Reinaldo Azevedo - VEJA
Em
matéria de Teori Zavascki e Renato Duque, o arquivo informa que este
blog expressou o seu estranhamento já no dia 4 de dezembro do ano
passado, conforme revelam os posts (link aqui), cujos títulos vão abaixo. Reparem nas datas em que foram escritos. Retomo em seguida.
É evidente
que não existe nenhuma razão técnica para Renato Duque, o petistão,
estar solto, e os empresários, presos. Aqui, caros leitores, cada um
pode expressar um dos seguintes gostos:
a: todo mundo deveria estar preso porque são todos bandidos;
b: todo mundo deveria estar solto porque são todos inocentes;
c: SÓ SE PODE MANDAR PRENDER OU SOLTAR, NO ESTADO DE DIREITO, SEGUNDO A LEI;
d: empreiteiro tem de estar preso porque é culpado, e Duque, solto porque é inocente.
Dado que
ainda não houve julgamento, e considerado o estágio da apuração, só há
uma alternativa correta. É a “C”, aquela que vai em caixa alta. E já expus os
meandros técnicos da coisa no dia 10 de fevereiro. Não me importa se
você torce por isso ou por aquilo. Mas me importa que você entenda o que
está em curso.
A lei
atende a fundamentos, não a vontades individuais e a inclinações
pessoais. Um tribunal superior não pode conceder habeas corpus contra
decisão de outro tribunal superior. É O QUE ESTÁ NA SÚMULA 691 DO
SUPREMO (aqui).
Portanto, em princípio, Teori Zavascki não poderia ter concedido habeas
corpus a Duque, já que este havia sido negado pelo Superior Tribunal de
Justiça.
Ocorre que
ministro do Supremo pode, em caso excepcional, afastar uma súmula caso
evidencie que há razão para fazê-lo. ATENÇÃO! DE FATO, A JURISPRUDÊNCIA
DO SUPREMO CONCEDE HABEAS CORPUS SE A ALEGAÇÃO PARA MANTER UMA PRISÃO
PREVENTIVA FOR O RISCO DE FUGA. Nem vou entrar no mérito agora para não
me alongar demais. O fato é que, ao soltar Duque, Zavascki estava, sim,
atuando de acordo com a jurisprudência do tribunal — da qual se pode
gostar ou não. Já havia uma penca de decisões anteriores idênticas. Por
essa razão, na turma, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes seguiram o voto de
Zavascki quando foi negado o segundo pedido para a sua prisão
preventiva.
Reitero:
todos temos o direito — e, às vezes, o dever — de achar as leis uma
porcaria e de não gostar da jurisprudência. Mas ministros do Supremo
estão obrigados a segui-la. A minha explicação não é nova, não é de
ocasião. Foi dada, reitero, no dia 10 de fevereiro.
Os empreiteiros
De fato, o único motivo alegado pelo
Ministério Público para pedir a prisão preventiva de Duque era o risco
de fuga. Que sorte a dele, não é mesmo? Os doutores que acompanham o
caso não avaliaram que ele pudesse representar algum risco. Já quanto
aos empreiteiros…
E agora
chegamos ao busílis. A gente pode defender que merecem ser presas as
pessoas que achamos culpadas, feias, bobas ou que misturam camarão com
Catupiry. Ter o desejo de prender aqueles de quem não gostamos é um
direito democrático — desde que você alimente secretamente suas
vontades. O fato é que as pessoas devem estar presas ou soltas segundo a
lei. E há uma lei que define as circunstâncias da prisão preventiva: o
Artigo 312 do Código de Processo Penal, que diz (em azul):
Art. 312. A prisão preventiva
poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica,
por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação
da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício
suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.
Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.
De novo: a
gente tem todo o direito de não gostar da lei e de achar que ela existe
só para proteger os poderosos; que é a mais perfeita expressão da luta
de classes; que está aí para garantir que os tubarões comam os peixes
pequenos etc. E a democracia nos faculta ainda lutar para mudá-la.
Agora, o que não se pode fazer é ignorar a sua existência para praticar
justiça com as próprias mãos — ou com o próprio teclado. Ou, ainda, com a
própria toga. Tanto pior se a interpretação exótica acaba beneficiando
alguns larápios. Vamos lá.
Advogados
minimamente informados — de esquerda, centro, direta ou de nada;
petista, tucano, peemedebista ou vegetariano; católico, evangélico, ateu
ou corintiano; mangeirense, portelense ou doente do pé — sabem que não
existem mais motivos para manter a prisão preventiva dos empreiteiros.
Basta ler a lei. Mas é preciso saber ler o que está escrito. Atenção!
Estamos cuidando aqui também da gramática, não só do direito. Aquele
“quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de
autoria” É A CIRCUNSTÂNCIA ADVERBIAL, É A CONDIÇÃO, PARA SE MANTER A
PRISÃO PREVENTIVA SE OS ACUSADOS (AGORA RÉUS) ESTIVEREM AMEAÇANDO
a: a ordem pública; pergunta-se: eles estão?;
b: a ordem econômica; pergunta-se: eles estão?;
OU, AINDA, SE, UMA VEZ SOLTOS, ELES:
c: criarem inconveniências para a instrução penal;
d: ameaçarem a aplicação da lei.
Reitero: a
prova da existência do crime e o indício suficiente de autoria são
condicionantes da manutenção da prisão preventiva naquelas quatro
hipóteses. Ocorre que os empreiteiros, hoje, já não podem fazer mais
nada contra o processo em curso, dentro ou fora da cadeia. “Ah, mas eu
quero que fiquem presos…” Ok. Quereres são quereres. Eu, aqui, sempre
quis que se cumpra a lei.
A prisão ajuda a elucidar o caso?
A prisão preventiva dos empreiteiros ajuda a elucidar o caso? Não! Contribui para confundir para criar uma distorção maligna do que está em curso. Vejam o caso de Ricardo Pessoa, da UTC. Ele quer fazer delação premiada e contar o que sabe. Mas a ele foi imposta uma condição: ou admite a formação de cartel — uma tese, lamento!, furada —, ou nada feito. Nesse caso, a prisão preventiva está a serviço de uma tese, não a serviço da verdade. E que fique claro: quando contesto o cartel, não estou livrando a cara de ninguém, não. Acho que as empreiteiras cometeram crimes mais graves.
A prisão preventiva dos empreiteiros ajuda a elucidar o caso? Não! Contribui para confundir para criar uma distorção maligna do que está em curso. Vejam o caso de Ricardo Pessoa, da UTC. Ele quer fazer delação premiada e contar o que sabe. Mas a ele foi imposta uma condição: ou admite a formação de cartel — uma tese, lamento!, furada —, ou nada feito. Nesse caso, a prisão preventiva está a serviço de uma tese, não a serviço da verdade. E que fique claro: quando contesto o cartel, não estou livrando a cara de ninguém, não. Acho que as empreiteiras cometeram crimes mais graves.
No dia 2 deste fevereiro, escrevi aqui um post cujo título era este: “Afinal,
os empreiteiros corromperam os políticos, ou os políticos corromperam
os empreiteiros? Ou ainda: Juiz Sérgio Moro tem de tomar cuidado para
não aliviar a carga do ombro dos companheiros”.
A pergunta é uma ironia para minimamente
esclarecidos. É claro que se trata de uma “relação”, não é mesmo? Já a
advertência a/sobre Moro se explicava assim:
Inexistem
“crimes de empreiteiros” descolados dos crimes políticos. É uma piada
macabra eles todos já serem réus, e os políticos arcarem, dentro de
alguns dias, com simples pedidos de abertura de inquérito. A separação
de foros entre quem exerce e não exerce mandato concorre para que se
descaracterize a verdadeira natureza do jogo, de sorte que aquilo que
está sendo vendido como rigor extremo pavimenta — e pouco importa se
isso é voluntário ou não — o caminho da impunidade dos que realmente
tinham o controle da bandalheira. E ERAM OS POLÍTICOS, o que não quer
dizer — e só um imbecil de má-fé sugeriria que eu disse o contrário —
que os empreiteiros não tenham cometido crimes.
Você que
está aí do outro lado pode tirar cópia do texto, guardá-lo aí no seu
celular. Converse com os advogados e juristas da sua preferência, pouco
importa a tendência. E verá que aqui se fala de política, sim, mas
também de lei e de estado de direito. Fora deles, só temos danação,
nunca salvação.
Os
ministros do Supremo tinham, sim, razões, assentadas na jurisprudência,
para soltar Renato Duque — ainda que eu gostasse, e eu gostaria, que ele
estivesse na cadeia. O que não existe mais é razão para manter os
empreiteiros na cadeia, ainda que eu goste, e eu gosto, que eles estejam
presos. É chato, mas é assim: as leis e o Estado de direito não existem
para atender ao meu gosto ou mesmo ao gosto de muitos milhões. Fiquem
atentos. O jogo é bem mais complexo do que parece.
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