Erica Goode - NYT
Sandy Huffaker/The New York Times
Moo
Moo Kitty, um bezerro, e Chutti, um rinoceronte de um chifre, nasceram
em novembro de 2014 no San Diego Zoo Safari Park, em Escondido, na
Califórnia, e são 'amigos' desde então
Uma cabra brinca com um bebê rinoceronte. Um porco aninha um gato doméstico. Uma cobra se mostra gentil com o hamster que originalmente serviria como seu almoço.
Poucas coisas parecem arrebatar a imaginação das pessoas de modo mais confiável do que interações amistosas entre espécies diferentes –um fato que não passou desapercebido pela Anheuser-Busch, que durante o Super Bowl (a final do futebol americano) no domingo oferecerá uma sequência para "Amor de Filhote", seu altamente popular comercial da Budweiser de 2014, sobre a amizade entre um cavalo e um filhote de cão labrador. O comercial exibido no Super Bowl do ano passado foi visto mais de 55 milhões de vezes no YouTube.
Vídeos de pares improváveis de animais brincando e se aninhando se tornaram tão comuns que atraíram o interesse de alguns cientistas, que dizem que eles convidam a um estudo mais sistemático. Entre outras coisas, dizem os pesquisadores, as alianças poderiam aumentar o entendimento de como as espécies se comunicam, o que leva certos animais a se conectarem a outras espécies e até que ponto alguns animais podem adotar comportamentos de outras espécies.
"Não há dúvida de que o estudo desses relacionamentos pode proporcionar algum entendimento dos fatores envolvidos em relacionamentos normais", disse Gordon Burghardt, um professor do departamento de psicologia, ecologia e biologia evolutiva da Universidade do Tennessee, que acrescentou que um vídeo que ele gostava de mostrar aos seus alunos era de uma tartaruga pequena e persistente brincando com uma bola com um Jack Russell terrier.
"Até mesmo um único exemplo levanta a possibilidade de que algo interessante esteja ocorrendo", disse Burghardt.
A ciência não ignorou completamente as interações incomuns entre espécies. Biólogos descreveram relacionamentos formados visando atingir uma meta específica, como a caçada cooperativa entre garoupas e moreias. E em meados dos anos 1900, Konrad Lorenz e outros etólogos demonstraram que durante períodos críticos após o nascimento, certas aves e outros animais seguem o primeiro objeto em movimento que veem, seja animal, humano ou máquina, um fenômeno conhecido como "imprinting". Lorenz foi famosamente fotografado com um bando de gansos "imprinted" o seguindo.
Mas até recentemente, qualquer sugestão de que relacionamentos entre espécies poderiam se basear simplesmente em companheirismo provavelmente seria recebida com escárnio, desdenhada como um antropomorfismo ao estilo Pixar. Mas isso mudou, à medida que a pesquisa gradualmente minou algumas fronteiras entre o Homo sapiens e outros animais. Como foi revelado, outras espécies compartilham habilidades antes consideradas exclusivamente humanas, incluindo algumas emoções, uso de ferramentas, capacidade de contar, certos aspectos de linguagem e até mesmo um senso moral.
Alguns cientistas permanecem céticos de que os exemplos de relacionamentos entre espécies oferecem tanta ciência quanto uma dose pesada de fofura.
Mas outros veem um terreno fértil para investigação, mesmo em laços formados no cativeiro ou outros ambientes domesticados.
"Há muitas perguntas", disse Barbara Smuts, uma pesquisadora de primatas da Universidade de Michigan, que em 1985 chocou alguns de seus colegas ao aplicar a palavra "amizade" para descrever os laços entre fêmeas de babuínos. "Nós sabemos que isso acontece entre todo tipo de espécies. Eu acho que algum dia a comunidade científica aceitará isso."
Enquanto isso, não há escassez de histórias sobre animais que derrubaram barreiras de espécies, algumas fornecidas por pesquisadores como Smuts, que descreveu observar sua cadela, Safi, uma mestiça de pastor alemão de 36 quilos, fazer amizade com um burro chamado Wister em um rancho no Wyoming nos anos 90.
Inicialmente, Wister investia e dava coices contra a cadela, a reconhecendo como uma ameaça potencial. Mas aos poucos, Safi persuadiu Wister a interagir, fazendo postura de convite a brincar e correndo de um lado para outro ao longo do cercado do burro.
Posteriormente, como Smuts escreveu em um artigo de 2001, "Toda manhã, após ser solto do cercado, Wister ficava plantado em frente à porta aguardando pela saída de Safi, e então ficavam brincando e perambulando juntos por horas".
A cadela ensinou o burro a pegar uma vara e carregá-la em sua boca, apesar de que, disse Smuts, "ele parecia não saber por que estava perambulando com uma vara em sua boca".
Os dois animais também pareciam trabalhar em uma linguagem comum. Quando Wister, várias vezes o tamanho de Safi, chutava acidentalmente a cadela enquanto brincavam, o burro ficava imóvel, como se dissesse, "foi sem querer". Safi, por sua vez, pulava e mordiscava o pescoço de Wister, como se sinalizasse, "Isso doeu". Então os dois retomavam a brincadeira de onde tinham parado.
Barbara J. King, uma antropóloga do College of William and Mary, disse esperar que os pesquisadores comecem a coletar exemplos de interações entre espécies diferentes para desenvolvimento de um banco de dados que mereça análise científica.
"Eu não acho que nem chegamos ao ponto de podermos extrair padrões, porque o banco de dados é pequeno demais", ela disse, acrescentando que o assunto também poderia se beneficiar de uma definição rigorosa do que constitui uma "amizade" entre membros de espécies diferentes.
King sugeriu alguns critérios. Um relacionamento, ela propôs, deve ser algo sustentável; deve ser algo mútuo, com ambos os animais engajados na interação, e algum tipo de acomodação deve ocorrer a serviço do relacionamento, seja uma modificação no comportamento ou na comunicação.
Em alguns vídeos online populares, notou King, esses critérios estão claramente ausentes. Em um vídeo no YouTube de um hamster sobre uma cobra, por exemplo, não está claro se os dois são amigos ou se a cobra simplesmente está sem fome.
Outro vídeo, mostrando uma leoa no Quênia "adotando" uma série de filhotes de antílope, fornece uma ideia de como a percepção pode diferir da realidade. No vídeo, uma conservacionista que observava a leoa diz, "Muitas pessoas sentem que isso é uma mensagem de Deus". Ela acrescenta: "É um leão e um cordeiro deitados juntos".
Mas Craig Packer, um pesquisador de leões da Universidade do Minnesota que também aparece no vídeo, disse em uma entrevista recente que a leoa provavelmente estava brincando com sua presa antes de matá-la.
"Ela estava apenas os mantendo por perto", disse Packer. Ele acrescentou que interações amigáveis entre espécies normalmente hostis dificilmente ocorrem na natureza selvagem, onde "acabariam toda vez em lágrimas".
Mesmo em cativeiro, laços sustentados acabam evocando observações interessantes. Marc Bekoff, um professor emérito de ecologia e biologia evolutiva da Universidade do Colorado, em Boulder, disse que exemplos de animais criados juntos desde pequenos ilustra a abertura presente por algum tempo em muitas espécies após o nascimento.
"Isso mostra que os animais jovens realmente apresentam portas abertas", disse Bekoff, que há muito estuda as emoções dos animais.
Esse certamente parece ser o caso no San Diego Zoo and Safari Park, onde desde 1981 os treinadores unem guepardos com cães desde pequenos. Os cães têm um efeito socializador sobre os felinos ariscos, como descobriu o zoológico, permitindo aos treinadores levar os guepardos para eventos públicos como "animais embaixadores".
Janet Rose-Hinostroza, uma treinadora de animais encarregada dos felinos no Safari Park, disse que um tipo particular de personalidade canina é necessário para fazer esses relacionamentos funcionarem. Ao selecionar os filhotes, ela disse, procura por aqueles que são mais tranquilos, nem dominantes demais, nem submissos demais.
"Um filhote que não para de correr, pega o brinquedo e tenta proteger a comida, esse não é o filhote que procuro", ela disse.
O cão e o guepardo gradualmente encontram uma forma de brincarem juntos, disse Rose-Hinostroza. Os cães gostam de se engalfinhar, mas a brincadeira preferida dos guepardos é correr atrás –uma forma de aperfeiçoarem suas habilidades predatórias.
"Os guepardos agem tipo, 'Não, não, você precisa ser uma gazela!'", disse Rose-Hinostroza.
A comunhão entre espécies, disseram os pesquisadores, pode inspirar especulação não apenas sobre os animais, mas também sobre os humanos que são tão fascinados por eles.
No Haller Park no Quênia –onde Mzee, uma tartaruga de 130 anos, cuida de Owen, um bebê rinoceronte órfão– um homem visitando o parque com seu filho olhava para a dupla improvável e comenta, durante um documentário sobre a dupla: "Se duas criaturas tão diferentes se entendem dessa forma, então por que iraquianos, britânicos e americanos, palestinos e israelenses, não conseguem?"
Ou como colocou Haraway: "Em uma situação na qual o terrorismo é cultivado de todos os ângulos e somos ensinados a temer praticamente tudo, por que alguém se surpreenderia por haver um desejo profundo pelos prazeres de um reino pacífico?"
Uma cabra brinca com um bebê rinoceronte. Um porco aninha um gato doméstico. Uma cobra se mostra gentil com o hamster que originalmente serviria como seu almoço.
Poucas coisas parecem arrebatar a imaginação das pessoas de modo mais confiável do que interações amistosas entre espécies diferentes –um fato que não passou desapercebido pela Anheuser-Busch, que durante o Super Bowl (a final do futebol americano) no domingo oferecerá uma sequência para "Amor de Filhote", seu altamente popular comercial da Budweiser de 2014, sobre a amizade entre um cavalo e um filhote de cão labrador. O comercial exibido no Super Bowl do ano passado foi visto mais de 55 milhões de vezes no YouTube.
Vídeos de pares improváveis de animais brincando e se aninhando se tornaram tão comuns que atraíram o interesse de alguns cientistas, que dizem que eles convidam a um estudo mais sistemático. Entre outras coisas, dizem os pesquisadores, as alianças poderiam aumentar o entendimento de como as espécies se comunicam, o que leva certos animais a se conectarem a outras espécies e até que ponto alguns animais podem adotar comportamentos de outras espécies.
"Não há dúvida de que o estudo desses relacionamentos pode proporcionar algum entendimento dos fatores envolvidos em relacionamentos normais", disse Gordon Burghardt, um professor do departamento de psicologia, ecologia e biologia evolutiva da Universidade do Tennessee, que acrescentou que um vídeo que ele gostava de mostrar aos seus alunos era de uma tartaruga pequena e persistente brincando com uma bola com um Jack Russell terrier.
"Até mesmo um único exemplo levanta a possibilidade de que algo interessante esteja ocorrendo", disse Burghardt.
A ciência não ignorou completamente as interações incomuns entre espécies. Biólogos descreveram relacionamentos formados visando atingir uma meta específica, como a caçada cooperativa entre garoupas e moreias. E em meados dos anos 1900, Konrad Lorenz e outros etólogos demonstraram que durante períodos críticos após o nascimento, certas aves e outros animais seguem o primeiro objeto em movimento que veem, seja animal, humano ou máquina, um fenômeno conhecido como "imprinting". Lorenz foi famosamente fotografado com um bando de gansos "imprinted" o seguindo.
Mas até recentemente, qualquer sugestão de que relacionamentos entre espécies poderiam se basear simplesmente em companheirismo provavelmente seria recebida com escárnio, desdenhada como um antropomorfismo ao estilo Pixar. Mas isso mudou, à medida que a pesquisa gradualmente minou algumas fronteiras entre o Homo sapiens e outros animais. Como foi revelado, outras espécies compartilham habilidades antes consideradas exclusivamente humanas, incluindo algumas emoções, uso de ferramentas, capacidade de contar, certos aspectos de linguagem e até mesmo um senso moral.
Alguns cientistas permanecem céticos de que os exemplos de relacionamentos entre espécies oferecem tanta ciência quanto uma dose pesada de fofura.
Mas outros veem um terreno fértil para investigação, mesmo em laços formados no cativeiro ou outros ambientes domesticados.
"Há muitas perguntas", disse Barbara Smuts, uma pesquisadora de primatas da Universidade de Michigan, que em 1985 chocou alguns de seus colegas ao aplicar a palavra "amizade" para descrever os laços entre fêmeas de babuínos. "Nós sabemos que isso acontece entre todo tipo de espécies. Eu acho que algum dia a comunidade científica aceitará isso."
Enquanto isso, não há escassez de histórias sobre animais que derrubaram barreiras de espécies, algumas fornecidas por pesquisadores como Smuts, que descreveu observar sua cadela, Safi, uma mestiça de pastor alemão de 36 quilos, fazer amizade com um burro chamado Wister em um rancho no Wyoming nos anos 90.
Inicialmente, Wister investia e dava coices contra a cadela, a reconhecendo como uma ameaça potencial. Mas aos poucos, Safi persuadiu Wister a interagir, fazendo postura de convite a brincar e correndo de um lado para outro ao longo do cercado do burro.
Posteriormente, como Smuts escreveu em um artigo de 2001, "Toda manhã, após ser solto do cercado, Wister ficava plantado em frente à porta aguardando pela saída de Safi, e então ficavam brincando e perambulando juntos por horas".
A cadela ensinou o burro a pegar uma vara e carregá-la em sua boca, apesar de que, disse Smuts, "ele parecia não saber por que estava perambulando com uma vara em sua boca".
Os dois animais também pareciam trabalhar em uma linguagem comum. Quando Wister, várias vezes o tamanho de Safi, chutava acidentalmente a cadela enquanto brincavam, o burro ficava imóvel, como se dissesse, "foi sem querer". Safi, por sua vez, pulava e mordiscava o pescoço de Wister, como se sinalizasse, "Isso doeu". Então os dois retomavam a brincadeira de onde tinham parado.
Barbara J. King, uma antropóloga do College of William and Mary, disse esperar que os pesquisadores comecem a coletar exemplos de interações entre espécies diferentes para desenvolvimento de um banco de dados que mereça análise científica.
"Eu não acho que nem chegamos ao ponto de podermos extrair padrões, porque o banco de dados é pequeno demais", ela disse, acrescentando que o assunto também poderia se beneficiar de uma definição rigorosa do que constitui uma "amizade" entre membros de espécies diferentes.
King sugeriu alguns critérios. Um relacionamento, ela propôs, deve ser algo sustentável; deve ser algo mútuo, com ambos os animais engajados na interação, e algum tipo de acomodação deve ocorrer a serviço do relacionamento, seja uma modificação no comportamento ou na comunicação.
Em alguns vídeos online populares, notou King, esses critérios estão claramente ausentes. Em um vídeo no YouTube de um hamster sobre uma cobra, por exemplo, não está claro se os dois são amigos ou se a cobra simplesmente está sem fome.
Outro vídeo, mostrando uma leoa no Quênia "adotando" uma série de filhotes de antílope, fornece uma ideia de como a percepção pode diferir da realidade. No vídeo, uma conservacionista que observava a leoa diz, "Muitas pessoas sentem que isso é uma mensagem de Deus". Ela acrescenta: "É um leão e um cordeiro deitados juntos".
Mas Craig Packer, um pesquisador de leões da Universidade do Minnesota que também aparece no vídeo, disse em uma entrevista recente que a leoa provavelmente estava brincando com sua presa antes de matá-la.
"Ela estava apenas os mantendo por perto", disse Packer. Ele acrescentou que interações amigáveis entre espécies normalmente hostis dificilmente ocorrem na natureza selvagem, onde "acabariam toda vez em lágrimas".
Mesmo em cativeiro, laços sustentados acabam evocando observações interessantes. Marc Bekoff, um professor emérito de ecologia e biologia evolutiva da Universidade do Colorado, em Boulder, disse que exemplos de animais criados juntos desde pequenos ilustra a abertura presente por algum tempo em muitas espécies após o nascimento.
"Isso mostra que os animais jovens realmente apresentam portas abertas", disse Bekoff, que há muito estuda as emoções dos animais.
Esse certamente parece ser o caso no San Diego Zoo and Safari Park, onde desde 1981 os treinadores unem guepardos com cães desde pequenos. Os cães têm um efeito socializador sobre os felinos ariscos, como descobriu o zoológico, permitindo aos treinadores levar os guepardos para eventos públicos como "animais embaixadores".
Janet Rose-Hinostroza, uma treinadora de animais encarregada dos felinos no Safari Park, disse que um tipo particular de personalidade canina é necessário para fazer esses relacionamentos funcionarem. Ao selecionar os filhotes, ela disse, procura por aqueles que são mais tranquilos, nem dominantes demais, nem submissos demais.
"Um filhote que não para de correr, pega o brinquedo e tenta proteger a comida, esse não é o filhote que procuro", ela disse.
O cão e o guepardo gradualmente encontram uma forma de brincarem juntos, disse Rose-Hinostroza. Os cães gostam de se engalfinhar, mas a brincadeira preferida dos guepardos é correr atrás –uma forma de aperfeiçoarem suas habilidades predatórias.
"Os guepardos agem tipo, 'Não, não, você precisa ser uma gazela!'", disse Rose-Hinostroza.
A comunhão entre espécies, disseram os pesquisadores, pode inspirar especulação não apenas sobre os animais, mas também sobre os humanos que são tão fascinados por eles.
No Haller Park no Quênia –onde Mzee, uma tartaruga de 130 anos, cuida de Owen, um bebê rinoceronte órfão– um homem visitando o parque com seu filho olhava para a dupla improvável e comenta, durante um documentário sobre a dupla: "Se duas criaturas tão diferentes se entendem dessa forma, então por que iraquianos, britânicos e americanos, palestinos e israelenses, não conseguem?"
Ou como colocou Haraway: "Em uma situação na qual o terrorismo é cultivado de todos os ângulos e somos ensinados a temer praticamente tudo, por que alguém se surpreenderia por haver um desejo profundo pelos prazeres de um reino pacífico?"
27.jan.2015 - Ruuxa, uma chita, é 'amiga' de Raina, uma cachorra, no San Diego Zoo Safari Park em Escondido, na Califórnia Sandy Huffaker/The New York Times
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