"Relacionamento" da Alemanha com a Rússia acabou "pelo futuro previsível"
Constanze Stelzenmueller - Prospect
Reuters
Em tudo isso, a Alemanha é central –por causa de sua localização geográfica, sua força econômica, sua atual posição como poder central da Europa e seu velho relacionamento especial com a Rússia. Por séculos, as relações entre os dois países têm sido um emaranhado de atração recíproca e cumplicidade –nunca tanto quanto no século 20. A região que novamente agora coloca as duas potências em atrito foi cenário de algumas das piores atrocidades cometidas tanto por Adolf Hitler quanto Josef Stálin. Logo, não é de se estranhar que os vizinhos e aliados da Alemanha estejam nervosos. Essas lembranças de desumanidade apavorante do homem para com o homem ficaram gravadas em nosso DNA cultural coletivo. Elas permanecem como pano de fundo em qualquer debate sobre o futuro da região.
Realmente há motivo para preocupação. Mas algumas das pessoas preocupadas estão entendendo a situação de modo errado. "A crise na Ucrânia reabriu antigas questões sobre o relacionamento da Alemanha com o restante do Ocidente", escreve Hans Kundnani na mais recente edição da "Foreign Affairs". Na verdade, a Alemanha já as respondeu exaustivamente.
Quando o presidente da Alemanha, assim como seus ministros das Relações Exteriores e Defesa, pediram por uma política externa alemã mais responsável na Conferência de Segurança de Munique, em janeiro de 2014, poucos dos presentes –incluindo oradores– poderiam imaginar os eventos dramáticos que estavam prestes a ocorrer, ou o simples alcance e magnitude de suas consequências. De lá para cá, a anexação da Crimeia, o abate do voo 17 da Malaysia Airlines, a contínua desestabilização do leste da Ucrânia pela Rússia e a propaganda e molestamento direcionados aos europeus, produziram uma mudança de política histórica em Berlim, e um senso de urgência não visto desde a queda do Muro há uma geração.
O governo da chanceler Angela Merkel concordou com três ondas de sanções, apesar da oposição do Ostausschuss, um subcomitê da Federação Alemã das Indústrias, que é porta-voz das empresas alemãs que atuam na Rússia. Um artigo de opinião em maio no "Financial Times", de autoria de Markus Kerber, o diretor-geral da Federação, reconheceu um "coração pesado", mas prometeu fidelidade. (Marcus Felsner, o chefe da Osteuropaverein, uma associação das empresas que atuam no Leste Europeu, foi ainda mais claro, condenando a "covardia moral e negócios a qualquer preço" no encontro anual do grupo, em novembro do ano passado.)
A chanceler conservadora e seus parceiros cruciais na grande coalizão, Sigmar Gabriel, o ministro da Economia, e Frank Walter Steinmeier, o ministro das Relações Exteriores (ambos social-democratas), disseram repetidamente que o "relacionamento estratégico" da Alemanha com a Rússia acabou "pelo futuro previsível". Isso coloca um fim na tradição pós-guerra da Alemanha de Ostpolitik, baseada na aproximação, comércio mútuo e investimento na modernização da Rússia (e, menos explicitamente, na suposição de que o futuro do Leste Europeu, e dos países que se encontram entre a União Europeia e a Rússia, era, na melhor das hipóteses, uma prioridade secundária). O fato de os social-democratas terem apoiado essa posição, apesar da forte preferência pela diplomacia, atesta a raiva pessoal dos líderes do partido com as ameaças e mentiras russas.
O público alemão foi mais difícil de convencer. Em meados do ano passado, o país ainda estava dividido em relação às sanções. O abate do voo 17, o desrespeito demonstrado com os restos mortais das vítimas pelos separatistas ucranianos e a recusa insensível do presidente Vladimir Putin em contê-los, mudaram o jogo. De lá para cá, pesquisas nacionais mostraram uma profunda desconfiança da Rússia e um apoio da maioria por medidas duras.
Quais são os motivos mais profundos para essa mudança? A dependência econômica alemã da Rússia há muito é exagerada. Com uma participação de menos de 4% no total das exportações alemãs, a Rússia ocupa apenas o 11º lugar no ranking anual dos parceiros comerciais bilaterais da Alemanha. A Alemanha importa menos de um terço de seu petróleo e gás da Rússia, mas Moscou nunca conseguiu transformar isso em influência política. O relacionamento político com Moscou já tinha começado a azedar, notadamente por causa da guerra entre a Rússia e a Geórgia em 2008. E a expansão da OTAN e da UE, a transformação econômica e política dos novos membros do Leste Europeu (particularmente a Polônia), e o ingresso dos países bálticos na zona do euro, tudo isso fez o foco de Berlim se voltar para o leste.
O desafio para a Alemanha permanece imenso: a agressão russa, a volatilidade da Ucrânia, a vulnerabilidade da vizinhança e de muitos países membros da UE à pressão russa, e mais recentemente, a fragilidade da economia russa, assim como a oposição doméstica ao governo Merkel pelos partidos (Alternativa para a Alemanha) e movimentos (Pegida) de direita pró-Rússia. As sanções precisarão ser renovadas em breve –em um momento em que a Alemanha também estará lidando com a crescente ameaça de uma saída grega ou britânica da UE, e negociações comerciais carregadas com os Estados Unidos, que fecharão mais bases na Europa. A verdadeira questão alemã não é se adotará uma abordagem mais conciliadora com a Rússia, mas se será capaz de impedir uma paralisia e fragmentação da Europa.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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