Processo de muçulmana contra Abercrombie obriga EUA a enfrentar questão do véu
Stéphane Lauer - Le MondeChip Somodevilla/Getty Images/AFPSamantha Elauf (centro) ao lado da mãe, Majda, deixa a Suprema Corte na última quarta
O uso do véu não tem causado polêmica somente na Europa. A Suprema
Corte dos Estados Unidos se debruçou, na quarta-feira (25), sobre a
recusa da marca de roupas Abercrombie&Fitch de contratar uma jovem
muçulmana, sob pretexto de que ela usava o hijab.
Uma religião fácil de se adivinhar?
Apoiada entre outros pela Agência Federal para a Igualdade no Emprego (EEOC), Samantha Elauf, por se considerar discriminada, processou a empresa e obteve em primeira instância uma indenização de US$ 20 mil, decisão revertida em um recurso. O tribunal de fato considerou que a lei federal de 1964 sobre os direitos civis, que proíbe a discriminação na contratação baseada em raça, religião, cor, sexo ou origem nacional não se aplicava no caso, pois a jovem não havia feito um pedido explícito de adaptação do regulamento interno da Abercrombie em função de sua religião, que ela não mencionou em nenhum momento durante a entrevista.Mas na quarta-feira parte dos juízes da Suprema Corte observaram que seria difícil a empresa ignorar que o lenço da jovem era um sinal religioso. A partir daí, eles deram a entender que o argumento, segundo o qual a recusa da candidatura da jovem era unicamente um problema de visual, não parecia fundamentado.
"Talvez naquele dia ela só estivesse com o cabelo feio, então ela foi com um lenço, mas não tinha nenhuma razão religiosa para isso. Você quis recusar sua candidatura por essa razão?", perguntou o juiz conservador, Samuel Alito, exagerando para demonstrar a argumentação da empresa, antes de acrescentar: "A razão pela qual vocês a recusaram era porque vocês supunham que ela ia fazer isso todo dia e, a única razão pela qual ela o faria todo dia seria religiosa", ele disse ao advogado da Abercrombie. E o juiz ainda lhe perguntou: "Você acha que cada funcionário deve dizer: 'Estou vestido assim por convicção religosa'?"
Mencionar sua religião na entrevista?
Da mesma maneira, a juíza progressista Ruth Bader Ginsburg criticou o argumento da empresa segundo o qual ela teria descartado a candidatura da jovem unicamente por um motivo de aparência. Ela lembrou que a lei sobre os direitos civis obriga a tratar certas pessoas diferentemente de outros candidatos se eles tiverem exigências religiosas. Os empregadores "não têm que se adaptar por um boné de beisebol, mas eles devem fazê-lo por um quipá", ela lançou de maneira ecumênica. "Existem milhões de pessoas cuja prática religiosa pode ser adivinhada em função de seu nome ou de sua maneira de se vestir", disse o juiz Stephen Breyer, também considerado progressista.Mas a Abercrombie, apoiada pela Câmara de Comércio e por outros lobbies de empresas, ressaltou que seria perigoso obrigar os empregadores a se informarem sobre a religião de um candidato, com o intuito de evitar uma ação taxada como discriminatória. Esse argumento também foi usado pelo juiz conservador John Roberts, que se preocupou com o fato de que os empregadores começassem a perguntar sistematicamente sobre a crença religiosa de um futuro funcionário, pois isso "poderia promover estereótipos de maneira ainda mais pronunciada" do que hoje. Associações muçulmanas, que apoiam Samantha Elauf, ressaltaram que a discriminação contra os muçulmanos já era bem disseminada nos Estados Unidos.
Por fim, o juiz conservador Antonin Scalia se alinhou mais com a decisão do Tribunal de Apelação, por considerar que a questão da prática religiosa deveria ter sido levantada no momento da entrevista, o que não foi o caso.
A decisão da Suprema Corte deverá ser pronunciada em junho.
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