A pressão da sociedade
Um dos pontos mais importantes
nos dois processos é a deslegitimação da classe política, que propiciou
um ímpeto às investigações de corrupção, e os resultados desta
fortaleceram o processo de deslegitimação. Conseqüentemente, as
investigações judiciais dos crimes contra a Administração Pública
espalharam-se como fogo selvagem, desnudando inclusive a compra e venda
de votos e as relações orgânicas entre certos políticos e o crime
organizado, analisa Moro.
As investigações na Itália minaram a
autoridade dos chefes políticos – como Arnaldo Forlani e Bettino Craxi,
líderes da Democracia Cristã (DC) e do Partido Socialista Italiano (PSI)
– e os mais influentes centros de poder, cortando sua capacidade de
punir aqueles que quebravam o pacto do silêncio. Não faltaram tentativas
do poder político para interromper as investigações, relembra Moro, e
foi aí que o apoio da opinião publica foi fundamental.
Por
exemplo, o governo do primeiro-ministro Giuliano Amato tentou, em março
de 1993 e por decreto legislativo, descriminalizar a realização de
doações ilegais para partidos políticos. A reação negativa da opinião
pública, com greves escolares e passeatas estudantis, foi essencial para
a rejeição da medida legislativa.
Da mesma forma, quando o
Parlamento italiano, em abril de 1993, recusou parcialmente autorização
para que o ex-primeiro-ministro Bettino Craxi fosse processado
criminalmente, houve intensa reação da opinião pública. Uma multidão
reunida em frente à residência de Craxi arremessou moedas e pedras
quando ele deixou sua casa para atender uma entrevista na televisão.
Em
julho de 1994, novo decreto legislativo do governo do primeiro-ministro
Silvio Berlusconi aboliu a prisão pré-julgamento para categorias
específicas de crimes, inclusive para corrupção ativa e passiva. A
equipe de procuradores da operação mani pulite ameaçou renunciar
coletivamente a seus cargos. Novamente, a reação popular, com vigílias
perante as Cortes judiciais milanesas, foi essencial para a rejeição da
medida.
Na verdade, diz Moro, é ingenuidade pensar que processos
criminais eficazes contra figuras poderosas, como autoridades
governamentais ou empresários, possam ser conduzidos normalmente, sem
reações.
Agora mesmo uma tentativa de anular a delação premiada
do doleiro Alberto Yousseff, o que colocaria em risco toda a
investigação, foi rejeitada por unanimidade pelo plenário do STF. Um
Judiciário independente, tanto de pressões externas como internas, é
condição necessária para apoiar ações judiciais da espécie, ressalta
Moro.
Entretanto, a opinião pública, como ilustra o exemplo
italiano, é também essencial para o êxito da ação judicial. Por isso os
Procuradores dão longas entrevistas coletivas para explicar cada passo
da Operação Lava-Jato e, assim como os responsáveis pela operação mani
pulite fizeram largo uso da imprensa, aqui também a divulgação das
delações premiadas e informações extra-oficiais servem para divulgar
pontos importantes já atingidos pelas investigações.
Tão logo
alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no
“L’Expresso”, no “La Republica” e outros jornais e revistas
simpatizantes. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do
público elevado e os líderes partidários na defensiva. Craxi,
especialmente, não estava acostumado a ficar na posição humilhante de
ter constantemente de responder a acusações e de ter a sua agenda
política definida por outros. O mesmo acontece hoje com o ex-presidente
Lula, obrigado a explicar a atuação pessoal em favor da empreiteira
Odebretch, e as atividades do Instituto Lula.
Talvez a lição mais
importante de todo o episódio, diz Sérgio Moro, seja a de que a ação
judicial contra a corrupção só se mostra eficaz com o apoio da
democracia. É esta quem define os limites e as possibilidades da ação
judicial. Enquanto ela contar com o apoio da opinião pública, tem
condições de avançar e apresentar bons resultados. É a opinião pública
esclarecida que pode, pelos meios institucionais próprios, atacar as
causas estruturais da corrupção.
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