Estatais dependentes e inchadas
Gastos com 18 empresas da União chega a R$ 15 bilhões, e custo de pessoal dobra em cinco anos
Ruben Berta / Cássia Almeida / Marcello Corrêa - O Globo
Dados levantados pelo GLOBO no site do Departamento de Coordenação e
Governança de Empresas Estatais (Dest) mostram que essas empresas saíram
de um total de 36.488 funcionários em 2009 para 47.433 em 2013, um
aumento de 30%, ou quase 11 mil contratações. Os números se completam
com os dados do Orçamento federal que revelam que, entre 2009 e 2014, os
recursos destinados ao pagamento da folha dessas companhias saltaram de
R$ 3,5 bilhões para R$ 7,3 bilhões no ano passado. Enquanto os recursos
dobraram, os investimentos dessas empresas tiveram um crescimento mais
modesto, de 47,2% no período. Os valores investidos somaram R$ 4,3
bilhões e representaram menos de um terço (28,5%) do Orçamento da União
com essas empresas, que foi de R$ 15,1 bilhões.
O papel das estatais é posto em xeque no momento que o Brasil perdeu o
grau de investimento de uma das principais agências de classificação de
risco, a Standard & Poors, este mês, por não ter conseguido cortar
gastos públicos, e o país corre o risco de ter o terceiro déficit fiscal
seguido no ano que vem.
Professor e pesquisador da Fundação Dom Cabral nas áreas de
logística, planejamento e transportes, Paulo Resende é categórico ao
analisar o papel das estatais no Brasil:
— Estatais operadoras estão em extinção no mundo desenvolvido.
O professor pesquisou o papel das estatais nos Estados Unidos, na
Alemanha e no Canadá. Nesses locais, o Estado cuida do planejamento, da
regulação e da fiscalização. A operação fica com a iniciativa privada.
Para ele, adotar esse modelo traria grande redução da máquina pública:
— A iniciativa privada capta dinheiro, tem que pagar a longo prazo.
Transforma o projeto que ela está gerenciando, implementa imediatamente
no DNA do processo a visão de longo prazo, para ter o melhor retorno
possível.
O Dest, que avalia o quantitativo máximo de contratação das estatais,
argumenta que o aumento do quadro de pessoal foi necessário para “a
substituição de terceirizados (grande parte para atender determinações
do Tribunal de Contas da União) e para a ampliação do atendimento à
população em áreas como mobilidade urbana e saúde”.
Ao todo, a União tem 143 estatais, segundo os dados mais recentes do
Dest, de 2013. A maioria faz parte do Grupo Petrobras (54) ou da
Eletrobras (20). Há também as independentes do Setor Produtivo Estatal
(SPE): são 33 empresas não financeiras, nas quais a União quase sempre é
acionista majoritária ou mesmo única. São exemplos a Telebras e
companhias Docas de vários estados.
São
18, porém, aquelas classificadas como dependentes do Tesouro, que
entram diretamente no Orçamento Fiscal da União. Entre essas, outro
indicador que chama a atenção é o desempenho financeiro. Dois terços
(12) fecharam 2013 no vermelho. Na soma de todos os balanços, houve um
prejuízo de R$ 1,8 bilhão. Em 2009, foi de R$ 179 milhões. Apesar de
servir como um dos indicadores da eficiência ou não das estatais, esse
rombo, segundo o Dest, não é coberto com dinheiro do caixa da União.
Um bom exemplo desse Estado inchado é a Empresa de Planejamento e
Logística (EPL). Criada em 2012 para planejar a construção do trem-bala —
projeto que não saiu do papel e cujo edital mais recente é de 2013 —,
ela está entre as que aumentaram o número de funcionários. Foi fundada
com 65, e hoje tem 161 — número que chegou a ser de 185, mas foi
reduzido por causa do ajuste fiscal. Em nota, a EPL explicou que o
aumento foi necessário para atender às demandas do Plano de
Investimentos em Logística (PIL).
Para especialistas, a função da EPL — projetar obras de
infraestrutura no país — poderia ser desempenhada pelo próprio
Ministério dos Transportes.
— São empresas que, de certa forma, ajudam a gerenciar a ação do
governo para o setor. A criação da EPL foi de certa forma o
reconhecimento que, dentro do ministério, não havia essa expertise. É
uma empresa que tem atribuições de ministério — explica Maurício Canêdo
Pinheiro, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
METRÔ EM RECIFE, SEDE NO RIO
Outro caso que
chama a atenção é o da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).
Criada em 1984, a empresa opera o metrô em quatro cidades do Nordeste e
em Belo Horizonte, mas tem sede principal no Rio de Janeiro.
— Na década de 1980, a CBTU teve um papel importante na formação do
Sistema Estrutural Integrado de transportes de Recife, mas atualmente é
quase que um elemento estranho, que não interage com as autoridades
locais no planejamento futuro — avalia o professor da Escola de
Engenharia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Fernando
Jordão.
A CBTU vem acumulando prejuízo ano a ano. Em 2014, passou de R$ 700
milhões. Em março deste ano, começou a ser investigada pela Procuradoria
Geral da República por suspeitas de “pagamento de vantagens indevidas”
envolvendo a estatal, em 2012, com base em denúncias do doleiro Alberto
Youssef. A estatal afirmou, através de sua assessoria de imprensa, que
está colaborando com os órgãos de controle nas apurações do caso. A CBTU
também alegou que vem aumentando o número de passageiros atendidos: em
2014, foi transportada uma média de 594,6 mil passageiros por dia útil,
5,3% mais que em 2013.
PARA QUE SERVEM
CBTU: Criada em 1984, a
Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) tem como objetivo “operar e
explorar o transporte rodoviário”. Atualmente, está presente em cinco
capitais do Nordeste e em BH, mas tem sede no Rio de Janeiro
EPL: Empresa foi criada em 2012, para cuidar do projeto do trem-bala,
que já não existe mais. Justifica que seu quadro de pessoal foi
ampliado para demandas do Plano de Investimentos em Logística (PIL).
Telebras: Voltou a servir a União em 2010 para cuidar principalmente
da Rede Nacional de Banda Larga, que ainda não vingou completamente
AMAZUL: Tem planos de construir o submarino de propulsão nuclear, mas em 2014 destinou apenas R$ 500 mil para investimentos
Codevasf: A Companhia de Desenvolvimento dos Vales de São Francisco e
do Parnaíba atua há 47 anos na região, mas não na obra de transposição
do São Francisco. Ela vai operar os canais e ganhou mais pessoal para
isso.
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