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Caca ou não, as análises políticas estão recheadas de
equívocos. No sentido etimológico do termo, ou seja, aequi + vox,
chamar pelo mesmo nome dois fenômenos distintos, causando ambiguidade ao
se usar a mesma palavra para tratar de coisas completamente diferentes.
Basta ver como foram interpretados dois eventos
recentes. Na terça (24), no Rio de Janeiro, um grupo uniformizado com a
camiseta do PT fez um ato “em defesa da Petrobras” (frise-se que esta
foi a propaganda do ato, e não o motivo-em-si do ato, categorizado
metafisicamente). Um homem que os criticou foi cercado pelos militantes
uniformizados e agredido com socos, chutes e voadoras.
Na quinta-feira anterior (19), o ex-ministro da
Fazenda Guido Mantega, o pior ministro da Fazenda da história do país,
incapaz de ser defendido até mesmo pela estrepitosa militância do PT,
foi vaiado nas dependências do rico hospital Albert Einstein, em São
Paulo. Reconhecido por menos de meia dúzia de pessoas sentadas no café
do hospital, ouviu de algumas pessoas frases como “não tem vergonha,
não?” e “vai pro SUS”, esta de uma senhora idosa que mal levantou a voz –
sem ninguém sequer erguer-se das cadeiras.
O caso veio a público, por alguma razão misteriosa,
exatamente na mesma terça-feira, através de sites que fazem propaganda
para o PT em forma de “noticiário”.
Ambos os eventos foram descritos por jornalistas e
defraudadores do ofício por palavras como “hostilidade”, “expulsão”,
“espiral de intolerância”, “agressão”, “ataque” e afins, como se ambos
os casos fossem da mesma espécie ou do mesmo gênero – como se tivessem
características em comum que os igualassem no mesmo escalão, sendo então
sempre comparados quando se comentasse os fatos relevantes da semana.
A linguagem possui muitas camadas subcutâneas, em uma
capilaridade turbulenta que costuma até entrar em confronto consigo
própria. O que jornais costumam fazer ao narrar um fenômeno de
rivalidade entre dois grupos de pessoas é utilizar o que o poeta Ezra
Pound chama de “linguagem de diplomatas”: um vocabulário abstrato, frio,
genérico, etéreo e nuvioso, para evitar palavras fortes que possam ser
tomadas como ofensivas a uma e outra parte.
Se tal linguagem serve a diplomatas, é justamente
porque estes querem esconder suas verdadeiras intenções, vontades e
opiniões do interlocutor, aferrando-se à cortesia, polidez e decoro do
ambiente e da situação. No jornalismo, esta busca por uma falsa
“isenção”, aliada à sua irmã-gêmea malévola, a proditória
“neutralidade”, tem como resultado tratar o leitor como um pseudo-amigo
que deve ser tapeado com luvas de pelica, para continuar considerando
amável o seu charlatão.
Ora,
o que aconteceu no evento da Petrobras no Rio de Janeiro e no hospital
Albert Einstein em São Paulo são coisas absolutamente distintas, que
apenas parecem ter algum aspecto em comum caso sua descrição seja
esbulhada da sua situação real e recriada ad hoc com termos genéricos,
num místico e brumaceiro mundo de palavras que podem significar uma
coisa, talvez outra, porventura ainda outra, quiçá até o seu oposto.
No entanto, é com tal nomenclatura feita para tapear o
interlocutor que as notícias chegam: houve “hostilidade” no evento na
Petrobras e “confronto entre manifestantes e grupo de ativistas” (ainda
que as imagens mais chocantes mostrem uma manada de militantes
uniformizados com camisetas do PT cercando um único homem com repetidas
agressões físicas), mas Guido Mantega também teria sido “agredido”,
“expulso” (muitas vezes com felizes aspas do original), “atacado”
(acrescido de “por oposição”, como se alguém estivesse pedindo votos
anti-PT, ou mesmo com uniformes do PSDB ou de qualquer partido), “posto
para fora”, “enxotado”, “escorraçado”, “rechaçado” – ainda que apenas
tenha ouvido palavras desagradáveis sobre sua gestão da economia do
brasileiro (digamos, uma “caca”), e tenha escolhido sem força nenhuma se
retirar do local.
Assim,
ambos os eventos, que são tão similares entre si quanto uma furadeira é
análoga a uma berinjela, são antepostos lado a lado, como se guardassem
similitudes em parecença, substância e consequências até em nível
ontológico. Como se chamar uma agressão em bando, com socos, chutes e
voadoras de militantes petistas uniformizados, e algumas pessoas
perguntarem se Guido Mantega não tem vergonha de estar ali (sua saída do
ambiente em segurança indica a resposta), fosse simplesmente
“hostilidade”, por igual.
Um portal de notícias pró-PT, financiado por ninguém
menos do que Daniel Dantas, o banqueiro que é síntese do sistema
econômico de empresa-Estado na gestão petista, ao comentar sobre
Mantega, tascou que a “intolerância política no Brasil atinge níveis
inaceitáveis de incivilidade, que prenunciam um neofascismo no País;
agressões têm sido promovidas por forças políticas que se mostram
incapazes de conviver numa democracia”. Outro site afirma que eram
“nazistas” (num hospital judaico, na típica inversão de carrasco e vítima do nazismo feita pela esquerda).
Um brasileiro perguntar se um ministro que
esculhambou o bolso de todos os brasileiros “não tem vergonha” de usar
um caro hospital particular enquanto prega o SUS para o povão, e pedir
que ele utilize o mesmo sistema que propagandeia em troca de poder
político, é “neofascismo”. Mesmo que sejam judeus na platéia, isto é
“nazismo”. Pois é uma “agressão” (verbal). Portanto, quem somos nós,
não-petistas, pessoas normais, para criticar a agressão em bando dos
petistas “pró”-Petrobras?
O editor da revista petista Fórum, quase uma voz
oficial do partido, Renato Rovai, ameaçou: “E se Guido Mantega tivesse
reagido?”. Afirmou que o “legítimo direito de defesa democrático
permitiria ao ex-ministro Mantega partir para cima dos seus agressores
com um litro de água e sabão exigindo que eles lavassem a boca para se
referir a ele”. Não se conhece nenhuma “legítima defesa” no Código Penal
que permita tal agressão física contra quem quer que questione ou mesmo
chame de “safado” um ministro em público.
Porém,
para Rovai, o “radicalismo” e as “ações bárbaras” dos “fascistas”, que
teriam feito com que o ex-ministro fosse obrigado a engolir ”a vergonha e
a dor de ser tratado de forma tão violenta”, indica que essa gente
“precisa ser desmoralizada e confrontada, porque eles estão
ultrapassando todos os sinais da sensatez, da civilidade, do respeito ao
próximo e da democracia”, afinal, “ninguém é obrigado a levar desaforo
para casa. Não se pode mais em nome de não arrumar confusão deixar que
os fascistas sigam fazendo seu trabalho de humilhação e de desconstrução
dos direitos civis e políticos conquistados nesses país (sic) a duras
penas.”
Não se sabe que dura pena teria qualquer pessoa
sofrido para que houvesse o “direito civil” ou “político” de algum
político se tornar inquestionável em público e poder enfiar fisicamente
um litro de água e sabão na boca de alguém que ouse “se referir a ele”,
ou de se proibir um xingamento levíssimo a qualquer político. Pelo
contrário: as duras penas sofridas até hoje foram para limitar os
poderes de políticos.
Assim, já que se pode descrever o evento do Albert
Einstein como “agressão” (ainda que, na verdade, apenas por metáfora não
violenta a uma verdadeira agressão), e o evento na Petrobras também
como “agressão”, para o editor da revista Fórum, se Mantega tivesse
“partido para cima”, ele “estaria mais do que certo”, pois teria
“reagido como fizeram os sindicalistas”.
Chamar um político que retrai o PIB de “safado”,
agora, é o mesmo “fascismo” dos membros de um Partido político que quer
se tornar o próprio Estado, e que recusa qualquer iniciativa de limitar
ou diminuir o poder político do Partido-Estado, agredindo pessoas na rua
trajando uniformes, em bando, no 10 contra 1.
Este é um fenômeno lingüístico conhecido como
homonímia. Trata-se de dois ou mais conceitos completamente diferentes,
mas que são referidos em uma língua pela mesma palavra – como a manga da
camisa e a fruta.
São as palavras mais buscadas e trabalhadas pela
“linguagem de diplomatas” de Ezra Pound, pois permitem que se diga algo
levando alguém a acreditar que um dito é de tal matiz, quando na verdade
é de outro. Identificando o discurso vazio, falseador, ludibriador e
oco de tal linguagem, Pound conseguia identificar poetas ruins, que eram
puro palavrório sem conteúdo.
Lula é um ás nesta arte: basta lembrar que ele chamou
a corrupção na Petrobras, da qual seu partido e seus indicados são os
protagonistas, de “caca” – algo que diz respeito à sua própria gestão.
Deixe-se os sinônimos de “caca” à verbalização imaginativa do leitor.
Homonímia é já o segundo estratagema da “dialética
erística” de Arthur Schopenhauer, que busca explicar os meios pelos
quais se usa os desvãos do pensamento para mentir e tapear o oponente:
“Usar a homonímia para tornar a afirmação apresentada extensiva também
àquilo que, fora a identidade de nome, pouco ou nada tem em comum com a
coisa de que se trata; depois refutar com ênfase esta afirmação e dar a
impressão de ter refutado a primeira.”
A diferença aplicada por seres humanos do escol de
Renato Rovai, os blogs progressistas e até os jornalistas que se
engabelam para não soarem “radicais” é que, na técnica denunciada por
Schopenhauer, eram adversários terçando palavras – agora, são
“informadores” e “formadores de opinião” que se fingem de amigos para
incutir a Torre de Babel em uma língua só.
Agressão?
A única agressão cometida pela política nessa semana foi do PT. Ou
melhor, do PT e dos aliados do PT. Na vizinha Venezuela do déspota
Nicolás Maduro, que já trata o país como sua propriedade particular, a milícia fascistóide bolivariana
assassinou um adolescente de 14 anos em um protesto contra o governo,
visto que Maduro gerencia a economia inteira do país centralizando tudo
em sua mão, sem cuidar nem de ter papel higiênico (num dos países com
mais petróleo no mundo). O PT recusou assinar uma moção de repúdio da
Câmara. Já os restos de aborto do grupo terrorista Estado Islâmico
(ISIS) invadiram Tall Tamr, um vilarejo estratégico na Síria, e
seqüestraram mais de 100 cristãos, entre homens (que acabam degolados na
faca fria), mulheres (que viram escravas sexuais) e crianças (que já
chegaram a ser crucificadas, enterradas vivas e atiradas de montanhas). É
o grupo com quem Dilma Rousseff quer “diálogo”, e não ações militares,
sendo ignorada vexaminosamente pelo mundo. E assim vai.
Por fim, resta a questão: por que todos os petistas
insistem na obsolência e ainda chamam todos os seus adversários
políticos, sejam liberais, social-democratas, conservadores ou (a
maioria) pessoas de identidade política incerta ou inexistente, sempre
de “fascistas”?
Ora, o fascismo foi resumido por Mussolini como
“Tutto nello Stato, niente al di fuori dello Stato, nulla contro lo
Stato”. Ou seja, toda a sociedade deve ser gerida pelo Estado. Como
sabemos desde antes de Ludwig von Mises escrever “Ação Humana”, não
existe uma entidade “Estado” que atue por si – são políticos, burocratas
e funcionários aboletados que gerem esta incompreendida tecnologia.
Logo, o fascismo é a sociedade dos funcionários públicos e empresas
estatais pulverizando e subjugando toda economia, política e vida
privada ao Estado.
Quando
o ex-presidente Lula faz um ato “em defesa” da Petrobras, não diz quem
está “ameaçando” a empresa que a torne carecente de defesa. Todos sabem
quem realmente a ameaça. O que está dizendo é que, não importa quanto se
roube e quanto a empresa se torne cabidão e prebenda disputada por
gestores estatais, a Petrobras, em sua visão, e dos militantes petistas,
deve ser “defendida” e conservada neste modelo – ou seja, continuar
sendo fonte de dinheiro fácil para empreiteiros e doleiros, de poder
para políticos, de empregos para futuros militantes.
É o sentido etimológico de sinecura: sine cura, “sem
cuidado” – os empregos de fácil extorsão de dinheiro da população
transferidos para o Estado, desprovidos de rigorosa auditoria. Com muito
dinheiro e sem trabalho, são os funcionários das estatais que se tornam
os futuros militantes mais aguerridos.
É o primeiro passo para o fascismo. John T. Flynn,
antevendo a ascensão fascista e como o presidente americano Franklin
Delano Roosevelt seguia exatamente o mesmo caminho, escreveu, em As We Go Marching,
que o fascismo é a cartelização do setor privado, que passa a ser
gerido por sindicatos, a burocracia imensa com setores cada vez maiores
da economia sendo geridos pelo Estado, a “regulamentação” dos
“produtores” (no único ponto em que discordam dos socialistas, que
enxergam outra categoria de “produtores”), a pseudo-ascensão dos
“trabalhadores” sob um enorme Estado-Babá, com mecanismos de
previdência, educação social e afins (como a Carta del Lavoro de 1927,
da qual nossa CLT é praticamente plágio) e, claro, forte propaganda
estatal conclamando ao “orgulho nacional”.
É fácil enxergar qual o partido político no Brasil
mais entusiasmado em abandonar o antigo socialismo e aplicar pari passu o
modelo fascista de gerir a sociedade. Basta ver quem mais critica a
economia das trocas livres do liberalismo, quem mais quer um Estado
gigante, quem mais busca um Estado policial para manter sua propaganda
intacta até nos maiores desastres – e sempre manejando uma imprensa
obediente, com docilidade comprada com dinheiro do pagador de impostos.
E é justamente este partido que chama a todos os seus adversários de “fascista”. Justamente o único que o é em sua inteireza.
Se faltava o caráter militarista dos fascistas
originais, o primeiro passo claro para sua consolidação se deu nesta
semana, com as brigadas de estrelas vermelhas agredindo cidadãos
inocentes nas ruas, justamente quando “defendem” que a Petrobras
continue sendo a fonte de manutenção política do Partido-Estado. E com a
propaganda incitando mais crimes dos militantes contra os
não-subjugados.
A manutenção de poder e a busca de uma ordem no cassetete proibindo qualquer crítica aos políticos começou. Basta ver quem quer a liberdade e quem quer que os políticos tenham poder completo sobre nós
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