Morte de romeno revela dificuldades dos trabalhadores estrangeiros na Alemanha
Bruno Schrep - Der Spiegel
Um jovem trabalhador romeno morreu recentemente quando ficou preso num contêiner do qual tentava roubar roupas. Sua morte foi trágica, e sua vida difícil é comum para dezenas de milhares de trabalhadores do Leste Europeu.
Dois pedestres que iam para o trabalho numa manhã congelante de fevereiro fizeram uma descoberta terrível – duas pernas humanas para fora de um contêiner de roupas usadas no bairro de Oststadt em Hanover.
Um homem estava preso no contêiner, de cabeça para baixo, preso na abertura de uma tampa de metal parcialmente fechada. Ele havia parado de respirar e seus membros estavam congelados. Os bombeiros precisaram de equipamento especial para retirar o corpo sem vida. A autópsia revelou que ele morreu sufocado.
Poucas pessoas em Hanover conhecem o homem que morreu, o trabalhador romeno Kristian Serban, solteiro, de 23 anos. Ele morreu enquanto tentava roubar roupas usadas do contêiner.
Para a Promotoria pública, o caso foi resolvido rapidamente. Como aparentemente não havia uma terceira parte envolvida em sua morte, o caso foi imediatamente arquivado e tratado como se não fosse nada além de um acidente trágico. Mas a morte miserável do jovem romeno, que perdeu sua vida por causa de poucas peças de roupas usadas, enfatiza a situação dos trabalhadores migrantes da Bulgária, Romênia, Eslováquia, República Tcheca e Eslovênia.
Dezenas de milhares de homens e mulheres do Leste Europeu trabalham como se fossem escravos só na Alemanha. Eles trabalham na construção civil, limpando cozinhas de restaurantes, colhendo aspargos e maçãs no interior. Algumas jovens mulheres até vendem seus corpos na prostituição. Muitos trabalham sem as permissões de trabalho necessárias, recebem salários miseráveis e vivem em moradias precárias. Entretanto, eles preferem a vida na Alemanha às condições miseráveis em seus países natais.
Um plano assustador
Dos cerca de 14 mil desempregados de Galati, a cidade natal de Kristian Serban ao longo do rio Danúbio, mais de 10 mil não recebem nenhum benefício do governo. Aqueles que conseguem encontrar trabalho em um dos grandes moinhos de aço que marcam o horizonte da cidade são relativamente sortudos. O pai de Kristian tem um emprego num dos moinhos, mas seu pagamento mensal de cerca de apenas 150 euros (US$ 188), junto com o dinheiro que sua mulher ganha como cozinheira, mal dá para sustentar a família de quatro pessoas, especialmente porque a irmã de 17 anos de Kristian ainda está na escola e não contribui com a renda familiar.
Kristian teve que assumir responsabilidades cedo na vida e abandonou seu sonho de estudar engenharia elétrica. Logo que terminou a escola, era tempo de ganhar dinheiro e a construção foi a melhor opção. Mas, embora ele fosse um trabalhador habilidoso e com vontade, ganhava menos do que seu pai. Kristian, que entregava a maior parte de seu salário à família, não podia comprar nada das coisas que os jovens costumam desejar, como um telefone celular, roupas da moda e um carro.
Seu plano para se mudar para o oeste assustou seus pais. Eles precisavam do dinheiro, mas também temiam que seu único filho, um jovem tímido que não falava nenhuma língua estrangeira e que sempre morou em casa, não tinha as características necessárias para se dar bem em outro país.
Seu único conforto foi que o filho teria um contato com o Leste Europeu, seu tio Pachel Serban. Ele sabia se virar na Itália e dizia que havia dinheiro suficiente para ganhar por lá, afugentando os medos do irmão. “Prometa-nos que você cuidará bem dele”, disse o pai de Kristian, implorando. “Eu prometo”, respondeu o irmão.
Enquanto trabalhavam colhendo azeitonas na Toscana, os dois romenos conheceram M., um empresário italiano que seria seu futuro empregador. M. é casado com uma mulher alemã e se orgulha de sua reputação de self-made man. Além da plantação de oliveiras na Itália, ele é dono de vários prédios na Alemanha. Ele poderia usar homens capazes, como os dois que colhiam azeitonas.
Um emprego em Hanover
M. é dono de um grande prédio de apartamentos em Hanover, um antigo hotel que precisa urgentemente de reforma. Com um acordo selado por um aperto de mão, os dois romenos concordaram em trabalhar para M. na Alemanha e deixaram a Itália no outono de 2011.
Kristian e seu tio batalhavam desde a manhã até a noite. Eles remendavam canos velhos, retiravam vasos sanitários quebrados, demoliam paredes de gesso, construíam novas, instalavam piso e arrastavam grandes sacos de cimento. Eles engoliam muita poeira no processo, e todas as noites estavam completamente exaustos.
Seu empregador M. não é um explorador clássico. Ele dá uma mão e faz qualquer tipo de trabalho. Ele toma café-da-manhã com os trabalhadores, compra café para eles, trata-os pelo primeiro nome e paga em dia. Ele gostava especialmente de Kristian, que era trabalhador e prestativo. “Ele era como um filho para mim”, lembra-se M. Mas ele também está ciente das vantagens de empregar trabalhadores romenos. M. não paga contribuições sociais ou seguros, e sabe perfeitamente bem que os salários para os trabalhadores alemães são bem mais altos.
Os dois nunca haviam tirado um visto de trabalho, com o qual os trabalhadores como eles podem trabalhar na Alemanha, pelo menos na teoria. Na realidade, entretanto, os vistos para este tipo de trabalho só são cedidos sob condições específicas. Uma é que os empregadores devem considerar primeiro empregar alemães com qualificações similares.
Para evitar problemas, o empregador M. faz com que cada um de seus trabalhadores estrangeiros assine um certificado e se registrem nas autoridades como empreiteiros independentes. Mas essa independência não é nada mais do que uma farsa. Os empreiteiros independentes encontram suas próprias obras, trabalham para vários empregadores diferentes e têm escolha. Os dois romenos, por outro lado, trabalham apenas para M., então, na verdade, são de fato empregados e não empreiteiros independentes.
Sentindo-se isolado
Os dois romenos levavam uma existência deprimente, trabalhando, comendo, dormindo e voltando para o trabalho novamente. Kristian dividia um pequeno quarto com seu tio e mandava a maior parte de seu pagamento para sua família. Para atender às expectativas de todos, ele trabalhava algumas noites lavando pratos num restaurante italiano que M. havia arrendado para outro italiano.
“Eu ainda me sinto mal quando penso naquele menino”, admite a filha de M. “Ele era como eu, trabalhava feito louco e ainda sustentava seus pais”, diz a garota de 23 anos. “Eu, por outro lado, gasto o dinheiro dos meus pais e posso estudar”. Uma vez, ela foi ao zoológico com os romenos. Foi uma experiência especial para Kristian.
Ele passava a maior parte de seu tempo livre assistindo à televisão com o tio. Bebia cerveja de vez em quando, mas só um ou dois copos, porque tinha uma baixa tolerância. Ele dificilmente falava uma palavra de alemão, então raramente se aventurava sozinho pela cidade, embora às vezes fosse a uma discoteca de público romeno. Embora quisesse ter uma namorada, ele não conheceu nenhuma garota na discoteca.
Para as pessoas de fora, o jovem magro parecia introvertido, quase inibido. Ele aparentemente se sentia isolado num mundo que não compreendia e onde não era compreendido. Ele passou a confiar em Sari Catalan, um alemão de origem turca que é dono de um quiosque a algumas quadras de distância, e seu vizinho italiano Marcel, um garçom numa sorveteria. Com gestos e com o pouco de alemão que falava, ele às vezes contava ao dono do quiosque, onde comprava cerveja de vez em quando, sobre sua vida. Às vezes assistia futebol na TV com Marcel, que mora no andar de cima, ou ia a um dos bares próximos com ele.
O rapaz de 23 anos dificilmente se permitia gastar. Ele guardava todo o dinheiro que não era destinado à família. Ele dizia a seu chefe que queria comprar um apartamento na Romênia um dia, mesmo que levasse outros 20 anos. Kristian comprava suas roupas numa rede de lojas baratas. Numa ocasião, ele perguntou a Marcel onde podia comprar sapatos baratos. Mas no fim decidiu não ir à loja de descontos com Marcel. “Ele provavelmente não quis gastar o dinheiro”, diz Marcel hoje.
Um método perigoso
Muitos vizinhos dos prédios próximos em Oststadt, trabalhadores migrantes como Kristian, vivem vidas similarmente modestas. Entre eles há búlgaros, croatas e poloneses, bem como indianos e paquistaneses, mas o que todos têm em comum é que vivem da forma mais frugal possível para que possam enviar dinheiro para casa.
O contêiner grande e cinzento para doação de roupas usadas que fica ao ar livre, cheio de camisas, calças, casacos e sapatos velhos, costuma ser usado pela comunidade de imigrantes. O contêiner é equipado com um mecanismo anti-furto, mas acrobatas espertos conseguem passar pelo mecanismo. O próprio Kristian já havia conseguido alcançar dentro do contêiner algumas vezes.
O princípio é fácil: quando a parte designada a aceitar roupas é pressionada para cima, uma fresta de cerca de 20 centímetros é criada – espaço suficiente para alcançar dentro do contêiner e puxar peças de roupas, que normalmente são embrulhadas em sacolas plásticas. A técnica requer concentração, um bom controle físico e uma constituição magra.
Uma semana antes da tragédia, Kristian e seu tio sentiram em primeira mão como este método era perigoso. No caminho para casa, eles ouviram um barulho forte e gritos desesperados de ajuda vindo do contêiner. Um trabalhador magro, também romeno, havia escorregado para dentro do contêiner de aço ao tentar roubar algumas roupas e estava preso do lado de dentro sem conseguir respirar. Quando seus colegas romenos conseguiram tirá-lo de lá, o ladrão mal sucedido tremia de choque.
As temperaturas estavam bem abaixo de zero na quinta-feira, 9 de fevereiro. Kristian parecia deprimido naquele dia e mal conversava. Sua mãe estava no hospital, e a situação financeira da família estava mais tensa do que o normal. Kristian colocou 500 euros no bolso, com a intenção de enviá-los para a Romênia.
Depois do trabalho, ele bebeu mais cerveja do que o normal, na espera de esquecer seus problemas. De repente, ele parecia alegre e aventureiro. Tentou convencer seu tio a sair para beber mais, mas o tio estava cansado. No final, seu vizinho Marcel foi com ele até o bar. No Spectacle, um tradicional pub alemão, o econômico Kristian comprou pela primeira vez uma cerveja para seu amigo. Ele riu muito e pareceu aliviado. Entretanto, mal conseguia ficar parado, bebeu rapidamente e saiu do bar de repente. Seu amigo Marcel decidiu ficar. Era pouco antes da meia-noite.
Preso no contêiner
O dono do quiosque, Sari Catalan, foi aparentemente a última pessoa a ver o jovem romeno vivo. Kristian comprou mais quatro garrafas de cerveja para levar, colocou-as numa sacola plástica e sacudiu a mão de Atalan várias vezes, quase eufórico. Catalan ficou surpreso com o fato de seu cliente só estar usando um suéter fino numa noite tão fria, e perguntou: “Ei, garoto, você não está congelando?” Nesse ponto, a temperatura já havia caído para 13 graus negativos.
O contêiner ficava a apenas 50 metros dali. Ninguém sabe o que Kristian tentou tirar do contêiner. Talvez um pesado casaco de inverno porque ele havia perdido o seu? Sapatos velhos porque ele não queria gastar dinheiro num par novo? Roupas fortes para trabalhar uma vez que as suas estava gastas e sujas?
Está claro, entretanto, que o jovem de 23 anos perdeu o equilíbrio, ficou preso e não conseguiu sair. Na manhã seguinte, os bombeiros encontraram o saco plástico com as garrafas de cerveja na calçada perto dele. O dinheiro para sua mãe continuava no bolso do homem morto.
Quando o tio ligou para o irmão para contar sobre a morte do filho, o pai gritou: “Por que você não cuidou dele? Você prometeu!” O corpo do filho foi colocado num caixão de zinco e levado de carro fúnebre por 2.000 quilômetros até a Romênia. Seu empregador, M., pagou parte dos custos do transporte, porque os pais não podiam arcar com as despesas. Os empregados do restaurante italiano onde Kristian lavava pratos coletaram dinheiro para o enterro. Mais de 400 pessoas foram ao velório em Galati.
A prefeitura de Hanover ordenou que o contêiner no qual Kristian Serban morreu fosse removido do local. De acordo com um porta-voz da prefeitura, ele foi removido “em reverência ao rapaz”.
A obra no prédio de apartamentos do empresário italiano M., que foi brevemente interrompida depois da morte de Kristian, foi retomada com força total. O tio de Kristian, Pachel Serban, já encontrou um substituto para seu sobrinho morto, trazendo outro parente da Romênia para a Alemanha.
Tradutor: Eloise De Vylder
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