Estado Islâmico é produto de governos falidos no mundo árabe e no Paquistão
Thomas L. Friedman - NYT
Os italianos entenderam certo. Na semana passada, Adam Taylor, do "The
Washington Post", prestativamente recolheu tuítes publicados por
italianos após a divulgação de um vídeo assassino pelo Estado Islâmico
(EI), advertindo: "Hoje estamos ao sul de Roma", diz um militante.
"Vamos conquistar Roma, com a permissão de Alá".
Com o marcador (hashtag) We_Are_Coming_O_Rome (nós estamos chegando, Roma) correndo pela Itália, os romanos reagiram com galhardia.
Como observou Taylor, seus tuítes incluíram:
"We_Are_Coming_O_Rome Hahahah Tenha cuidado na estrada: há muito tráfego, você ficaria preso!"
"We_Are_Coming_O_Rome Ei, só uma dica: não venham de trem, toda vez ele está atrasado!"
"We_Are_Coming_O_Rome Tarde demais, a Itália já foi destruída por seus governos."
E "We_Are_Coming_O_Rome
Estamos prontos para conhecê-los! Temos um bom terreno no Coliseu à
venda, aceitamos cartões de crédito com segurança, preço de banana."
Os assassinatos do EI não são uma piada, mas os italianos zombarem do
EI é bastante apropriado. Enquanto nós debatemos aflitivamente a relação
do EI com o islã, esquecemos a simples verdade sobre muitas das pessoas
que são atraídas para esses grupos.
Essa verdade foi
verbalizada por Ruslan Tsarni na "CNN" depois que seus dois sobrinhos,
Dzhokhar e Tamerlan Tsarnaev, foram acusados do atentado à Maratona de
Boston. Eram apenas dois "fracassados", disse ele, que se ressentiam
daqueles que se saíram melhor do que eles e mascararam esse sentimento
com a ideologia. "Qualquer outra coisa, qualquer coisa a ver com a
religião, com o islã, é uma fraude, uma farsa".
Há muita verdade
nisso. O EI é composto de três facções meio fluidas, e precisamos
entender todas as três antes de mergulharmos mais fundo em outra guerra
no Iraque e na Síria. Uma das facções abrange os voluntários
estrangeiros. Alguns são jihadistas empedernidos, mas muitos são apenas
jovens fracassados, desajustados, aventureiros que nunca tiveram um
emprego, qualquer poder ou a mão de uma garota, e entraram para o EI
para obter todos os três. Eu duvido que muitos sejam sérios estudantes
do islamismo ou que, se tivessem acesso a uma versão mais moderada do
islã, teriam ficado em casa. Se o EI começar a perder e não conseguir
oferecer empregos, poder ou sexo, esse grupo vai encolher.
A
segunda facção do EI, sua espinha dorsal, é composta de ex-oficiais do
exército de sunitas baathistas e de sunitas e tribos locais que dão
apoio passivo ao EI. Embora os sunitas iraquianos constituam apenas um
terço da população do Iraque, eles já governaram o Iraque por gerações e
simplesmente não conseguem aceitar o fato de que a maioria xiita agora
esteja no comando.
Além disso, para muitos habitantes sunitas
sob controle do EI, o grupo radical é simplesmente menos ruim do que a
brutalidade e a discriminação que tinham que suportar com o governo
anterior liderado pelos xiitas. Faça um Google com "milícias xiitas
iraquianas e abuso de poder" e você verá que o EI não inventou a tortura
no Iraque.
Os Estados Unidos continuam a repetir o mesmo erro
no Oriente Médio: superestimam o poder da ideologia religiosa e
subestimam o impacto do mau governo. Sarah Chayes, que trabalhou durante
muito tempo no Afeganistão e escreveu um livro importante --"Thieves of
State: Why Corruption Threatens Global Security" (em tradução livre,
"Ladrões do Estado: Por que a corrupção ameaça a segurança global")--
sobre como a corrupção ajudou a afastar os afegãos dos Estados Unidos e
do regime afegão pró-EUA, argumenta que "nada alimenta mais o extremismo
do que a corrupção e a injustiça declaradas" que alguns aliados dos EUA
no Oriente Médio administram diariamente ao seu povo.
A
terceira facção do EI é composta dos verdadeiros ideólogos, liderados
por Abu Bakr al-Baghdadi. Eles têm sua própria versão apocalíptica do
islã. Mas ela não teria ressonância, não fosse o fato de que "a religião
e a política foram sequestradas" no mundo árabe e no Paquistão, criando
uma "mistura tóxica", como diz Nader Mousavizadeh, que dirige a empresa
de consultoria global Macro Advisory Partners.
Os povos árabes
têm sido governados em grande parte por radicais ou reacionários. E sem a
perspectiva de uma política legítima "que realmente responda às queixas
populares", nenhuma tentativa imposta de cima para baixo para engendrar
um islamismo moderado terá sucesso.
O islamismo não tem um
Vaticano para decretar qual de suas vertentes é autêntica, de modo que
elas emergem de forma diferente em diferentes contextos. Há um islã
moderado que surgiu em contextos políticos, sociais e econômicos
decentes --veja o islamismo na Índia, na Indonésia e na Malásia-- e que
não impediu o progresso da sociedade. E há islamismos de educação
puritana, anti-pluralista, anti-moderna, anti-mulheres, que surgiram nos
cantões mais tribais do mundo árabe, Nigéria e Paquistão, e ajudaram a
impedir o desenvolvimento desses lugares.
É por isso que o EI
não é apenas um problema do islamismo e não é apenas um problema de
"raízes". O EI é um produto de décadas de governos falidos no mundo
árabe e no Paquistão e séculos de calcificação do islamismo árabe. Eles
se alimentam mutuamente. Aqueles que afirmam que é apenas um ou o outro
estão absolutamente errados.
Assim, para derrotar o EI e não ver
o surgimento de outro similar, é preciso: acabar com a sua liderança;
alistar muçulmanos para desacreditarem as versões populares e
extremistas do islã que vêm da Arábia Saudita e do Paquistão; frear a
injustiça, a corrupção, o sectarismo e a falência do Estado hoje
galopantes no mundo árabe e no Paquistão; e criar para os sunitas
iraquianos sua própria região autônoma do Iraque, com uma parte de sua
riqueza petrolífera, como a dos curdos.
Eu sei: parece
impossível. Mas este problema é muito profundo. E este é o único caminho
para um islamismo árabe mais moderado e para se ter menos jovens
buscando a dignidade nos lugares errados.
Tradução: Deborah Weinberg
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