Reinaldo Azevedo - VEJA
A
Câmara aprovou, por 330 votos a 141, a constitucionalização da
contribuição de empresas privadas a campanhas eleitorais. O resultado
reverte a decisão absurda tomada nesta terça. Vamos lá.
Durou pouco a
festa dos que estavam comemorando “a derrota” de Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), presidente da Câmara. Eu mesmo apanhei bastante de alguns
leitores porque, num post de ontem, afirmei que Cunha havia logrado
também uma vitória: ter dado início à votação da reforma política. Nesta
terça, como escrevi aqui, a Câmara havia tomado uma decisão estúpida,
que empurrava o sistema político para a clandestinidade e o deixava à
mercê de máfias. Por quê? Não se obtiveram os 308 votos necessários para
constitucionalizar a doação de empresas privadas. Foram apenas 266.
Maioria, sim, mas insuficiente. Ora, sem isso, ficaria valendo então a
opinião da maioria do Supremo, contrária a esse tipo de doação. É mesmo?
Então quem financiaria?
Chamei a
decisão de absurda porque o “não” à contribuição das empresas implicava o
financiamento público de campanha, automaticamente. Se o dinheiro não
sai do setor privado, terá de sair do estado. Eventuais doações de
pessoas físicas não dariam conta do custo. Pior de tudo: o caixa dois
comeria solto.
De tal sorte
a decisão de terça tinha sido cretina que, numa votação nesta quarta, a
Câmara rejeitou também a constitucionalização do financiamento público.
Nesse caso, não é que a proposta não tenha atingido os 308 votos
necessários para mudar a Constituição; ela foi amplamente rejeitada:
apenas 163 votos a favor, contra 240. Notaram a barbaridade? Nem
financiamento público nem financiamento privado. É? E quem arrumaria o
dinheiro? O Espírito Santo?
Alguém
poderia objetar: “Ah, mas isso não é matéria para estar na Constituição;
nem uma coisa nem outra!”. É mesmo? E por que a questão está hoje sendo
decidida num tribunal constitucional? Não foi a OAB quem patrocinou uma
Ação Direita de Inconstitucionalidade no Supremo, alegando que o
financiamento de empresas agredia a isonomia e tornava a eleição
passível da influência do poder econômico? Então que se mude a
Constituição. Ora, quando mais não seja para que o tribunal se sinta
contemplado.
A verdade é
que, de fato, isso tudo seria desnecessário se o Supremo reconhecesse
que não lhe cabe legislar sobre eleições — e é o que ele está fazendo,
sob o absurdo patrocínio da OAB. Afinal, o Congresso já expressou a sua
vontade: está clara na Lei 9.504, que permite o financiamento de
empresas. Fosse o caso de mudar, alguém já teria proposto e aprovado lei
com outro conteúdo.
Muito bem! O
texto que foi rejeitado na terça permitia o financiamento de empresas e
de pessoas físicas a partidos e candidatos tomados individualmente.
Nesta quarta, a emenda aglutinativa aprovada tem conteúdo diferente:
constitucionaliza os financiamentos público (por intermédio do fundo
partidário) e privado, com doações de pessoas físicas e jurídicas.
Segundo o texto aprovado, no entanto, as contribuições poderão ser
feitas apenas aos partidos, não aos candidatos.
Não vejo
motivos para a especificação — até porque é muito fácil burlá-la. Não
vejo por que instituir uma restrição que, na prática, não será
observada. E que se note: Cunha não recorreu a manobra regimental
nenhuma. Se querem chamar de manobra política, vá lá. O fato é que o
texto aprovado nesta quarta não tinha sido ainda submetido ao plenário.
Logo, é mentira que tenha votado de novo o que já tinha sido rejeitado.
O resultado
foi muito eloquente, reitero: 330 optaram pela constitucionalização das
doações de empresas. Os 141 que que votaram contra, quero crer,
gostariam de cortar verbas dos investimentos, da saúde, da educação, da
infraestrutura etc. para transferi-las para as campanhas. Ou é isso ou
queriam, então, se entregar às máfias do caixa dois.
Se Cunha foi derrotado na terça, então ele saiu vitorioso na quarta. E, nesse caso, o país ganhou com ele.
E não posso
encerrar sem esta nota: o partido mais entusiasmado com o financiamento
público era o PT, justamente a legenda que caiu de boca no mensalão e no
petrolão. E que, em 2013, ano não eleitoral, arrecadou R$ 79
milhões de empresas privadas. Com quais argumentos? A evidência da
anormalidade está no fato de que PSDB, PMDB e PSB arrecadaram, juntos,
R$ 46,5 milhões. E é essa gente que vem falar contra doações privadas?
Outros que também queriam, com muita energia, proibir a doação de
empresas eram os representantes do PCdoB, aquele partido que foi
flagrado num conúbio incestuoso com ONGs que atuavam no Esporte.
Sempre que
Jandira Feghali fala com tanta ênfase em defesa da moral e dos bons
costumes, o meu alarme contra as transgressões à moral e aos bons
costumes dispara.
Nota final –
A PEC da reforma política tem de ser aprovada por três quintos de
deputados (308) e senadores (49), em duas votações em cada Casa. O
Senado pode, se quiser, mudar o texto da Câmara (desde que a questão
volte a ser examinada por essa Casa) e restituir a contribuição também a
candidatos.
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