Suzanne Daley e Alissa J. Rubin - NYT
Ian Langsdon/Efe
Malek Layouni não estava pensando na religião muçulmana ou em seu lenço
de cabeça quando levou seu excitado filho de 9 anos a uma área de lazer
perto de Paris. Mas afinal era tudo o que importava.
Layouni ainda enrubesce de humilhação ao ser barrada na frente de amigos e vizinhos, sem ter resposta para seu filho, que não parava de lhe perguntar: "O que nós fizemos de errado?"
Mais de dez anos depois de a França ter aprovado a primeira lei que proíbe as meninas de usar véu nas escolas públicas, a cobertura de cabeça das muçulmanas praticantes, desde lenços de seda coloridos até chadors pretos, tornaram-se um dos pontos mais visíveis nas tensas relações do país com sua vibrante e crescente população muçulmana.
Os políticos da corrente dominante continuam pressionando por novas medidas para dificultar o acesso de mulheres que usam véu a empregos, instituições educacionais e vida comunitária. Eles costumam dizer que fazem isso em benefício da ordem pública ou em nome da laicidade - a separação entre igreja e Estado.
Mas os críticos dizem que esses esforços, em vez de promoverem uma sensação de inclusão secular, incentivaram a crescente discriminação contra os muçulmanos em geral e as mulheres com véus em particular. O resultado foi alimentar uma sensação entre muitos muçulmanos de que a França - que comemora os feriados cristãos nas escolas públicas - está praticando uma espécie de racismo estatal.
A proibição, segundo alguns críticos, também é útil para os islamistas, que estão ávidos para aumentar a separação entre muçulmanos e não muçulmanos no Ocidente.
Até agora, a França aprovou duas leis, uma em 2004 proibindo o véu nas escolas públicas elementares e secundárias, e outra, de 2011, que proíbe os véus que cobrem todo o rosto, usados por uma pequena parte da população.
Mas as muçulmanas praticantes na França, cuja cobertura de cabeça pode variar de lenços amarrados embaixo do queixo até capuzes justos que escondem cada fio de cabelo, dizem que os comentários constantes sobre as novas leis fizeram delas alvos de agressão, desde cusparadas a ter seus véus puxados, ou serem empurradas quando caminham nas ruas.
Em algumas cidades, as mães que usam lenços de cabeça também foram impedidas de apanhar seus filhos na escola ou acompanhar passeios de classe. Uma grande loja de descontos foi acusada de habitualmente revistar as mulheres com véus.
Algumas foram atacadas de forma violenta. Recentemente, em Toulouse, uma mãe grávida usando um lenço de cabeça teve de ser hospitalizada depois de ser espancada na rua por um rapaz que a chamou de "muçulmana suja".
A França, onde os muçulmanos perfazem cerca de 8% da população, há muito demonstra incômodo com as mulheres muçulmanas que cobrem as cabeças, comportamento que é padrão no mundo muçulmano e está de acordo com os ensinamentos do Alcorão sobre decência.
Mas nos últimos anos os líderes franceses parecem cada vez mais concentrados em proibir o véu. Eles foram estimulados por diversos fatores, como a ascensão de um movimento de extrema-direita que declara abertamente o que chama de islamização da França e a realidade de que extremistas muçulmanos criados na França realizaram dois dos piores atentados no país, incluindo os tiroteios na sede do jornal satírico "Charlie Hebdo", em janeiro.
Políticos da corrente dominante de direita, incluindo o ex-presidente Nicolas Sarkozy, estão pedindo que as mulheres com véus sejam barradas nas universidades. Outros no partido de Sarkozy querem que as mulheres que cobrem o rosto em público sejam acusadas de crime grave. Na esquerda, um pequeno partido defendeu uma lei que impede as mulheres com véu de trabalhar em creches contratadas pelo governo.
Até no governo socialista do presidente François Hollande, Pascale Boistard, a ministra dos Direitos das Mulheres, disse em janeiro que "não tem certeza se o véu tem um lugar no nível universitário".
Nils Muiznieks, comissário de Direitos Humanos no Conselho Europeu, que notou o grande número de ataques a mulheres veladas como uma área de especial interesse em seu relatório sobre a França de 2014, é crítico sobre o que chamou de "preocupação" do país com os trajes das mulheres muçulmanas. "Isso só as destaca e estigmatiza", disse ele.
Muitas autoridades francesas defendem as leis antivéus. A proibição dos véus de rosto inteiro é necessária por motivos de segurança, dizem, notando que a Bélgica tem a mesma proibição e a Holanda está considerando adotá-la. Segundo as autoridades, a proibição nas escolas, provocada por um incidente em 1989, quando três garotas foram mandadas para casa de escolas públicas por se recusarem a retirar seus lenços de cabeça, tem por objetivo a laicidade. (Gorros muçulmanos, grandes cruzes e outros sinais religiosos ostentatórios também foram proibidos, dizem elas.)
O conceito de laicidade foi desenvolvido durante a Revolução Francesa e se destinava a limitar a influência da Igreja Católica no governo.
Mais recentemente, entretanto, especialistas dizem que se tornou o grito de guerra da direita, que o redefiniu como uma arma para defender as tradições da vida francesa contra o que muitos consideram a influência assustadora de uma crescente população muçulmana.
Entretanto, apesar de haver cada vez mais pedidos de restrição ao véu, a mais recente lei francesa, que proíbe os véus que cobrem todo o rosto, enfrentou problemas. Alguns questionam por que ela entrou em vigor, pois especialistas acreditam que só uma pequena fração das muçulmanas francesas se vestem dessa maneira - não mais de 2.000 e talvez apenas 500 mulheres, muitas delas convertidas.
Nos três anos desde a adoção da lei, foram emitidas somente cerca de 1.000 multas, que podem chegar a 150 euros (quase R$ 500). Várias mulheres, ao que parece, gostam de provocar a polícia. Uma delas recebeu mais de 80 multas. Poucas as pagaram. Um rico empresário argelino criou um fundo para pagar essas multas.
Enquanto isso, pesquisadores dizem que algumas francesas que estão decididas a usar o véu completo tornaram-se reclusas, com medo de sair de casa.
"Esse é o pior cenário", disse Naima Bouteldja, que escreveu dois relatórios sobre o assunto para a Open Society Foundations, entidade beneficente de defesa dos direitos humanos. "Elas não são liberadas, são prisioneiras dessa lei."
Defendendo a proibição ao véu na praia temporária, Richard Trinquier, prefeito de Wissous, disse a um tribunal que está protegendo o compromisso da França com o secularismo.
Segundo reportagens de jornal, o prefeito, que é membro do partido UMP de Sarkozy, de centro-direita, disse que a presença crescente de símbolos religiosos em público está se tornando "um obstáculo ao convívio". Trinquier não quis ser entrevistado.
O juiz do caso de Wissous discordou e a praia afinal foi aberta para Layouni. Mas o fato a deixou traumatizada e dividiu essa pequena aldeia de casas modestas, enquanto amigos se uniam de um lado ou de outro.
"Meu marido disse que eu perdi minha luz interior", disse Layouni, suspirando. Depois da decisão, o casal, que possuía um salão de chá em Wissous, também viu os negócios diminuírem. Eles fecharam a casa este ano e mudaram-se para uma cidade vizinha.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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