A metamorfose de Lula em oposicionista
O lulopetismo, se liderar a esquerda contra
uma Dilma subjugada por ‘neoliberais’, tentará se proteger do fracasso
do governo e se credenciar para voltar ao Planalto
O Globo
Luiz Inácio Lula da Silva costuma dar demonstrações irretocáveis de
ser uma “metamorfose ambulante”, como ele próprio se autointitula,
usando o termo do roqueiro Raul Seixas. E como acontece na política, as
mudanças são sempre em nome de um projeto de poder. Às favas com o
resto.
Na quarta tentativa de chegar ao Planalto, nas eleições de 2002, Lula
aposentou a persona do líder metalúrgico radical, diante da constatação
de que ele e seu partido, o PT, com aquela postura, não conquistariam
mais que um terço do eleitorado nacional. Seriam relegados a um eterno
papel secundário na cena político-partidária.
Com a ajuda da marquetagem eleitoral, transmutou-se no “Lulinha Paz e
Amor”, enfatiotou-se com ternos bem cortados e elegantes gravatas,
mudou o discurso, inclusive fazendo formalmente, na Carta ao Povo
Brasileiro, a promessa de não investir contra mercados e a segurança
jurídica. Ajudado, ainda, pelo desgaste dos tucanos, depois de dois
mandatos consecutivos de FH, quando foram executadas reformas que
contrariaram interesses, Lula ganhou a primeira eleição presidencial.
Cumpriu
o prometido, estabilizou a economia — abalada pelo próprio temor dos
mercados com o crescimento de Lula nas pesquisas —, porém, mais à
frente, no segundo mandato, com Dilma na Casa Civil, passou a aplicar o
programa econômico do velho PT, mantido por Dilma no seu primeiro
governo. O resultado catastrófico e previsível aí está.
Os tempos são difíceis para o país. Já para Lula e o lulopetismo, há,
ainda, o enorme ônus do petrolão e mensalão, escândalos que envolvem
“capas-pretas” do grupo e ameaçam o ex-presidente. Existe, também, o
risco real da corresponsabilização por um fracasso retumbante do segundo
governo Dilma, sua criatura. É hora, então, de mais uma metamorfose,
agora para liderar a oposição a Dilma, a partir da esquerda. A não ser
que a presidente se curve ao criador e dê ela mesma a guinada à
esquerda, num indiscutível suicídio.
Num cálculo frio, é lógico imaginar que, diante de enormes obstáculos
à frente do governo, Lula, de sócio da derrocada, possa se sentir
tentado a saltar à frente dos grupos de esquerda, de dentro e de fora do
PT, para liderá-los no enfrentamento de um governo cooptado pelos
“neoliberais”. De quebra, ainda criaria um fato para tentar
contrabalançar os efeitos de uma possível investigação séria de seu
relacionamento não republicano com empreiteiras apanhadas na Lava-Jato.
Como sempre, tudo será denunciado como um “golpe” contra líderes do
povo.
É consensual que o Lula esquivo de hoje poderá ganhar outra vida
amanhã, se estiver na oposição a um governo que faz um ajuste “contra os
pobres”, como ele próprio disse em passagens por Assunção e Buenos
Aires. Pareceu um ensaio do novo discurso.
O ajuste de Lula é oposto à austeridade: crescer para gerar receita
tributária e assim equilibrar as contas públicas. Um salto no precipício
da recessão e superinflação, mas música para os ouvidos dos “movimentos
sociais”, recolocando Lula nos palanques, território em que transita
com desenvoltura enquanto se coloca contra “tudo que está aí”.
Feito isto, o Lula oposicionista terá ressuscitado para denunciar o
“golpe” do impeachment ou da renúncia, enquanto se prepara para tentar
subir mais uma vez a rampa do Planalto, com a velha plataforma
populista, prometendo a volta aos bons tempos de seus governos. Quando
começou a ser construída a atual crise.
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