quinta-feira, 28 de maio de 2015

Construída para receber coroa de Cristo, Sainte-Chapelle recupera o esplendor
Seis anos de trabalho foram necessários para restaurar os vitrais desta obra de arte em estilo gótico flamboyant
Florence Evin - Le Monde
Reprodução/Instagram/estibalizllano
Vitrais da Sainte-Chapelle, em Paris, que passaram por seis anos de restauro Vitrais da Sainte-Chapelle, em Paris, que passaram por seis anos de restauro
Ao final de seis anos de restauração, três quartos dos vitrais da Sainte-Chapelle, obra de arte em estilo gótico flamboyant, próxima da Notre-Dame, recuperaram seu esplendor. Sorte do milhão de visitantes que, a cada ano, vêm admirar essa estrutura de vidro construída no século 13 na Île de la Cité, em Paris, a Bíblia de Luz idealizada por Luís 9º, o futuro São Luís, para abrigar a coroa de espinhos de Cristo.
Somando 750 metros quadrados, 15 monumentais vidraças e a grande rosácea do Apocalipse contam, em 1.113 cenas, a história do povo escolhido nas paredes transparentes da estreita nave e de sua abside. Agora, as cores voltam a estourar com os raios de sol, entre vermelho rubi, verde esmeralda, azul safira e jade.
O efeito produzido é o de pedras preciosas, conforme o desejo do rei Luís 9º (1214-1270), canonizado em 1297, que queria fazer dessa construção, erguida ao lado de seu palácio, o mais suntuoso dos relicários destinado à coroa de espinhos de Cristo. Paris contava então com 200 mil habitantes. A famosa relíquia só aumentaria o prestígio da capital mais populosa da Europa, dominante no plano intelectual, político e religioso, conhecida pelo virtuosismo de seus artesãos, que incluíam talhadores de pedra, pintores de vitrais e ourives.

Limpeza com bisturi

O neto de Filipe Augusto decidiu então adquirir em Constantinopla, a nova Roma cristã, as famosas relíquias da Santa Cruz. Por um feliz acaso, o imperador latino da cidade de Bósforo era Balduíno 2º de Courtenay, que o próprio Luís 9º havia nomeado cavaleiro. O rei sabia que seu amigo precisava de financiamento para as cruzadas das quais ele mesmo viria a participar duas vezes, e de onde não voltou, tendo morrido em Túnis.
A coroa de espinhos de Cristo havia sido penhorada por Balduíno junto a banqueiros de Veneza por 135 mil libras. Aos 23 anos de idade, Luís 9º decidiu então comprá-la. Ele enviou para Constantinopla um padre dominicano para representá-lo, com uma carta manuscrita e 135 mil libras, uma soma considerável para a época, em comparação com os custos envolvidos cinco anos mais tarde na construção da própria Sainte-Chapelle, de 40 mil libras. Além disso, outras 100 mil libras seriam gastas no grande relicário de prata de 2 metros de largura acima do coro. Enquanto as obras da Notre-Dame demoraram mais de cem anos, as da Sainte-Chapelle foram concluídas em somente seis anos, entre 1242 e 1248 --o mesmo tempo levado só para a restauração dos vitrais, oito séculos depois.
E o que restou da construção original? "Na nave e na abside, 60% dos vitrais são do século 13, ao passo que 80% dos da grande rosácea do Apocalipse datam do século 15", explica Christophe Bottineau, arquiteto-chefe dos monumentos históricos, que coordenou a restauração da construção, entre 2009 e 2015.
A própria construção havia sofrido tanto que teve de ser reconstruída no século 18 sob coordenação do arquiteto Félix Duban (1797-1870), acompanhado do jovem Jean-Baptiste Lassus (1807-1857), especialista em arquitetura medieval. De acordo com o historiador Jean-Michel Leniaud, "a Sainte-Chapelle não é mais o monumento de São Luís, é um monumento histórico do século 19. Exceto pela parte de cima e pela fachada ocidental, praticamente não restou nada das épocas intermediárias." Mas, ele diz, "a reforma foi exemplar, uma das mais bem-sucedidas, mais ainda que a feita por Viollet-le-Duc na Notre-Dame de Paris".
Acima do pórtico de entrada, não resta mais dúvida, a estatuária destruída na Revolução Francesa foi refeita: os rostos não têm o aspecto arredondado que o talhador de pedra da Idade Média sabia dar, e os charmosos botões de rosa poupados pelos revolucionários são prova disso. Já na nave, a beleza e a transparência recuperadas dos vitrais originais são deslumbrantes. O trabalho de restauração impressiona.
Cada metro quadrado de vitral é composto de 200 pedaços de vidro unidos por chumbo. Tudo foi desmontado, limpo da poluição parisiense com bisturi e remontado, quando necessário, com pedaços da mesma cor em vidro soprado. Especialmente no "vitral da Gênese, que teve 95% dele refeito no século 19 e no qual a narrativa estava incoerente", diz Christophe Bottineau.
Essa estrutura de vidro de 20 metros de altura é sustentada por pilares em silha compostos de pequenas colunas policromáticas. Esses 12 pilares representam os apóstolos. "A policromia é do século 19", diz Bottineau. "Descobri que as estruturas de metal na nave, que todos achavam ser originais, não são: havia de fato tirantes que atravessavam o teto de lado a lado. Eles foram divididos, e Jean-Baptiste Lassus recolocou uma armadura."
A obra de renovação custou 9,5 milhões de euros, sendo que metade do valor foi financiada através de mecenato, ao Centro dos Monumentos Nacionais responsável pela Sainte-Chapelle, bem como por uma centena de monumentos históricos, desde o Monte Saint-Michel até a cidade de Carcassonne, passando pelo Panteão. Restam ser restauradas as quatro baias sul, obras que devem ser realizadas dentro de cinco anos e que são indispensáveis para a conservação do monumento.

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