Kasia Lipska - NYT
Há doze anos, meu marido e eu empacotamos todos nossos pertences e nos mudamos para Trivandrum –uma cidade tropical quente e úmida em Kerala, na ponta sul da Índia. Na época, eu era uma estudante de medicina interessada em estudar derrames. Nos seis meses seguintes, eu vesti um sári e caminhei para o trabalho por estradas na selva. No hospital, eu comecei a ver imediatamente um fluxo constante de pacientes afetados por derrames, muitos deles tão severamente incapacitados que eram incapazes de trabalhar. Inicialmente eu suspeitei que a causa era tuberculose ou dengue –afinal, estávamos no mundo em desenvolvimento, onde infecções há muito são as principais culpadas por doenças. Mas logo percebi que meu palpite estava errado.
Um de meus primeiros pacientes foi uma
mulher na faixa dos 30 anos, que chegou com dor de cabeça, vomitando e
com andar instável. Seu exame mostrou um derrame cerebral. Ela
apresentava nível muito alto de açúcar no sangue. A causa por trás de
seu derrame muito provavelmente era uma diabete tipo 2 não tratada. Aqui
estava eu, do outro lado do globo, em uma cultura altamente
estrangeira, mas olhando para uma doença –e o estilo de vida que a
causa– espantosamente familiar.
Hoje, eu sou uma endocrinologista, e a diabete se tornou uma epidemia plena na Índia, China e em muitas das economias emergentes.
Nos Estados Unidos, a diabete tende a ser uma doença que, apesar de certamente não benigna, é administrável. Neste mês, pesquisadores federais relataram que os riscos à saúde para os aproximadamente 25 milhões de americanos com diabete caíram acentuadamente nas duas últimas décadas. Mas em outras partes do mundo, a diabete se desdobra de um modo dramaticamente diferente. Os pacientes frequentemente carecem de acesso a atendimento de saúde e não obtêm insulina, comprimidos para pressão sanguínea e outros medicamentos que diminuem o risco de complicações. À medida que mais e mais pessoas desenvolvem a doença, os hospitais logo estarão sobrecarregados de pacientes experimentando todos seus piores resultados: cegueira, amputação de membros, falência renal (necessitando de diálise), coma e morte.
Nas últimas décadas, o Sul da Ásia está passando por uma rápida
transição econômica paralela à mudança epidemiológica nos padrões da
doença. Recentemente, quando voltei à Índia para uma bolsa de estudos de
um ano, eu vi isso pessoalmente. Os indianos agora vivem vidas mais
sedentárias, trabalhando em bancos, laboratórios e call centers. Ao
mesmo tempo, a dieta deles está mudando, à medida que comem mais e
consomem alimentos ricos em calorias e gorduras saturadas.
Além disso, evidência sugere que os indianos podem estar especialmente predispostos à diabete, de modo que mesmo aqueles que estão ligeiramente acima do peso provavelmente correm risco. A Índia também tem uma taxa elevada de desnutrição entre as crianças, e má nutrição no início da vida parece ativar mudanças metabólicas que levam à diabete na idade adulta. O resultado é uma tempestade perfeita de comércio, estilo de vida e genética.
Segundo a Federação Internacional de Diabete, estima-se que atualmente há cerca de 65 milhões de adultos com diabete na Índia. A projeção é de que o número cresça para 109 milhões até 2035. A China também enfrenta uma epidemia de diabete –com a estimativa de 98 milhões de pessoas afetadas. A Indonésia tem quase 9 milhões e o Paquistão tem cerca de 7 milhões. Ao todo, 382 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com diabete, a grande maioria em países de renda baixa ou média –lugares onde muitos casos não são diagnosticados e nem tratados.
Os custos associados à diabete são enormes; eles incluem as despesas relacionadas às complicações agudas e crônicas, os custos das terapias para preveni-las, e o fato de os afetados ficarem impossibilitados de trabalhar e sustentar suas famílias. Muitos pacientes são levados à falência. Na Índia, apenas 10% das pessoas têm plano de saúde, e os pacientes pagam do próprio bolso a maioria das despesas. Em alguns países de renda baixa ou média, pacientes de diabete que vivem com US$ 1 a US$ 2 por dia precisariam gastar até 50% de sua renda mensal para comprar apenas um frasco de insulina. Materiais adicionais como seringas, agulhas e exames de sangue elevam ainda mais as despesas.
Há muito a ser feito em preparação para essa epidemia global. O simples
tamanho dela significa que as estratégias focadas apenas no tratamento
serão caras demais. Se nada mudar nas duas próximas décadas, a Índia
precisará fornecer atendimento crônico para mais de 100 milhões de
pessoas com diabete –algo próximo de toda a população adulta da Rússia.
A solução na Índia e em outros países em desenvolvimento precisa incluir prevenção, o que significa promover uma alimentação saudável e atividade física. Não é fácil: nós não tivemos sucesso nos Estados Unidos. Na Índia, isso exigirá políticas melhores que favoreçam hortifrútis em lugar de alimentos refinados e processados. Uma oportunidade envolve o Esquema de Refeição do Meio-Dia da Índia, um programa que oferece almoço para 120 milhões de crianças. O programa foi manchado pela corrupção e por problemas fatais de contaminação, mas à medida que o governo indiano trata desses assuntos, ele também tem a chance de mudar os hábitos alimentares de muitas crianças. O exercício é outro elemento crucial. Correr ou mesmo caminhar para o trabalho nas cidades indianas frequentemente significa sufocar com a fumaça dos escapamentos e desviar de carros em velocidade. A criação de mais calçadas e ciclovias poderia contribuir muito.
O segundo passo é fornecer aos pacientes com diabete medicamentos eficazes, seguros e a preço acessível. Um lado positivo é que há pelo menos uma década, a Índia tem fabricado insulina genérica barata. Mas nos últimos anos, os laboratórios farmacêuticos, sentindo o potencial de lucros, começaram a comercializar seus produtos agressivamente.
Em um grande hospital público, eu vi filas de representantes de laboratórios farmacêuticos com folhetos caros e amostras de medicamentos aguardando para conversar com os médicos. Algumas classes de medicamentos que estão empurrando, como incretinomiméticos –que são injetados para reduzir o açúcar no sangue– são muito caros e, apesar de aprovados para uso tanto nos Estados Unidos quanto na Índia, nós não sabemos muito sobre a segurança deles a longo prazo. Eles não parecem reduzir o açúcar no sangue melhor que alternativas mais baratas como a metformina, que vem em formato de comprimido e é considerada a melhor primeira opção para muitas pessoas com diabete. Nos Estados Unidos, os gastos com medicamentos para diabete aumentaram, à medida que drogas mais recentes foram rapidamente adotadas. A Índia precisa desesperadamente criar diretrizes baseadas em evidências que levem em consideração o custo e a eficácia, para que o tratamento não seja movido pelo marketing.
Mas mesmo os melhores medicamentos não funcionarão sem um sistema de
atendimento de saúde que funcione bem. O atendimento para diabete não é
rápido. Não basta tomar um comprimido por 10 dias e estará curado. Ele
envolve o trabalho com uma equipe clínica para controle da doença mês a
mês, ano a ano. Isso exige um sistema voltado para atendimento crônico,
que simplesmente não existe em muitos países. Na Índia, agora há o
pedido por um atendimento universal de saúde. Isso é encorajador, mas
está longe de se concretizar. Enquanto isso, a Índia poderia empregar as
lições aprendidas com muitos programas bem-sucedidos para HIV por todo o
mundo em desenvolvimento, que empoderaram as comunidades para
fornecimento de serviços clínicos complexos a milhões de pessoas a baixo
custo.
Para que os autores de políticas e autoridades de saúde possam promover essas mudanças, nós também devemos mudar a forma como pensamos a respeito da doença. A maioria de nós no Ocidente presume que sabemos quais são os riscos e fardos da diabete. E se estivermos falando sobre um paciente em Kansas City ou em Tóquio, provavelmente estaremos certos. Mas quando se trata da diabete, a localização é tudo, e grande parte do mundo agora está vulnerável às consequências mais devastadoras da doença. Se pretendemos ser de alguma ajuda, nós precisamos promover uma mudança conceitual. Nós achamos que sabemos a respeito da diabete –e esse é o problema.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Hoje, eu sou uma endocrinologista, e a diabete se tornou uma epidemia plena na Índia, China e em muitas das economias emergentes.
Nos Estados Unidos, a diabete tende a ser uma doença que, apesar de certamente não benigna, é administrável. Neste mês, pesquisadores federais relataram que os riscos à saúde para os aproximadamente 25 milhões de americanos com diabete caíram acentuadamente nas duas últimas décadas. Mas em outras partes do mundo, a diabete se desdobra de um modo dramaticamente diferente. Os pacientes frequentemente carecem de acesso a atendimento de saúde e não obtêm insulina, comprimidos para pressão sanguínea e outros medicamentos que diminuem o risco de complicações. À medida que mais e mais pessoas desenvolvem a doença, os hospitais logo estarão sobrecarregados de pacientes experimentando todos seus piores resultados: cegueira, amputação de membros, falência renal (necessitando de diálise), coma e morte.
Além disso, evidência sugere que os indianos podem estar especialmente predispostos à diabete, de modo que mesmo aqueles que estão ligeiramente acima do peso provavelmente correm risco. A Índia também tem uma taxa elevada de desnutrição entre as crianças, e má nutrição no início da vida parece ativar mudanças metabólicas que levam à diabete na idade adulta. O resultado é uma tempestade perfeita de comércio, estilo de vida e genética.
Segundo a Federação Internacional de Diabete, estima-se que atualmente há cerca de 65 milhões de adultos com diabete na Índia. A projeção é de que o número cresça para 109 milhões até 2035. A China também enfrenta uma epidemia de diabete –com a estimativa de 98 milhões de pessoas afetadas. A Indonésia tem quase 9 milhões e o Paquistão tem cerca de 7 milhões. Ao todo, 382 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com diabete, a grande maioria em países de renda baixa ou média –lugares onde muitos casos não são diagnosticados e nem tratados.
Os custos associados à diabete são enormes; eles incluem as despesas relacionadas às complicações agudas e crônicas, os custos das terapias para preveni-las, e o fato de os afetados ficarem impossibilitados de trabalhar e sustentar suas famílias. Muitos pacientes são levados à falência. Na Índia, apenas 10% das pessoas têm plano de saúde, e os pacientes pagam do próprio bolso a maioria das despesas. Em alguns países de renda baixa ou média, pacientes de diabete que vivem com US$ 1 a US$ 2 por dia precisariam gastar até 50% de sua renda mensal para comprar apenas um frasco de insulina. Materiais adicionais como seringas, agulhas e exames de sangue elevam ainda mais as despesas.
A solução na Índia e em outros países em desenvolvimento precisa incluir prevenção, o que significa promover uma alimentação saudável e atividade física. Não é fácil: nós não tivemos sucesso nos Estados Unidos. Na Índia, isso exigirá políticas melhores que favoreçam hortifrútis em lugar de alimentos refinados e processados. Uma oportunidade envolve o Esquema de Refeição do Meio-Dia da Índia, um programa que oferece almoço para 120 milhões de crianças. O programa foi manchado pela corrupção e por problemas fatais de contaminação, mas à medida que o governo indiano trata desses assuntos, ele também tem a chance de mudar os hábitos alimentares de muitas crianças. O exercício é outro elemento crucial. Correr ou mesmo caminhar para o trabalho nas cidades indianas frequentemente significa sufocar com a fumaça dos escapamentos e desviar de carros em velocidade. A criação de mais calçadas e ciclovias poderia contribuir muito.
O segundo passo é fornecer aos pacientes com diabete medicamentos eficazes, seguros e a preço acessível. Um lado positivo é que há pelo menos uma década, a Índia tem fabricado insulina genérica barata. Mas nos últimos anos, os laboratórios farmacêuticos, sentindo o potencial de lucros, começaram a comercializar seus produtos agressivamente.
Em um grande hospital público, eu vi filas de representantes de laboratórios farmacêuticos com folhetos caros e amostras de medicamentos aguardando para conversar com os médicos. Algumas classes de medicamentos que estão empurrando, como incretinomiméticos –que são injetados para reduzir o açúcar no sangue– são muito caros e, apesar de aprovados para uso tanto nos Estados Unidos quanto na Índia, nós não sabemos muito sobre a segurança deles a longo prazo. Eles não parecem reduzir o açúcar no sangue melhor que alternativas mais baratas como a metformina, que vem em formato de comprimido e é considerada a melhor primeira opção para muitas pessoas com diabete. Nos Estados Unidos, os gastos com medicamentos para diabete aumentaram, à medida que drogas mais recentes foram rapidamente adotadas. A Índia precisa desesperadamente criar diretrizes baseadas em evidências que levem em consideração o custo e a eficácia, para que o tratamento não seja movido pelo marketing.
Para que os autores de políticas e autoridades de saúde possam promover essas mudanças, nós também devemos mudar a forma como pensamos a respeito da doença. A maioria de nós no Ocidente presume que sabemos quais são os riscos e fardos da diabete. E se estivermos falando sobre um paciente em Kansas City ou em Tóquio, provavelmente estaremos certos. Mas quando se trata da diabete, a localização é tudo, e grande parte do mundo agora está vulnerável às consequências mais devastadoras da doença. Se pretendemos ser de alguma ajuda, nós precisamos promover uma mudança conceitual. Nós achamos que sabemos a respeito da diabete –e esse é o problema.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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