sábado, 3 de janeiro de 2015

Índia estuda liberar ou não o direito ao suicídio
Jerry Pinto - TINYT
L. tem 21 anos de idade, é profissional da mídia em Mumbai, usa gel no cabelo e camisas abotoadas. Nós nos conhecemos em uma sessão de leitura de um livro, há algumas semanas, e ele me contou sobre uma noite, há dois anos, quando uma amiga dele tentou se matar.
Quatro amigos estavam em um bar, bêbados, quando S. disse que nunca iria superar a paixão que tinha por um homem. Ela foi ao banheiro e voltou com os pulsos sangrando. "O proprietário ficou apavorado e chamou a polícia", disse L.. "Nós fechamos a conta rapidamente e fugimos antes que eles aparecessem".
L. levou S. a um hospital, mas "os médicos se recusaram a tratá-la porque era um caso de suicídio". A polícia chegou antes de S. poder ser levada para casa e encaminhada a seu médico de família. "Os policiais disseram que ela era uma criminosa e que teria que ser levada para a delegacia de polícia". "Eles disseram que estávamos incitando o crime e que por isso também seríamos levados à delegacia de polícia".
Nesse ponto, L. fez o que todo jovem privilegiado do mundo faz nessas situações: ligou para o pai, um agente de viagens de sucesso. "Papai veio ao hospital e me deu um tapa na cara, duas ou três vezes, na frente da polícia. Acho que foi para mostrar aos policiais que estava falando sério. Acho que ele me estapeou para não ter que pagar muito. Nos livramos com $ 12.000 rúpias (cerca de R$ 500), depois de uma séria negociação".
L. estava diante da Seção 309 do Código Penal indiano de 1860, uma legislação concebida pelo próprio lorde vitoriano Macaulay, que pune a tentativa de suicídio com multa e até um ano de prisão. Ajudar ou instigar suicídio -uma ofensa criada mais tarde- é punível com até dez anos de prisão, com a possibilidade de trabalho árduo.
A justificativa para a criminalização de tentativa de suicídio é o argumento teológico de sempre: só Deus pode dar a vida, portanto só Deus pode tirá-la. A pena mais dura pela instigação ao suicídio surgiu de uma característica mais distintamente indiana.
A Índia tem leis severas contra a exigência de dote por parte das noivas e suas famílias. Mas mesmo depois do casamento, as mulheres às vezes são assediadas pelos sogros pedindo dinheiro, ouro ou presentes, e algumas, levadas ao desespero, se matam. O encorajamento criminoso ao suicídio muitas vezes foi usado para levar estes casos à justiça.
Mas agora, por iniciativa do partido governante Bharatiya Janata, a lei está prestes a ser revogada. A medida segue uma recomendação de 2008 pela Comissão de Direito, que sugeriu que a tentativa de suicídio deve ser "considerada mais como uma manifestação de um estado doentio da mente que merece tratamento e cuidado do que uma ofensa a ser retribuída com punição".
A notícia chega em boa hora, uma vez que a Índia tem a maior taxa de suicídio do mundo entre jovens de 15 a 29 anos e precisa desesperadamente repensar sua abordagem da saúde mental. (Em muitas cidades, a terapia eletroconvulsiva continua sendo um tratamento comum para a depressão e tendências suicidas; em pequenas aldeias, a cura padrão pode ser o exorcismo). Embora a lei contra o suicídio raramente tenha sido aplicada, sua própria existência -e a ameaça de prisão- serve para desestimular as pessoas que tentaram ou pensaram em suicídio a procurarem ajuda. As autoridades, às vezes, se aproveitam da lei para obter vantagem política ou para conseguir dinheiro, chantageando as famílias já traumatizadas.
Quando eu ouvi no início deste mês que a revogação da lei estava sendo estudada, eu chorei. Ela nunca foi usada contra a minha mãe, mas me lembro do dia em que um policial veio à nossa casa em uma das muitas ocasiões em que ela tentou tirar sua própria vida. Eu tinha cerca de 12 anos de idade. Ele se sentou no nosso sofá Rexine vermelho escuro e falou calmamente com meu pai. Ele tinha um cheiro acre, de suor em poliéster, e recusou uma oferta de chá, gesto padrão de hospitalidade na classe média da Índia. Ele não pediu dinheiro, mas meu pai lhe deu algum de qualquer maneira, agradecendo-lhe por seu tempo e paciência. Depois que o policial partiu –após aceitar a oferta- perguntei ao meu pai se minha mãe seria presa caso contrário. Ele disse: "Eu não sei se posso correr o risco".
Minha mãe era uma suicida crônica. Pagamos várias vezes. Quando um dia ela teve um verdadeiro acidente ao atravessar a estrada, um policial apareceu novamente, convencido de que ela tinha tentado mais uma vez. Meu pai pagou tanto daquela vez, em contas hospitalares e subornos, que tivemos que desistir do sonho de mudar para uma casa maior.
Nem todas as pessoas que tentam o suicídio são doentes mentais: há indianos que querem se matar por motivos religiosos, como alguns jainistas, ou por convicção política.
Em vários territórios do nordeste, a draconiana Lei de Poderes Especiais das Forças Armadas de 1958 permite que os agentes disparem contra pessoas suspeitas de atuar contra o Estado. Em 2004, as mulheres do Estado de Manipur fizeram uma manifestação contra a lei tirando a roupa e carregando uma faixa onde se lia "Exército indiano nos estupre". Um dos protestos mais comoventes foi a campanha de Irom Sharmila Chanu, que em 2000, quando tinha 28 anos de idade, começou uma greve de fome para pedir a revogação da lei. Desde então, ela nunca mais comeu voluntariamente.
Todos os anos, Sharmila é detida e alimentada à força por um tubo nasal até ser liberada. Em seguida, ela declara que continuará seu jejum e é presa novamente. A acusação? Tentativa de suicídio. A sentença? Até um ano.
E agora? A Índia está decidindo se permitirá que cidadãos como Sharmila tenham a liberdade suprema: o direito de recusarem-se a continuar a viver, por qualquer razão. A Índia, em outras palavras, está decidindo se será uma verdadeira democracia. 
Tradutor: Deborah Weinberg

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