O caminho para proteger a herança judaica na Dinamarca do terrorismo
Como podemos proteger não apenas a segurança dos judeus, mas também a posição deles como uma parte bem integrada de nossa sociedade?
Bo Lidegaard - NYT
Como podemos proteger não apenas a segurança dos judeus, mas também a posição deles como uma parte bem integrada de nossa sociedade?
Bo Lidegaard - NYT
Anthon Unger/AP
Multidão acompanha funeral de Dan Uzan, morto em um dos ataques em Copenhague
O ataque a uma sinagoga de Copenhague neste mês, que deixou um vigia judeu voluntário morto, é uma tragédia para uma sociedade que, por mais de dois séculos, insiste que não há tensão entre ser judeu e ser dinamarquês. Foi precisamente esse senso de solidariedade nacional além das linhas religiosas que ajudou a salvar os judeus da Dinamarca dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
E esse é o motivo para muitos dinamarqueses terem se irritado quando o
primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, convidou os judeus
dinamarqueses a "virem para casa", para Israel, após o ataque. Mesmo com
os judeus da Dinamarca claramente enfrentando uma nova ameaça, desta
vez por um pequeno grupo de muçulmanos dinamarqueses extremistas,
Netanyahu pareceu menosprezar a unidade social que é tão prezada pela
maioria dos dinamarqueses e negar tanto a capacidade comprovada da
Dinamarca de proteger sua população judaica –algo de que os
dinamarqueses se orgulham– quanto a afinidade dos judeus dinamarqueses
por seu país.O ataque a uma sinagoga de Copenhague neste mês, que deixou um vigia judeu voluntário morto, é uma tragédia para uma sociedade que, por mais de dois séculos, insiste que não há tensão entre ser judeu e ser dinamarquês. Foi precisamente esse senso de solidariedade nacional além das linhas religiosas que ajudou a salvar os judeus da Dinamarca dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
A Dinamarca é um caso muito incomum na história conturbada da Europa e seus judeus. Duzentos anos atrás, muitos pensadores europeus argumentavam que havia uma contradição intransponível entre ser patriótico e ser judeu. Grande parte do antissemitismo subsequente na Europa estava enraizado nessa ideia.
Mas na Dinamarca, os judeus foram bem-vindos e, em 1814, obtiveram uma carta que lhes assegurava acesso a emprego, os submetendo ao mesmo tempo à lei civil. Com a Constituição dinamarquesa de 1849, os judeus se tornaram cidadãos com diretos plenos e iguais. Apesar do preconceito e da existência de uma pitada de antissemitismo, não havia base para o antissemitismo ideológico que floresceu na Europa nos anos 1930. De fato, em 1939, o Parlamento dinamarquês aprovou leis contra isso.
Com a ocupação alemã da Dinamarca em 1940, o relacionamento da nação com sua minoria judaica foi colocado sob um teste fatídico. O governo dinamarquês decidiu que o país estava sob "proteção" alemã e em muitas áreas cedeu aos interesses alemães. Mesmo assim, o governo insistiu que não havia um "problema judeu" e rejeitou repetidas vezes os pedidos alemães de discriminação dos judeus. O rei Cristiano 10º disse ao primeiro-ministro que se os alemães obrigassem os judeus dinamarqueses a usarem a Estrela de Davi, então "todos nós usaremos estrelas amarelas". O comentário levou ao mito de que o rei usava a estrela amarela durante seus percursos diários pela Copenhague ocupada.
A resistência à ideia de discriminação contra os judeus dinamarqueses se tornou um símbolo patriótico. Quando o governo renunciou em agosto de 1943, e portanto não podia mais conceder proteção aos judeus, a ocupação nazista agiu contra os 7 mil judeus dinamarqueses. Uma batida foi organizada em 1º de outubro de 1943, mas poucos foram capturados. A grande maioria dos judeus foi alertada antecipadamente –quando os próprios representantes de Hitler informaram os líderes políticos, que então avisaram a comunidade judaica. Até mesmo importantes nazistas temiam que a batida poderia provocar um levante da população dinamarquesa e um total de menos de 500 judeus foram deportados. O restante buscou refúgio e, com a ajuda de seus conterrâneos conseguiu escapar em segurança para a neutra Suécia.
O resgate foi percebido como um ato de patriotismo e uma rebelião silenciosa contra a ocupação e seu terror. Depois da guerra, a maioria dos judeus retornou à Dinamarca, onde em geral encontraram seus imóveis e bens intocados e frequentemente cuidados por vizinhos e amigos. Dos 500 que foram deportados para Theresienstadt, aproximadamente 90% foram resgatados e trazidos de volta para a Dinamarca, em uma operação dramática de último minuto, pouco antes do colapso do Terceiro Reich.
O fato de a vasta maioria dos judeus dinamarqueses ter sido poupada dos horrores do Holocausto se tornou um elemento de união nacional e uma parte central da autocompreensão nacional da Dinamarca moderna.
Os ataques atuais aos judeus são particularmente perturbadores porque, com o aumento da imigração nas últimas décadas, principalmente de países de maioria muçulmana, membros proeminentes da comunidade judaica estão entre os principais defensores da integração profunda desses novos dinamarqueses na sociedade. Apesar dos partidos de direita terem crescido em popularidade aqui, os líderes judeus dinamarqueses enfatizaram os riscos da exclusão, do preconceito e da intolerância.
Apesar do antissemitismo não ser disseminado na Dinamarca, há um número de imigrantes de segunda e terceira geração radicalizados, que projetam o conflito entre israelenses e palestinos nos judeus locais, e veem qualquer judeu como representante de Israel. Isso cria uma ameaça latente de violência contra os judeus –como foi infelizmente demonstrado neste mês.
Outros grupos também são alvo. Jornais e cartunistas foram forçados a reforçar a segurança devido a ameaças diretas e tentativas fracassadas de atacá-los. De fato, o primeiro ataque mortal neste mês foi em um seminário sobre liberdade de expressão. Mesmo assim, lidar com essa ameaça apresenta à minoria judaica e ao restante da sociedade dinamarquesa um dilema particular.
Por dois séculos, a estratégia da Dinamarca de não tratar os judeus de modo diferente tem sido altamente bem-sucedida. Mas a ameaça de extremistas violentos é agora inegável, e ninguém pode garantir que um ataque semelhante não ocorrerá de novo.
Mas como fornecer proteção especial quando ninguém deseja que a minoria judaica seja vista como especial? Como podemos proteger não apenas a segurança de judeus e das instituições judaicas, mas também sua posição tradicional como uma parte bem-integrada da sociedade dinamarquesa?
A chave é tratar diretamente do extremismo e da radicalização que levam às ameaças contra judeus, cartunistas e outros alvos visados pelos extremistas violentos, sem erguer muros e barreiras.
A curto prazo, medidas de proteção serão necessárias, mas no final, trata-se de evitar uma escalada e salvaguardar a sociedade aberta e segura da Dinamarca, e a ideia de que minorias religiosas não devem ser tratadas de modo diferente de quaisquer outros cidadãos. Esse é um desafio muito mais difícil, porém mais importante.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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