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“Protestar, mas que bacana!
Eu quero ver fazer isso em Havana!”
– Grito de liberais contra defensores da ditadura dos Castro, durante passagem de Yoani Sánchez pelo Brasil
Foi a quarta vez que o Brasil fez um “panelaço” contra um
pronunciamento televisivo da presidente Dilma Rousseff ou, no caso de
agora, o programa eleitoral obrigatório do PT.Algo inédito na história brasileira – o Destino, a única força cósmica do Universo com senso de humor, resolveu colocar no mesmo dia o programa eleitoral do PP apresentado por Paulo Maluf, sem que panelas soassem durante seu pronunciamento. O PT já é oficialmente mais rejeitado do que Maluf.
O PT, partido que nasce trotskysta, mas cujos manda-chuvas foram apresentados a Antonio Gramsci por Ênio Silveira (editor da Civilização Brasileira e primeiro a publicar Gramsci no Brasil) e Carlos Nelson Coutinho (que morreu no PSOL), soube aprender a lição gramsciana de dominar a mídia, a Academia, a cultura e o Estado para transformá-los todos em órgãos de propaganda para o Partido.
Os progressistas (novo nome dos antigos comunistas, depois socialistas, depois esquerdistas, depois isso), então, precisaram usar a mídia para arrumar uma desculpa que mantivesse sua hegemonia de pensamento único na sociedade e explicasse por que diabos logo o principal partido de esquerda do país recebia mais rejeição do que todos os partidos já rejeitados no país (a desculpa de que toda aversão ao PT advinha de partidários de outros partidos, ou gente financiada por eles, já não convence senão militantes viciados).
A desculpa burilada de última hora radicalizou. Antes era a idéia de que o governo petista era tão bom, mas tão competente, que fazia os pobres ficarem muito ricos, e então os antigos ricos ficavam com raiva de ver pobres ficando ricos (como se ricos fossem necessariamente malvados, e detestassem ser ricos sozinhos, odiando que mais pessoas ficassem ricas).
Desnecessário dizer que a escapadela, repetida bovinoidemente pela militância que nem sabe o que é Gramsci, não sobrevive ao mais simplório contato com a realidade.
(Da página Humans of PT)
Descartada a, digamos, hipótese de extrema-eficiência petista, restou
aferrar-se com ainda mais fanatismo à crucificação simbólica dos
reclamantes. Seriam todos, simplesmente todos os mais de 60% que consideram a gestão Dilma Rousseff ruim ou péssima, ou todos os
84% que consideram que Dilma sabia da corrupção na Petrobras (só na
Petrobras) na verdade são a “elite branca paulista de olhos azuis”.
Incluindo o Nordeste, onde sua popularidade minou de 53% para 29%.Trocando em miúdos, se alguém reclama dos fundos de pensão tomados dos trabalhadores dos Correios, dos mesmos Correios investigados por crime eleitoral por favorecer a candidata petista, do rombo de R$ 88 bilhões só em corrupção tomado só da Petrobras (e isso numa auditoria pedida pela própria empresa), dos R$ 500 bilhões (sic) tomados do BNDES (7 vezes mais do que mensalão e petrolão juntos ) etc etc etc etc etc etc e, claro, de trabalhar até maio só para pagar impostos para este governo tão eficiente em gerir nosso dinheiro e não deixar nenhum pobre morrer na fila do SUS ou num assalto, esta pessoa só pode ser um folgado da elite branca de olhos azuis reclamando de barriga cheia.
Quem mais ousaria falar mal deste governo tão supimpa? As notícias são sempre excelentes sobre a gestão governista de nosso dinheiro, talvez fosse o caso de estatizar mais coisas e aumentar mais impostos, porque estes políticos parecem gerir nossas carteiras bem melhor do que nós mesmos.
Bem, pelo menos é assim que pensam algumas sumidades do pensamento humano, consubstanciados em falantes verbosos defendendo mais políticas “sociais” e odiando sem medo quem reclama do tanto que o Estado
brasileiro toma do trabalhador brasileiro (e considerando “discurso de ódio” ou “ódio de classe” tudo aquilo que eles próprios odeiam, sempre verbalizando seu ódio com os adjetivos mais odiosos).
Quando um dos panelaços ocorreu, alguns riquinhos de extrema-esquerda num programa de internet intitulado “Havana Connection” (referência ao Manhattan Connection, para eles exemplos de “direitismo”), acharam por bem confessar algo como: “O panelaço só aconteceu em bairros ricos, eu ouvi de casa, mas na periferia me falaram que não houve panelaço nenhum”. O programa foi veiculado com a chamada: “Panelaço: protesto justo ou ódio de classes?”
A conclusão da turminha super crítica, tão PSOL e com pós-doutorado em Vila Madalena aparentemente é simples (ricos odeiam Dilma, pobres amam o PT), mas esconde uma teoria dura por trás.
Já começa pelo faux pas da narrativa: eles ouviram o panelaço de seus bairros de rico, mas tiveram de ouvir falar dos pobres na periferia pelos quais têm interesse quase zoológico que lá não houve panelaço.
Pior: estes ricos esquerdistas (a esquerda caviar do nosso Rodrigo Constantino) falam com prazer que a periferia está alheia à realidade. Ou seja, gostam que os pobres sejam pessoas com pouco acesso à informação, que não estudem muito na vida, que não leiam jornais e livros, que estejam mal informados sobre refinarias no Texas ou indicações ao STF, ao contrário destes “coxinhas” que sabem e entendem estas coisas. Quando as pessoas passam a se informar melhor, tendo condições melhores de vida, imediatamente tornam-se odientas para estas coxinhas vermelhas de catchup stalinisticamente sanguinolento – pois descobrem que políticas “sociais” não são gratuitas, custando bem mais ao trabalhador do que se ele buscasse algo para si sem ter de pagar pelo produto ou serviço e mais pela burocracia e pelo político. O pobre, então, se torna um liberal.
Sem perceber, os “pobristas” de plantão traem que querem mesmo os pobres como peões obedientes, não como indivíduos que pensam sozinhos, preferindo criticar o PT, sem precisar da dependência de políticas sociais que dão tanto poder a esquerdistas. Afinal, quanto mais informadas estão as pessoas (“a elite burguesa!”), mais elas detestam o PT e mais cansam da logorréia da esquerda.
Nada mal ser rico (não tenho nada contra, tenho até uns amigos que são – aliás, estou me esforçando para ter uma conta bancária igual à dos apresentadores do Havana Connection um dia), não fosse a teoria que eles estão pregando ser uma repaginação do “pensamento classicista” de Karl Marx (esse autor que pauta 100% da esquerda, mas que nunca é citado, para que eles não pareçam antiquados em suas roupas tão descoladas).
Para esta visão de mundo, não existe pensamento individual (não há desejos e conclusões solitárias), há apenas “interesses de classe”, com indivíduos ricos defendendo sua riqueza sob qualquer pretexto (tudo o que alguém com alguma propriedade falar ou pensar serão apenas justificativas para manter sua propriedade, ou seus “privilégios”, em linguagem esquerdista 2.0) e pobres teriam apenas a prole para vender (mas como “proletário” é um conceito meio pochete, melhor trocar por “nova classe C graças ao Bolsa-Família”).
Tal luta de classes seria alguma teoria a ter sua seriedade testada, não fosse o teste estar na cara de todos: estas pessoas do Havana Connection, ricas, não possuem “interesses de classe” rica – pelo contrário: defendem vilamadalenamente o PSOL, a esquerda sucrilhos, o discurso vitimista do coitadismo penal, aceitam acriticamente toda a papagaiada comunista dos professores trotskystas de História. Como então é possível confiar na fanfarronada de que é a classe de um indivíduo que o faz pensar o que pensa? Por que crer no “interesse de classe” de Karl Marx – ele próprio um burguês que nunca trabalhou na vida?
Por que na hora de defender o que pensam, ao invés de defender um determinismo chumbrega e xarope que acredita que é “a sociedade” que age por nós e concluir: “Sou de esquerda porque a sociedade me forçou a ser assim”, preferem bater no peito e adotar o ultra-individualismo: “Eu estudei pra caramba, massacrei meus neurônios, me esforcei para ser algo acima de um bovino seguindo a manada e hoje sou um esquerdista!”? Não soa, assim, um pouquinho contraditório para quem defende o determinismo classista do materialismo histórico-dialético?
Como foi então o processo de vencer as amarras infranqueáveis de sua própria faixa salarial e limites materiais? Como foi sentir na pele que a classe do indivíduo é uma mera construção teórica falsa, ainda que acreditada por 99,999% da Academia? Qual a sensação de ser um indivíduo, e não a engrenagem de uma teorização babaca?
Ainda há perguntas que vêm no bojo destas. A primeira é o nome do programa: se acham bonito falar em “Havana Connection”, se consideram que Havana é mesmo o non plus ultra do esquerdismo (talvez superado pelo Camboja de Pol-Pot ou pelo Campo 14 de Kim Il-sung), em oposição à Wall Street do capitalismo de Manhattan, por que nunca mais se consideraram o que Havana é: comunista? Por que o medo de usar a palavra C?
Por que reclamam e chamam de retrógrado, saudosista da Guerra Fria ou da ditadura militar quem percebe o que significa o S do PSOL e as foices e martelos pedindo totalitarismo bolchevique-maoísta em suas manifestações? Quem é reacionário e ultrapassado, então, é quem ouve o que eles têm a dizer?
Mais do que tudo: um protesto pacífico e simbólico como a bateção de panelas durante o programa eleitoral de um partido seria permitido na Havana que eles tanto enaltecem? É possível imaginar cubanos batendo panelas, ainda que no aconchego de seus lares, sem terem a polícia política cubana (informantes são praticamente um quarto da população da ilha-prisão) invadindo suas casas?
Note-se ainda mais: não faz algum sentido, então, esta “crença no deus mercado dos neoliberais” (nunca falam apenas “liberais”) de que liberdade só existe com defesa da propriedade privada – ou seja, só somos livres se temos um lugar em que só nós podemos entrar, ao invés de toda propriedade ser do Estado, gerenciada por burocratas que podem invadir nosso espaço e nos prender até por uma paneladinha privada?
E o panelaço só cresce, exatamente ao contrário da predição dos havaneiros. As manifestações de rua contra Dilma (a primeira foi a maior da história do país, maior do que as Diretas Já ou o impeachment de Collor, a segunda, a segunda maior da história do país, foi considerada “menor” e inválida pela esquerda por isso) vão ficando menores porque pessoas que trabalham até maio para pagar impostos geralmente estão cansadas demais para gastarem seus parcos fins de semana para protestar e ter de lidar de novo com política (já que não recebem R$ 35 por protesto, como nos da CUT). Todavia, panelaços são gratuitos e fáceis de se participar. Só crescem estrepitosamente – inclusive na periferia, que os esquerdistas do Havana só conhecem de ouvir falar.
E isto para não comentar que o programa petista foi tão mentiroso que tenta deixar a entender que foi o PT que criou o ENEM (foi a gestão FHC), o FIES (agora sob escândalo) e até o Ficha Limpa, projeto de Índio da Costa, candidato a vice de ninguém menos do que José Serra, e à época no DEM.
Talvez seja um excelente ensejo para nossos gurus progressistas perceberem que estão errados em sua velha suposta disputa entre ricos e pobres, como se pobres e ricos quisessem coisas diferentes, e como se a única forma de enriquecer os pobres fosse tomando coisas dos ricos para deixá-los pobres, e então tornar a todos dependentes da boa vontade de políticos controlando um Estado cada vez maior, até o totalitarismo socialista –supostamente uma excelente forma de viver, para alguém que adora falar de Havana, mas não tem muita coragem de viver lá.
Talvez seja hora de notar que a rejeição a esta teoria panaca não vem de ricaços tentando proteger os privilégios e que não leram Foucault o suficiente – vem, na verdade, de pessoas com muito mais contato com a realidade linha 2766-10 Jd. Camargo Velho, com a realidade da inflação de 19,07% na cebola ao invés de não notá-la em seus restaurantes que se viram para driblá-la (enquanto o querido Estado estuda tirar alimentos do cálculo de inflação para poder vender a esparrela de que ela é menor ao público leigo, assim), a realidade de que uma passagem aérea São Paulo-Ceará custa mais de mil reais por cabeça (noves fora todos os encargos) e que o retirante nordestino na periferia de São Paulo só sabe o que é avião vendo-os de baixo.
Nada será mais irônico para os livros de História do futuro (quando a educação planificante do MEC finalmente for substituída por algum correlato civilizado) do que a sedizente “presidente dos pobres” e seu partido ser escorraçado do aparelhamento do governo ao som de simplórias panelas batendo.
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