Reinaldo Azevedo - VEJA
Luiz Inácio
Lula da Silva, sim, ele mesmo!, tem tanta intimidade com as grandezas do
universo que já se referiu à Terra como “planetinha”. Tudo é uma
questão de ponto de vista, não é mesmo? Pensem bem: o que é o universo
perto de Lula? Mera distração de Deus nas horas intersticiais do tédio. O
Senhor pensou grande mesmo quando deu à luz o Babalorixá de Banânina.
Aí desafiou: “Agora eu vou mostrar para Michelangelo quem é o verdadeiro
Michelangelo…”.
O Altíssimo se referia, claro!, àquele
momento em que o artista, depois de esculpir Moisés, deu-lhe num
toquezinho no joelho e disse: “Parla” (“fala!), tal era a perfeição da
obra. Sim, meus caros, Lula é um Moisés que rivaliza com o próprio — ele
também abre os mares se preciso — e supera o de Michelangelo: afinal,
fala! Pelos cotovelos! Por isso mesmo, dada essa grandeza, Lula deve
agora explicações ao mundo.
Como o mundo não se interessa mais pelas
coisas que ele diz e pensa; como ninguém mais se importa com a
personagem acidental que Marilena Chaui achava poder revolucionar a
filosofia, basta, então, que se explique à CPI do Petrolão. Convocá-lo
passou a ser, agora, um imperativo moral. E por quê?
José Mujica, o esquisito que já governou o
Uruguai, e que também fala pelos cotovelos, revelou num
livro-depoimento chamado “Una Oveja Negra al Poder” — “Uma ovelha negra
no poder” —, escrito pelos jornalistas Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz,
que, em 2010, o Moisés de Garanhuns e de São Bernardo lhe confidenciou
que o mensalão “era a única forma de governar o Brasil”. Vale dizer:
Mujica afirma em seu depoimento que Lula lhe confidenciou um crime
contra o Estado brasileiro.
Notem: o que foi o mensalão? Consistia no
uso de recursos públicos e privados para formar uma espécie de estado
paralelo. O que é o petrolão? Trata-se de um mensalão muito mais ousado,
em que, da mesma forma, recursos públicos e privados são empregados
para capturar o estado.
Mujica e Lula são companheiros à
esquerda. Ambos se dizem socialistas, ainda que um cultive o socialismo à
brasileira, e o outro, à uruguaia. Refiro-me, claro!, a dois exotismos
sem paralelo no mundo, hoje ou em qualquer tempo. Em comum, no entanto,
eles têm aquele papo furado contra as elites, contra os conservadores,
contra a tradição… Cada um deles, também, é irresponsável a seu modo.
De toda sorte, duvido que Mujica esteja mentindo. Lula certamente lhe
fez mesmo aquela “confidência”, até porque é os que petistas vivem
dizendo por aí.
Num debate eleitoral na televisão, em
1986, o empresário Antônio Ermírio de Moraes, que morreu no ano passado,
afirmou que “a política é a arte de pedir voto aos pobres, dinheiro aos
ricos e mentir aos dois”. Lula, como ninguém, levou adiante essa
máxima.
Em entrevista recente ao jornal espanhol
El País, afirmou Mujica: “A esquerda morre quando a cobiça de se fazer
dinheiro entra na política. Por que a corrupção prolifera tanto? Parece
sensato que pessoas de 60, 70 anos se emporcalhem com uns pesos imundos?
Eles sabem que têm pouca vida pela frente. O tema de ter dinheiro para
ser alguém pode ser uma ferramenta de progresso no mundo do comércio,
onde se correm riscos empresariais, mas estamos fritos quando se mete na
política. Isso aconteceu na Itália, em parte da Espanha. É inexplicável
o que se passa no Brasil”.
Não é inexplicável, não! É muito
explicável! Mujica, mesmo sendo meio doidivanas, não assumiu o poder com
o propósito de aniquilar as demais forças políticas, de se estabelecer
como partido único, de eliminar a oposição. Também não tinha e não tem a
ambição de liderar a esquerda latino-americana.
O nosso Moisés tinha propósitos maiores,
não é? Tanto é assim que criou o Foro de São Paulo, com Fidel Castro.
Lula deveria ter feito outra confissão a Mujica: “É impossível dar um
golpe nas instituições, como queremos, sem recorrer a coisas como o
mensalão”. Aí, sim, estaria a dizer a verdade.
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