Eu não quero um Brasil melhor… Ainda!
Uma conjugação recente de fatores – a saber: as atitudes desastrosas
do atual governo, a ação de grupos e movimentos sociais para produzir
manifestações de rua, a iniciativa de alguns indivíduos que de fato
introduziram um discurso legitimamente de oposição no cenário nacional –
fez com que “política” se tornasse um tópico muito mais comum nos
debates dos brasileiros, nas ruas ou nas redes sociais. Muitos querem se
manifestar, muitos querem se informar, o que passava longe de ser regra
até bem pouco tempo. Isso é ótimo, é claro. No entanto, muitos
argumentos bastante corriqueiros nessas discussões seguem dignos de
lamentação. Algumas pessoas insistem em matraquear alegações genéricas e
vazias e, percebendo ou não, auxiliam a cartilha dos opositores da
liberdade que nos conduzem os rumos atuais.
A começar por aqueles que acreditam que fazer críticas ao petismo
significa que você necessariamente é tucano. Esse raciocínio
simplificador já foi suficientemente refutado por diversas vezes,
estando mais do que demonstrada a pobreza de percepção de quem acredita
que o universo de concepções políticas no mundo se limita ao socialismo
de articulação bolivariana e populista do petismo e à social democracia –
com tendências mais liberais, é verdade – dos tucanos, e que a adesão a
qualquer outra corrente seria impossível para o brasileiro. Tão
perigosa quanto, porém, é a concepção de que são todos – tucanos,
petistas, democratas, peemedebistas – absolutamente iguais, e de que
nada mudaria eleger o “menos ruim” – entendendo-se não ser nenhuma das
alternativas claramente postas a ideal. Compreende-se que queiramos
soluções profundas e imediatas, mas é preciso saber ter paciência para
criar as condições. Do contrário, podemos, boicotando as opções
concretas, abortar qualquer possibilidade de uma melhoria legítima no
futuro.
Por que dizemos isso? Porque, diante dos absurdos cometidos no
governo de Dilma Rousseff, começou a ser aventada a ideia de instalar um
processo de impeachment. A insatisfação com a corrupção
institucionalizada e a aviltante incompetência já atinge vultosos
segmentos da massa do nosso povo; a Operação Lava Jato segue a todo
vapor e a perspectiva de que esse mecanismo legal, que nada tem de
caráter golpista, possa ser utilizado, se torna assunto palpável nessas
rodas de discussão. O burburinho já cria eco. Alguns, diante de todo
esse barulho, sem propriamente serem partidários do governo, dizem que
em hipótese alguma um impeachment deveria ser cogitado. Têm o direito à
sua opinião, mas, se o movimento em prol de um impeachment deveria
incluir, em tese, uma pressão popular, esses acabam podendo criar
obstáculo a que isso se dê, fazendo o jogo do governante inapto.
“É um absurdo”, dizem eles, “pois vejam: se acontecesse um
impeachment, o vice-presidente assumiria. Michel Temer!” E então surgem
as expressões de estupefação. “TEMER! Vocês querem o Temer? Isso seria
um desastre! Continuaria a mesma desgraça, na melhor das hipóteses, ou
seria muito pior! Um impeachment não mudaria nada. Deixem como está,
aguardem novas eleições em quatro anos e vamos atacar pontos
superficiais, como saúde e educação.”
Em primeiro lugar, devo deixar claro: não há processo de impeachment
ainda em curso avançado, isso não está acontecendo. Não estou colocando
carros à frente de bois. Entendo apenas que é importante desmontar esse
discurso, por ele demonstrar que as pessoas, mesmo algumas que
sinceramente estão se esforçando, ainda não apreenderam a magnitude do
problema com que lidamos. Por “purismo” afobado – compreensível, diante
dos múltiplos motivos de indignação com que temos sido forçados a
conviver -, elas não aceitam a ideia de, estabelecendo-se as condições
para tal, trocar uma situação terrível por uma apenas ruim. Nesse
sentido, argumento aqui na intenção de sustentar qual acredito deva ser
nossa posição, uma vez que a situação política caminhe nessa direção
definitiva em relação ao mandato de Dilma – o que não é exercício de
imaginação; analistas e juristas como Ives Gandra Martins já apontam
para isso, bem como há manifestações de rua marcadas para 15 de março
com esse viés.
Apreciando a questão por uma ótica meramente prática, admitimos: sem
dúvida, não há nada de realmente admirável no PMDB. Eles estão
envolvidos com a situação atual até o pescoço. Não têm concepções
realmente liberais, não oferecem um modelo institucional de avanço para o
Brasil. No entanto, o golpe duro de um impeachment, mesmo sendo Temer a
assumir, certamente exerceria um impacto extensivo ao partido de Temer,
agitando a divisão interna que já existe na agremiação. A recente
propaganda do partido, lançada hoje (26/02), deixa transparecer um tom
claro de afastamento da imagem da presidente e de posição oposta a
“pontos chave” do projeto petista que o tornam tão perigoso, como o
problema da regulação da mídia. Com o PMDB, não esperamos notáveis
melhorias, não esperamos maravilhas. Entendam uma coisa séria: ninguém
está querendo um Brasil MELHOR, em letras garrafais e com propriedade.
Eu não quereria, com um suposto impeachment, um Brasil realmente MELHOR.
Não. Antes que me chamem de louco ou masoquista, explico: não quero,
AINDA! O estrago é tão grande que precisaremos de muito trabalho e tempo
para elevar, de fato, a estatura de nosso país. Não conseguiremos
reformas essenciais com rapidez, nem mesmo com Temer ou o PMDB. Crer
nisso seria ilusão. O objetivo imediato não é precisamente esse. Antes
de pensar nisso com a completude que essa aspiração merece, é preciso
cumprir um requisito fundamental: precisamos de um Brasil SEM PT NO
PODER.
Quero um país que não seja governado por uma legenda diretamente
mancomunada com a casta bolivariana que domina a América Latina,
cúmplice silenciosa – e às vezes nem tão silenciosa – dos desmandos
venezuelanos, bolivianos e argentinos. Por uma legenda que sustenta
abertamente o controle da mídia. Por um partido autoritário que nos
atrasa há doze anos, “glamourizando” a ignorância e aplaudindo a
mediocridade; que “nadou” na onda positiva, permitida pela conjuntura
internacional e pelas atitudes corretas do governo FHC – o mesmo que
tanto atacam, com todos os defeitos que realmente tiver. Um país em que
um ex-presidente alucinado não realize um ato circense (sem ofensas aos
circos) “em defesa da Petrobrás” contra a “desmoralização”, como se
denunciar a imundície na empresa a prejudicasse mais do que a imundície
em si. Um país em que Lula da Silva clamar pelo “exército de Stédile nas
ruas” seja entendido por todos como a abominação irresponsável que é. É
esse o país que quero. Um país em que o processo em curso pelas mãos do
PT seja interrompido, e a política externa vexatória seja suspensa,
ainda que para entrar em seu lugar, temporariamente, um fisiologismo
suspeito e questionável, mas que tem sido um dos grandes responsáveis,
ainda que movido por interesses menos felizes, por conter o câncer que
se estende sobre nós – e terá que lidar com a pressão de um povo que,
então, terá, ao menos em número suficiente, despertado para a vergonha
com que convive. Quem entrasse depois, que fosse fiscalizado; cada coisa
a seu tempo. Não se pode é, por não ver os louros tão perto, deixar de
fazer o que estiver ao alcance.
O impeachment de Dilma Rousseff seria um duro golpe moral em seu
partido, e desestabilizar ao máximo o Partido dos Trabalhadores é a
melhor coisa que pode acontecer ao Brasil no curto prazo. É preciso
destroçar o esquema poderoso que eles construíram. Só depois disso será
possível sonhar com conquistas maiores, ainda que distantes. Sem
resgatar esse pedacinho de nossa dignidade, nada maior será almejável.
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