita que essas mortes são deliberadamente subnotificadas.
Muitos acreditam que a taxa de suicídios entre os trabalhadores agrícolas da Índia é quase três vezes maior do que a média nacional, mas é difícil obter números precisos (profissionais da área de saúde, cientistas sociais e estatísticos ressaltam que a questão é extremamente complexa). A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 170 mil indianos de todas as camadas sociais cometem suicídio todos os ano na Índia; para o governo indiano, a cifra foi de aproximadamente 135 mil em 2010.
Mas essa estatística é enganosa, até porque o suicídio é considerado crime na Índia e, como tal, fica sob a alçada do Departamento Nacional de Registros Criminais. O estigma social que acompanha o suicídio, e o risco que ele venha a provocar a perda das indenizações oferecidas pelo governo, alimenta a relutância das famílias em relatar esse tipo de morte. Além disso, muitos suicídios ocorrem entre os trabalhadores agrícolas que não são oficialmente classificados como agricultores.
"Provavelmente os suicídios são muito subnotificados", escreveu o professor K. Nagaraj, economista da Faculdade de Jornalismo da Ásia, em um relatório de 2008. "A questão mais importante é a maneira como os fazendeiros são definidos no mundo real, ou seja, como trabalhadores que são donos de terras. Esse tipo de classificação pode, por exemplo, deixar de fora os rendeiros, que são aqueles que alugam fazendas, e, principalmente, as mulheres agricultoras". Esses fatores, de acordo com Nagaraj, equivalem a uma "conspiração silenciosa".
Outros estudos levantam mais ambiguidades. O relatório "A mortalidade
por suicídio na Índia" ("Suicide Mortality in India"), escrito por oito
médicos e profissionais de saúde pública indianos e publicado pela
revista médica britânica Lancet em 2012, estima que foram registradas
187 mil ocorrências de suicídio na Índia em 2010: entre as vítimas, 115
mil eram homens e 72 mil eram mulheres. Mas os autores acrescentaram:
"Embora a maioria das mortes por suicídio tenham ocorrido em áreas
rurais, nossas descobertas não sugerem que o suicídio seja mais
prevalente entre os trabalhadores das zonas rurais (categoria que inclui
os agricultores) do que entre trabalhadores que atuam em qualquer outra
profissão".
Quer essa percepção supere a realidade ou não, não há como negar que, nos últimos anos, os agricultores indianos estão tomando uma surra quando se leva em consideração seu mercado de atuação. A concorrência global que acompanhou a liberalização da economia indiana em 1991 reduziu os lucros desses trabalhadores. Os custos dispararam quando as sementes geneticamente modificadas produzidas por empresas estrangeiras de produtos agrícolas inundaram os mercados indianos no final da década de 1990. Atualmente, a maioria dos agricultores tradicionais são obrigados a contrair empréstimos – muitas vezes de agiotas que cobram taxas de juros exorbitantes.
Embora não seja nenhuma surpresa que o Congresso Nacional Indiano, partido do primeiro-ministro Manmohan Singh, tenha perdido terreno entre os agricultores, os outros candidatos também não estão se saindo bem entre essa parcela do eleitorado. Narendra Modi, do Partido Bharatiya Janata, fez campanha em Vidarbha no mês passado e prometeu decretar estado de "calamidade nacional" para as fazendas da região, que recentemente foram devastadas por condições climáticas adversas. Outro político que é um dos principais candidatos a primeiro-ministro da Índia – Arvind Kejriwal, do Partido Aam Aadmi – também fez as mesmas promessas de última hora que os agricultores já ouviram antes.
Confrontados com uma lista de candidatos tão impopular, milhares de agricultores e suas famílias se reuniram em 15 de março passado no vilarejo de Bhimkund, em Vidarbha, onde uma fazendeira chamada Kiran Kolvate liderou um protesto. "Todos os partidos políticos de todas as tendências têm ignorado totalmente a situação de meio milhão de agricultores", declarou ela, pedindo à multidão para votar "None of the Above" ("Nenhum dos anteriores").Indiana vítima de ataque com ácido mostra marca da violência
Esse grito de guerra está se espalhando pela Índia. Em 7 de abril
passado, quando o país iniciou suas cinco semanas de votação, eleitores
de 25 vilarejos agrícolas do estado de Uttar Pradesh declararam que
também marcariam NOTA em suas cédulas de votação. Em 11 de abril, a
Organização Internacional da Juventude Indiana colocou um anúncio no
YouTube no qual uma jovem mulher responde às acusações da avó sobre sua
apatia política. No vídeo, a jovem diz que pretende votar NOTA – e a voz
de um narrador afirma que um voto de protesto envia uma mensagem forte
aos políticos, enquanto que a simples recusa em votar não resolve nada.
Ao escolher "None of the Above", muitos agricultores estão exigindo que os dirigentes da Índia adotem medidas efetivas para acabar com a miséria que está minando um dos setores-chave da economia do país. E esses líderes podem fazer isso simplesmente ao cumprirem as promessas ainda não cumpridas feitas durante as últimas duas décadas, que incluem: o perdão das dívidas, a adoção de preços de mercado justos, a criação de uma melhor infraestrutura e de subsídios razoáveis e a prestação de auxílio para as famílias carentes. A luta para levar prosperidade aos agricultores da Índia está longe de acabar. Mas é bom lembrar àqueles que são tentados a ceder ao desespero as palavras de um dos seus compatriotas, filho de um fazendeiro originário de uma aldeia de Tamil Nadu – e que se tornou o primeiro de sua família a cursar uma universidade e se formar advogado.
Em setembro passado, ao apresentar a decisão da Suprema Corte que colocou a opção NOTA na cédula de votação, esse advogado, que agora é presidente do Supremo Tribunal da Índia e atende pelo nome de P. Sathasivam, escreveu: "pouco a pouco, haverá uma mudança sistêmica e os partidos [políticos] serão obrigados a aceitar a vontade do povo e os candidatos que são conhecidos por sua integridade".
Tradutor: Cláudia Gonçalves
O protesto está sendo estimulado pela crescente atenção dada à chocante taxa de suicídios registrada nas fazendas indianas menos lucrativas. Desde 1995, mais de 290 mil agricultores já se mataram. Apesar de esse número, que foi compilado pelo National Crime Records Bureau (Departamento Nacional de Registros Criminais), não ser muito preciso na melhor das hipóteses, a percepção é o que conta em termos políticos.
E essa percepção, ao lado da realidade, segundo a qual a maior parte desses suicídios foi provocada pelo desespero forjado durante décadas de corrupção governamental e por dívidas escorchantes e uma negligência cruel, está sendo associada a uma mudança revolucionária na lei eleitoral da Índia. Pela primeira vez, os agricultores irritados poderão rejeitar todos os políticos que têm pedido seus votos e marcar nas cédulas "Nenhum dos anteriores" ("None of the Above", em inglês, opção que gerou o acrônimo NOTA).
Kishor Tiwari, neto de um segurança de fazenda da região de Vidarbha, no estado de Maharashtra, é um dos muitos defensores da nova lei, para quem a opção NOTA dará às pessoas uma nova força política. A organização de Tiwari, o Fórum de Protestos do Povo de Vidarbha, monitora os suicídios e as reivindicações por apoio financeiro das famílias dos mortos.
Ele diz que a alta taxa de suicídios é produto direto da profunda pobreza agravada pela apatia burocrática e por políticas econômicas temerárias adotadas pelo governo indiano. Além disso, ele acredita que essas mortes são deliberadamente subnotificadas.
Muitos acreditam que a taxa de suicídios entre os trabalhadores agrícolas da Índia é quase três vezes maior do que a média nacional, mas é difícil obter números precisos (profissionais da área de saúde, cientistas sociais e estatísticos ressaltam que a questão é extremamente complexa). A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 170 mil indianos de todas as camadas sociais cometem suicídio todos os ano na Índia; para o governo indiano, a cifra foi de aproximadamente 135 mil em 2010.
Mas essa estatística é enganosa, até porque o suicídio é considerado crime na Índia e, como tal, fica sob a alçada do Departamento Nacional de Registros Criminais. O estigma social que acompanha o suicídio, e o risco que ele venha a provocar a perda das indenizações oferecidas pelo governo, alimenta a relutância das famílias em relatar esse tipo de morte. Além disso, muitos suicídios ocorrem entre os trabalhadores agrícolas que não são oficialmente classificados como agricultores.
"Provavelmente os suicídios são muito subnotificados", escreveu o professor K. Nagaraj, economista da Faculdade de Jornalismo da Ásia, em um relatório de 2008. "A questão mais importante é a maneira como os fazendeiros são definidos no mundo real, ou seja, como trabalhadores que são donos de terras. Esse tipo de classificação pode, por exemplo, deixar de fora os rendeiros, que são aqueles que alugam fazendas, e, principalmente, as mulheres agricultoras". Esses fatores, de acordo com Nagaraj, equivalem a uma "conspiração silenciosa".
Quer essa percepção supere a realidade ou não, não há como negar que, nos últimos anos, os agricultores indianos estão tomando uma surra quando se leva em consideração seu mercado de atuação. A concorrência global que acompanhou a liberalização da economia indiana em 1991 reduziu os lucros desses trabalhadores. Os custos dispararam quando as sementes geneticamente modificadas produzidas por empresas estrangeiras de produtos agrícolas inundaram os mercados indianos no final da década de 1990. Atualmente, a maioria dos agricultores tradicionais são obrigados a contrair empréstimos – muitas vezes de agiotas que cobram taxas de juros exorbitantes.
Embora não seja nenhuma surpresa que o Congresso Nacional Indiano, partido do primeiro-ministro Manmohan Singh, tenha perdido terreno entre os agricultores, os outros candidatos também não estão se saindo bem entre essa parcela do eleitorado. Narendra Modi, do Partido Bharatiya Janata, fez campanha em Vidarbha no mês passado e prometeu decretar estado de "calamidade nacional" para as fazendas da região, que recentemente foram devastadas por condições climáticas adversas. Outro político que é um dos principais candidatos a primeiro-ministro da Índia – Arvind Kejriwal, do Partido Aam Aadmi – também fez as mesmas promessas de última hora que os agricultores já ouviram antes.
Confrontados com uma lista de candidatos tão impopular, milhares de agricultores e suas famílias se reuniram em 15 de março passado no vilarejo de Bhimkund, em Vidarbha, onde uma fazendeira chamada Kiran Kolvate liderou um protesto. "Todos os partidos políticos de todas as tendências têm ignorado totalmente a situação de meio milhão de agricultores", declarou ela, pedindo à multidão para votar "None of the Above" ("Nenhum dos anteriores").Indiana vítima de ataque com ácido mostra marca da violência
Chanchal,
19, mostra marcas de ataque com ácido em escritório de ONG que combate a
prática, em Nova Déli (Índia). Segundo especialistas, "dois ou três
ataques com ácido" ocorrem na Índia por semana, embora a maioria dos
casos não seja notificada às autoridades. Em julho, a Corte Suprema
indiana estipulou uma restrição na venda de ácido e anunciou uma
compensação de US$ 5 mil às vítimas, principalmente mulheres, dos
ataques que são cometidos com este tipo de substância. Além disso,
durante o mês de março, o governo endureceu as penas contra este tipo de
crime, e a nova lei pune os ataques com ácido com entre 8 e 12 anos de
prisão. A foto, tirada em 5 de dezembro, foi disponibilizada nesta
quinta-feira (12) Altaf Qadri/AP
Ao escolher "None of the Above", muitos agricultores estão exigindo que os dirigentes da Índia adotem medidas efetivas para acabar com a miséria que está minando um dos setores-chave da economia do país. E esses líderes podem fazer isso simplesmente ao cumprirem as promessas ainda não cumpridas feitas durante as últimas duas décadas, que incluem: o perdão das dívidas, a adoção de preços de mercado justos, a criação de uma melhor infraestrutura e de subsídios razoáveis e a prestação de auxílio para as famílias carentes. A luta para levar prosperidade aos agricultores da Índia está longe de acabar. Mas é bom lembrar àqueles que são tentados a ceder ao desespero as palavras de um dos seus compatriotas, filho de um fazendeiro originário de uma aldeia de Tamil Nadu – e que se tornou o primeiro de sua família a cursar uma universidade e se formar advogado.
Em setembro passado, ao apresentar a decisão da Suprema Corte que colocou a opção NOTA na cédula de votação, esse advogado, que agora é presidente do Supremo Tribunal da Índia e atende pelo nome de P. Sathasivam, escreveu: "pouco a pouco, haverá uma mudança sistêmica e os partidos [políticos] serão obrigados a aceitar a vontade do povo e os candidatos que são conhecidos por sua integridade".
Tradutor: Cláudia Gonçalves
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