A hora e a história
A história não é a hora. Dilma vai passar, cedo ou tarde. Ela não vale o preço da redução do Brasil a um Paraguai
Demétrio Magnoli
- FSP
O governo Dilma 2 acabou antes de começar. Batida pelo turbilhão da
crise que ela mesma engendrou, a presidente perdeu, de fato, o poder,
que é exercido por dois primeiros-ministros informais: Joaquim Levy
comanda a economia; Eduardo Cunha controla as rédeas da política. Na
oposição, entre setores da base aliada e, sobretudo, nas ruas, a palavra
impeachment elevou-se, de murmúrio, à condição de grito ainda abafado. É
melhor pensar de novo, para não transformar o Brasil num imenso
Paraguai.
Nos sistemas parlamentares, um voto de desconfiança do Parlamento
derruba o gabinete, provocando eleições antecipadas. No presidencialismo
paraguaio, regras vagas de impeachment conferem aos congressistas a
prerrogativa de depor um chefe de Estado que não enfrenta acusações
criminais. Um parecer de Ives Gandra Martins sustenta a hipótese de
impedimento presidencial por improbidade administrativa, mesmo sem dolo.
Na prática, equivale a sugerir que Dilma poderia ser apeada com a
facilidade com que se abreviou o mandato de Fernando Lugo. A adesão a
essa tese faria o Brasil retroceder do estatuto de moderna democracia de
massas ao de uma democracia oligárquica latino-americana.
Não são golpistas os cidadãos que fazem circular o grito abafado. Dilma
Rousseff tornou-se um fardo pesado demais. Lula deu o beijo da morte no
segundo mandato da presidente ao lançar sua candidatura para 2018 antes
ainda da posse. No ato farsesco de "defesa da Petrobras", o criador da
criatura emitiu sinais evidentes de que, em nome de sua campanha
plurianual, prepara-se para assumir o papel um tanto ridículo de crítico
do governo. Diante de uma presidente envolta na mortalha da solidão, os
partidos oposicionistas parecem aguardar uma decisão das ruas. Fariam
melhor oferecendo um rumo político para a indignação popular.
Antes de tudo, seria preciso dizer que, na nossa democracia, a hipótese
de impeachment só se aplica quando há culpa e dolo. O complemento
honesto da sentença é a explicação de que, salvo novas, dramáticas,
informações da Lava Jato, inexiste uma base política e jurídica sólida
para abrir um processo de impedimento da presidente. Contudo, só isso
não basta, pois o país não suportará mais quatro anos de "dilmismo",
essa mistura exótica de arrogância ideológica, incompetência e
inoperância.
"Governe para todos --ou renuncie!". No atual estágio de deterioração de
seu governo, a saída realista para Dilma é extrair as consequências do
fracasso, desligando-se do lulopetismo e convidando a parcela
responsável do Congresso a compor um governo transitório de união
nacional. O Brasil precisa enfrentar a crise econômica, definir a
moldura de regras para um novo ciclo de investimentos, restaurar a
credibilidade da Petrobras, resgatar a administração pública das
quadrilhas político-empresariais que a sequestraram. É um programa e
tanto, mas também a plataforma de um consenso possível.
"Governe para todos --ou renuncie!". O repto é um exercício de pedagogia
política, não uma aventura no reino encantado da ingenuidade. As
probabilidades de Dilma romper com o lulopetismo são menores que as de
despoluição da baía da Guanabara até a Olimpíada. Isso, porém, não forma
uma justificativa suficiente para flertar com o atalho do impeachment.
Se a presidente, cega e surda, prefere persistir no erro, resta
apontar-lhe, e a seu vice, a alternativa da renúncia, o que abriria as
portas à antecipação das eleições.
Dilma diz que a culpa é de FHC. Lula diz que é da imprensa, enquanto
reúne-se com o cartel das empreiteiras. A inflação fará o ajuste fiscal.
Por aqui, os camisas negras usam camisas vermelhas. A justa indignação
da hora faz do impeachment uma solução sedutora. Mas a história não é a
hora. Dilma vai passar, cedo ou tarde. Ela não vale o preço da redução
do Brasil a um Paraguai.
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