quinta-feira, 28 de maio de 2015

À espera da necessidade
Até que ponto a presidente Dilma e as parcelas dos partidos que a apoiam vão aguentar o tranco de uma política impopular?
Carlos Alberto Sardenberg - O Globo
Os deputados federais votaram três vezes para manter o sistema eleitoral exatamente como é hoje. Não que todos gostem do modelo. Ao contrário, a maioria não gosta. E tanto isso é verdade que a Câmara dos Deputados apreciou três propostas de mudança. Como nenhuma delas obteve a maioria de 308 votos, necessária para alterar a Constituição, ficou tudo na mesma.
Já as medidas do ajuste fiscal, aquelas que reduzem a despesa do governo e aumentam receitas, vão passando na Câmara e no Senado. Meio aos trancos e barrancos, mas, pelo menos até ontem, estavam passando.
Não que a maioria goste delas. Ao contrário, os que estão votando a favor, parlamentares do PT e do PMDB, por exemplo, fazem isso a contragosto. O governo da presidente Dilma precisa disso, é o que dizem quando perguntados por que sustentam medidas impopulares.
Reparem: eles não dizem que o país precisa ou, mais exatamente, que a economia depende dessas medidas para segurar dívida e déficit públicos e, assim, se reequilibrar. A presidente precisa e, pode-se acrescentar, eles, parlamentares, também. E precisam para se manter no poder.
A lógica: se não for feita nenhuma correção de rumos na política econômica, o governo simplesmente desaba com os números de desemprego, inflação e perda de poder aquisitivo dos salários. Logo, vamos corrigir. Como dizem a presidente e seus aliados, é só uma pequena correção e logo tudo voltará aos bons tempos.
O problema é que o desemprego já está subindo e vai continuar assim, a atormentar a vida das famílias; a inflação já está lá em cima comendo a renda das pessoas; e economia já está parada, ou pior, andando para trás, em recessão.
A presidente e seus aliados dizem que se trata de um sacrifício necessário, mas passageiro. E breve. Por esse lado da história, esses males econômicos são consequência da política de ajuste, de modo que, quanto mais abreviado for o aperto, melhor.
Já o ministro que propôs e conduz esse ajuste pensa bem diferente. Para Joaquim Levy, os males são consequência de um modelo esgotado — aquele baseado no forte aumento do gasto do governo e do crédito concedido pelo setor público.
Logo, por este lado, quanto mais profundo e mais duro for o ajuste, mais rapidamente se sairá do buraco. E, saindo, será preciso construir um novo modelo, baseado no investimento privado e nos ganhos de produtividade geral, pois o dinheiro (público) acabou.
Temos, portanto, duas versões para o mesmo fato. Na versão Dilma, o ajuste causa males, mas é o caminho para se voltar ao modelo dos seus primeiros quatro anos. Na versão Levy, foi justamente esse modelo que fracassou, gerou esses problemas todos e só pode ser superado com o ajuste, “para limpar o convés”, como disse para Míriam Leitão, e permitir que se viaje para uma nova economia.
Na versão Dilma, o ajuste só serve se for rápido. É o que sustenta o pessoal: isso logo passa e o país volta a crescer ainda neste segundo semestre.
Na versão Levy, a coisa demora. Vai levar mais tempo para consertar os estragos, de modo que o desconforto do desemprego, recessão e inflação segue por vários meses.
É Levy quem está certo. E isso conduz a outra questão: até que ponto a presidente e as parcelas dos partidos que a apoiam vão aguentar o tranco de uma política impopular? Considerando a baixíssima popularidade do governo — e a elevada rejeição — qual o seu limite de tolerância?
Tem um risco aí que já derrubou muita gente. O seguinte: o governo inicia uma política de ajuste, se assusta com a impopularidade e a rejeição — e resolve abortar o processo. Tenta voltar aos gastos e à distribuição de bondades num momento em que a economia ainda não recuperou o equilíbrio. E acaba ficando com o pior dos mundos: as maldades de um ajuste incompleto e os males de uma tentativa de retomada com os velhos instrumentos já ineficientes.
A outra história é quando o governo sustenta o ajuste, consegue convencer o eleitorado de que era o caminho necessário e dura o suficiente para começar a colher os frutos da retomada. Aconteceu, por exemplo, com David Cameron, na Inglaterra.
Ocorre que Cameron é um legítimo ortodoxo, que sempre propôs o que vem praticando.
Não temos esse partido político por aqui. Pode ser que a necessidade construa um entendimento em torno da necessidade de se buscar um novo modelo econômico.
Mas pode haver também outro desfecho: a oposição bate no governo Dilma, acusa-o de fazer o ajuste nas costas do povo e consegue derrubá-lo. Para fazer o que então? Voltar ao modelo Dilma, aquele que nos complicou a vida, ou para fazer.... o tal ajuste?
O problema do modelo político-partidário brasileiro não é “apenas” sua incapacidade de votar uma reforma do sistema eleitoral. É sua incapacidade em construir maiorias consistentes de política econômica, social, externa etc.
Continuamos na dependência da necessidade — uma situação tão ruim que não deixe outra saída senão tomar o remédio. Não é o melhor jeito, claro.

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